1 – Seja em momentos de crise e descontentamento agravado, seja em discursos sem tradução em actos, certas figuras e instituições da nossa praça tendem colar-se à realidade em cada momento.
Claro que, passadas as ondas mais fortes de preocupação pública, ou sendo necessário tomar posições concretas o dito é rapidamente desdito.
Lembrar-se-ão muitos da romaria ao Palácio de Belém de alguns dos principais empresários portugueses, aparentemente preocupados com a manutenção em mãos nacionais dos centros de decisão económica. Claro que por detrás destas preocupações estava a pretensão de garantir que futuras privatizações incluíssem regras que lhes assegurassem acesso privilegiado ao património público.
Na prática são frequentes os exemplos de empresas privatizadas a grupos portugueses que posteriormente as vendem a capital estrangeiro. Foi o caso do Totta & Açores, entregue ao Grupo Champalimaud e posteriormente vendido ao Santander; ou recentemente da Centralcer, outrora empresa pública, que incluía entre os accionistas o Grupo Espírito Santo (cujo presidente também foi na referida romaria), agora vendida a um grupo escocês. Outras houve que integraram logo directamente capital privado estrangeiro.
Está claro que não é a entrega de sectores e empresas públicas a grupos privados portugueses que garante a não manutenção em mãos nacionais, já para não falar da importância de o Estado deter ele próprio certas alavancas fundamentais da economia, incluindo serviços públicos essenciais.
Na verdade a única forma de manter em mãos nacionais importantes centros de decisão económica ainda públicos será parar o processo de privatizações.
2 – Nesta matéria um exemplo a reter é o da recente privatização da rede básica de telecomunicações, entregue (por valor inferior ao inicialmente avaliado) à privada PT.
Lembre-se que quando os governos PSD privatizaram a PT, Cavaco Silva excluiu a rede básica por considerar ser património importante para a soberania nacional.
No afã privatizador dos governos PS e do actual governo PSD/CDS a soberania nacional foi vendida a pataco. O PS tentou ainda, com o governo já em gestão, aprovar na Assembleia da República esta privatização, o que só não foi possível pelo fim abrupto da legislatura. Logo que assumiu o poder o PSD retomou exactamente a mesma proposta que foi aliás aprovada com o voto favorável do PS.
Estranha-se agora o desvelo com que o PS critica a operação de privatização que quis fazer enquanto foi governo e apoiou já na oposição. E que o PSD, que outrora considerou a rede básica como uma questão de soberania, a tenha agora vendido à pressa para obter receitas extraordinárias ainda em 2002.
A rede básica de telecomunicações, isto é, toda a infra-estrutura de telecomunicações no território nacional deve ser património público e não propriedade privada de uma empresa que para além do mais se apresta a enviar para o desemprego mais de 2000 trabalhadores.
É por causa destas políticas que o país se vai afundando numa crise estrutural com dramáticas consequências na vida dos portugueses.