Há umas semanas, muitos amigos ilustres de Monserrate juntaram-se no palácio, cuja primeira fase de recuperação agora se concluiu.Foi um acto simbólico. Porque rompeu com um longo período de abandono do palácio e da sua zona envolvente. Porque revelou que há forças capazes de alterar este tipo de situações. Porque contribuiu para romper com a falta de crédito em que uma empresa tinha caído. Porque provou a necessidade de esta existir, com objectivos claros, gestão transparente e rigorosa. Porque revelou como é que estruturas consultivas podem ter esse papel e não se transformarem em organismos de «faz de conta» que encubram o discricionarismo da asneira.O palácio não ficou ainda todo reabilitado. Concluiu-se uma primeira fase em oito meses. Há que passar a uma segunda fase de obra que levará mais de três anos e será extremamente delicada.Para já, os visitantes do parque podem incluir em visitas previamente marcadas uma incursão no interior do palácio, torreões e algumas salas. Relativamente à obra, que agora se concluiu, a partir de um projecto do IPPAR, dirigiu-se às coberturas, paredes exteriores, caixilharia exterior e pavimentos dos andares elevados do torreão sul, à contenção da acção destruidora das águas, infiltrações e suas consequências como o apodrecimento de elementos estruturais. Foi efectuado um delicado trabalho de reparação em alguns pavimentos de madeira. Um pormenor importante: a telha romana expressamente fabricada de forma delicada a partir das poucas telhas que restavam ou na pintura das superfícies rebocadas com tintas de cal, de cores obtidas com pigmentos naturais. Quanto às intervenções na envolvente, feitas com os próprios recursos da empresa, com níveis de dedicação que sublinho, incluiu a componente paisagística e outras: limpeza e o restauro de portões, piso de saibro sintrense, abertura dos sistemas de vistas, replantação de canteiros. Este processo deu continuidade a uma história que terá tido o seu início no tempo da ocupação árabe, há uns dez séculos. Ali terá sido sepultado um moçárabe ilustre e construída uma capela para oração, que viria a ruir. Mais tarde, em 1540, Frei Gaspar Preto, do Hospital de Todos-os-Santos (Lisboa), edificou neste local uma pequena ermida para venerar a Virgem Negra de Monserrate - a quem o local deverá o seu nome. Posteriormente, no último quartel do século XVIII, o escritor William Beckford mandou construir nesse local um palacete de estilo neogótico, depois de a família Mello e Castro o ter gerido, por procuradores, a partir de Goa e o ter alugado, após a destruição pelo terramoto de 1755, ao comerciante inglês Gerard DeVisme, que assentara praça entre nós. O local passou por outro período de abandono até que, em 1856, o comerciante inglês, Francis Cook, mandou aí construir um novo palácio de traça orientalizada e revivalista que o tornaram na peça de arquitectura romântica que hoje conhecemos. E mandou plantar o magnífico parque onde coexistem espécies espontâneas em Portugal com uma vasta colecção de plantas provenientes de muitos cantos do mundo.A família Cook venderia Monserrate em 1928. Desde finais dos anos quarenta, ficou vazio e encerrado. O Estado tomou então conta da propriedade.Por Monserrate passaram personagens ilustres, como Lorde Byron, que, em 1809, testemunhou, em poema, um dos vários períodos de abandono de Monserrate: «Um matagal enorme a custo dá passagem/ Às salas sem ninguém, com seus portais abertos:/ Aqui, mais uma vez, se aprende, meditando, / Como são frágeis sempre os luxos deste mundo/ Que o tempo em seu caudal arrasta para o fundo.»Tornear a profecia de Byron é uma grande aposta connosco próprios e com a UNESCO.