&quot;Mentalidade centralista e desresponsabilização do Estado&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

A contradição entre, por um lado, a vontade da administração central alienar competências (leia-se encargos) para a administração local e a degradação dos serviços desconcentrados que mantem, e, por outro, a legislação enquadradora sobre o que deveriam ser autarquias metropolitanas (que não quer) ficou uma vez mais demonstrada com a publicação, antes de férias, de leis sobre áreas metropolitanas, comunidades urbanas e intermunicipais.

As anteriores Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto perderam, com a legislação sobre comunidades intermunicipais características e territórios e viram mais afastada a possibilidade de se tornarem efectivas autarquias metropolitanas, perderam o recurso a transferências do Orçamento do Estado, a representatividade dos seus órgãos bem como o carácter vinculativo das suas decisões.

Este contínuo faz-de-conta, espécie de jogo do gato e do rato, exuberantemente evidenciado no verbalismo anti-regionalizante dum passado recente, revela por debaixo do verniz das belas palavras “descentralizadoras”, uma mentalidade centralista, que compromete a possibilidade de enfrentar e resolver melhor necessidades reais de desenvolvimento.

As leis 10 e 11 de 2003, de 13 de Maio, podem vir a constituir uma via para a desorganização territorial e decisões na base de interesses não definidos à partida, para o beco sem saída resultante da confusão entre a iniciativa intermunicipal e capacidade de definir e realizar políticas regionais, tanto mais que passam a ser limitados os fins da associação entre municípios e os poderes efectivos para a gestão dos seus territórios em importantes domínios.

A direita conta com as carências municipais, para atrair os municípios a integrarem as soluções institucionais previstas, apesar dessa adesão não ser obrigatória. Mas os municípios seguramente acautelarão ilusões que os fizessem prescindir de uma regionalização efectiva no futuro e procurarão garantir princípios de ordenamento, recusando a arbitrariedade de arrumações territoriais subordinadas a interesses alheios aos das comunidades.

A direita desejaria que as novas fórmulas legislativas retirassem ao poder local capacidade reivindicativa e de representação dos interesses regionais, de afirmação política própria e o dispersassem em comunidades intermunicipais de fins gerais, carentes de objectivos e de atribuições e onde estivesse mais afastada a participação e influência dos cidadãos.

A experiência municipal, indica que, bem pelo contrário, importa reforçar a representatividade popular, a legitimidade democrática, a efectividade de poderes, de meios e competências que tornem vinculativas as suas decisões relativas a intervenções metropolitanas ou regionais.

Rodear a questão da criação de um novo patamar do poder administrativo, com o objectivo não disfarçado de “enterrar definitivamente” a regionalização, é uma malfeitoria comparável, salvaguardadas as devidas diferenças, ao não investimento público num quadro de recessão.

Esta mentalidade centralista é acompanhada de uma atitude de crescente desresponsabilização em relação a funções públicas do Estado que têm tido expressão mais ou menos dramática nos últimos tempos. E que a administração central reserva para si a decisão sobre delas desertar.

É o caso da fiscalização de obras públicas, com as consequências conhecidas em Entre-os-Rios e agora na IC-19.

Ou a dimensão da tragédia dos fogos florestais na sequência da “poupança” de despesa com a não prevenção.

E também o arrastamento de processos ou degradação do serviço público nos tribunais, nas escolas, nas unidades do serviço nacional de saúde, em diversas unidades da administração pública, pela não renovação de recursos humanos, a que a própria Ministra das Finanças chamou uma sua estúpida opção.

Ou ainda o encerramento de estações de correio e de carreiras de transportes públicos.

E tantas, tantas outras deserções em nome do também estúpido pacto de estabilidade e do não menos estúpido respeito pelo deficite das contas públicas, com efeitos particulares em tempos de recessão. Em nome da redução da despesa pública, quando se gastam milhões a mandar uma força da GNR para o Iraque e muitos mais por se aceitar passivamente uma “indemnização” ao grupo de José de Mello por causa da gestão do Hospital Amadora-Sintra. E quando não se arrecadam mais receitas, por exemplo em resultado da reduzida taxação efectiva dos lucros dos grupos financeiros que, em matéria de lucros, apresentam das mais elevadas taxas.

Medidas centralistas e desresponsabilizações do Estado...opções de direita que o País pagará caro.

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