De revisão em revisão, as previsões para a evolução próxima dos principais agregados macroeconómicos domésticos têm vindo a afundar-se a ritmo vertiginoso. Tomando como paradigma as previsões oficiais do Governo para o ano corrente, em pouco mais de seis meses a evolução prevista para o produto interno caiu, em termos de pontos médios dos intervalos apresentados, de 1,75% para 0,5%! Sucedendo, por acréscimo, que as expectativas do Governo continuam a pecar por excessivo voluntarismo, e que um maior realismo conduz à expectação de um crescimento nulo, eventualmente negativo, para o PIB. Paralelamente, o desemprego vem aumentando a ritmo galopante. Desde a entrada em funções do actual Governo, o número de desempregados inscritos aumentou 27%! Assinale-se que, em qualquer dos casos, estes são os piores resultados registados no país depois da recessão de 1992-94, igualmente vivida sob um governo do PSD. Para o Governo e alguns comentadores económicos da sua área política, a responsabilidade desta situação cabe, por um lado, à conjuntura externa e, por outro lado, ao défice orçamental de 2001. Brandem como alegados sintomas de recuperação (em resultado da bondade das políticas do Governo) as previsões da UE de aumento da competitividade portuguesa em 2003 e 2004 e a redução acentuada do défice externo. Escamoteando que o previsto aumento de competitividade resulta exclusivamente do crescimento do desemprego e da baixa dos salários reais dos trabalhadores portugueses. Não explicando como poderiam, sequer, admitir que o nível do défice externo se agravasse ou mantivesse, num contexto de forte retracção do consumo e do investimento. Esta obstinação em não quererem ver e enfrentar as causas profundas da situação a que chegámos é ainda mais grave (pelo menos para o futuro) do que os resultados acima referenciados. Não ignoramos que a envolvente externa recessiva teria, necessariamente, de se fazer sentir na economia portuguesa. Mas o bom senso exige a constatação de que a desaceleração do PIB em Portugal foi muito maior que a registada nas restantes economias da UE, igualmente sujeitas aos efeitos da evolução externa. E que o aumento absoluto e relativo da taxa de desemprego doméstico é incomparável com o que se verificou nos restantes países, por estar muitas léguas acima. Quanto à “causa” défice orçamental de 2001, face ao alegado milagre do Governo em 2002 o corolário deveria ser uma clara recuperação da situação económica no ano corrente. Não o inverso. A verdade é que existem causas próprias e intrínsecas à economia portuguesa para explicar a profundidade da recessão económica em que de novo o país se vê mergulhado. Umas recentes ou conjunturais. De que se destacam o discurso tremendista do Governo nos seus primeiros meses de actuação (com efeitos nefastos nos níveis de confiança de consumidores e investidores) e, principalmente, a sua postura fundamentalista em relação ao défice orçamental, conduzindo uma política orçamental pró-ciclica, inegavelmente responsável pelo agravamento da situação recessiva. Outras de natureza estrutural, com realce para os baixíssimos níveis de produtividade da economia portuguesa globalmente considerada (pois há sectores e empresas que registam níveis que nada ficam a dever à concorrência externa) e para o “modelo” económico de baixos salários. Quanto às primeiras, o discurso já não tem recuo e consolida-se a cegueira do Governo na não utilização da política orçamental como instrumento de recuperação económica. A ideia parece ser a de forçar a recessão a ir até ao fundo. No que concerne ao segundo tipo de causas, surge agora o discurso da minimização dos factores estruturais como causa dos problemas que afectam a economia (veja-se o “Pontos de Vista” intitulado “Produtividade e Competitividade IV”). Querendo isto significar que a política do Governo é a repetição do triste fado de esperar que a conjuntura externa nos socorra. A recuperação económica internacional ajudará a sairmos do buraco. Mas, e de novo, apenas temporariamente e com elevadíssimos custos sociais. Não resolverá os problemas. Estes só serão ultrapassados com políticas dirigidas à alteração da especialização produtiva e aos principais factores geradores de melhorias acentuadas na produtividade. Enterrando o “modelo” dos baixos salários. Libertando o défice orçamental de dogmas. Combatendo a fraude e a corrupção.