&quot;O alívio&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

Alguma esperança voltou em torno da mais utilizada expressão dos últimos dias. Finalmente. O Presidente da República decidiu anunciar que vai pôr termo a quatro meses de instabilidade crescente, com crises sucessivas, comportamentos inqualificáveis e declarações de quem confundia o governo com o palco mediático de qualquer lamentável quinta das celebridades. Foi um alívio, uma alegria partilhada a milhares de quilómetros, pelos constantes toques de telemóveis dos que, como eu, estavam fora do País, e na hora tiveram conhecimento pela voz dos familiares e amigos que quiseram partilhar a boa nova, anunciada esta semana.

Quando, em Julho passado, depois da estrondosa derrota da coligação PSD/CDS, a que se seguiu a fuga de Durão Barroso para Bruxelas, Santana Lopes/Paulo Portas iniciaram funções, sabia-se que se tinha aberto uma autêntica caixa de Pandora, com resultados difíceis de perspectivar, mas que não seriam bons. Parecia que só o Dr. Jorge Sampaio não queria ver o perigo que espreitava por detrás dos discursos de circunstância da elite governamental.

A realidade ultrapassou, certamente, a imaginação de muitos que criticaram a decisão presidencial. E a questão que fica é a da razão dessa decisão presidencial. Esperar que o PS se organizasse? Tornar claro que Santana Lopes e Paulo Portas não tinham, de facto, condições para assumir responsabilidades governativas?

Como a própria comunicação social estrangeira está a recordar, foram quatro meses de permanentes desastres governativos, com consequências desastrosas para o país, para a população e para a própria imagem de Portugal no estrangeiro, por onde perpassaram os episódios da colocação dos professores e as consequências negativas para centenas de milhar de famílias, a interferência escandalosa na comunicação social, já a não afectar apenas os comunistas, como acontecia antes, mas a chegar aos sectores críticos da própria direita, de que o triste folhetim em torno de Marcelo Rebelo de Sousa foi o mais emblemático.

Mas, não se pode esquecer que, entretanto, foram tomadas medidas profundamente negativas, que prejudicaram sobretudo os sectores mais débeis da sociedade, trabalhadores, micro, pequenos e médios empresários, jovens, reformados, mulheres, e se assumiram compromissos internacionais com consequências negativas para o futuro, pelo que se impõe que o próximo governo e a próxima maioria revejam cuidadosamente as principais medidas políticas tomadas pela dupla PSD/CDS-PP, incluindo o governo Durão Barroso/Paulo Portas, mesmo no plano comunitário, onde, na maioria dos casos, gozou do apoio do PS.

O que, naturalmente, implica que, na campanha eleitoral, necessariamente curta, haja um verdadeiro pluralismo nos debates políticos, para que se assumam claras responsabilidades quanto à mudança de que Portugal precisa. Não se pode mudar apenas de figurinos. É preciso mudar de conteúdos.

Por isso, tal como afirmou Jerónimo de Sousa, o novo secretário-geral do PCP, eleito no recente Congresso, em Almada, é preciso que aqueles que se afirmam de esquerda o sejam, de facto. O que não tem acontecido com esta direcção do PS. Estão, pois, em cima da mesa, duas exigências centrais: o compromisso de alteração das leis e outras deliberações gravosas dos governos PSD/CDS e da sua maioria, incluindo algumas que tiveram apoio do PS, e a real possibilidade de se formar uma maioria na Assembleia da República que crie condições para a formação do governo de que o país precisa e os trabalhadores e outros sectores não monopolistas pretendem.

Não é mais aceitável que se afirme que se está contra a direita, mas, depois, se continue, no essencial, a mesma política, embora com um fato diferente. Daí que se imponha a necessidade do reforço significativo da votação do PCP e dos seus aliados na CDU. Será essa uma condição indispensável para que o novo governo do PS não fique, sozinho, a praticar uma política de continuidade, embora com cambiantes de estilo, de figurino e de cenário.