&quot;Métodos&quot;<br />Vitor Dias no &quot;Semanário&quot;

Sinalizando quanto isso desvenda sobre o perfil ético e político dos governantes que hoje temos, importa falar um pouco sobre os métodos do Governo PSD-CDS/PP a propósito da “comunicação ao país” de Santana Lopes e da nova lei das rendas.

No primeiro caso, não se pode deixar de registar com alguma amargura e tristeza que, precisamente numa altura em que tanto se fala da necessidade de independência e autonomia dos órgãos de comunicação social face ao governo, um conjunto de truques e habilidades da “central de comunicação” santanista tenha obtido completo êxito junto das televisões.

Podem avançar-se todas as justificações ou desculpas – das circunstâncias à “expectativa criada”, da dinâmica informativa aos efeitos da concorrência -, mas os factos estão aí: uma cassete vídeo com uma comunicação de 15 minutos do Primeiro-Ministro (inicialmente distribuída para efeitos de “tempo de antena” do Governo) foi transmitida integralmente pelo menos pela SIC e pela RTP dentro dos seus telejornais.

Talvez os canais de televisão venham jurar que se tratou de um procedimento excepcional e que jamais aceitarão que se transforme na regra. Mas é bom lembrar-lhes que, em três meses, já é a segunda vez que isso acontece, tendo a primeira sido a “comunicação ao país” do Ministro Bagão Félix. E na esperança de que isso porventura lhes suscite algum sobressalto, talvez também seja bom lembrar-lhes, como já alguém terá feito, que ao menos as “conversas em família” de Marcelo Caetano eram transmitidas fora do telejornal da RTP e em espaço próprio devidamente identificado.

A segunda nota em torno dos métodos deste Governo prende-se com o seu intolerável propósito de forçar o debate e votação já no próximo dia 21, na Assembleia da República, da legislação sobre arrendamento urbano, por via da concessão de uma autorização legislativa, convergindo as duas coisas no comum intuito de impedir a opinião pública de tomar plena consciência do que concretamente está em causa, de sabotar o debate parlamentar profundo que uma legislação de tamanha complexidade e impacto social inteiramente justifica e de dotar o governo da capacidade de, a galope dos seus decretos-lei, fazer o que muito entender.

Neste domínio, percebe-se muito bem a pressa do Governo. É que quer congelar a opinião pública ao nível da indecente política de revelações não inocentemente parciais que, ao longo de semanas, foi promovendo sem nenhuma possibilidade de contraditório e ao nível das vistosas mentiras debitadas pelas campanhas publicitárias que pagou com muitos milhares de contos. O Governo PSD-CDS/PP tem medo de que muitos mais milhares de cidadãos, sejam ou não directamente afectados pela nova legislação, percebam que, de forma explícita, velada ou difusa, todo o discurso governamental sobre esta matéria assenta deliberadamente no falso pressuposto de que o regime de arrendamento urbano em vigor em Portugal seria sinónimo de rendas congeladas desde 1974. Quando a verdade é que, desde 1981, vigora um regime de opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos e que, desde 1990, a liberalização das rendas é total quer quanto ao valor, como já sucedia desde 1981, quer quanto à duração dos contratos, e que mesmo as rendas anteriores a 1980 (as chamadas “rendas congeladas”) foram objecto em 1985 de uma actualização extraordinária e sujeitas a partir desse ano a uma actualização anual de acordo com a taxa de inflação.

Mais importante ainda : o Governo tem sobretudo um medo de morte que se perceba que a sua tese central de que é a liberalização das rendas que vai propiciar o alargamento do mercado de arrendamento e, por essa via, fazer descer os altíssimos valores que são aplicados a novos arrendamentos, não tem qualquer fundamento sólido ou credível.

Como se comprova pelo facto incontroverso de que há 540 mil fogos devolutos que poderiam ter sido colocados no mercado de arrendamento – e não foram – sem qualquer constrangimento quanto à fixação dos valores das rendas; pelo facto de, desde 1980, ou seja desde há 15 anos, se terem celebrado apenas 300 mil contratos de arrendamento não sujeitos a qualquer condicionante; pelo facto de a fixação dos valores de arrendamento continuar a empurrar, pelo seu montante, para a compra de casa própria, sendo de lembrar que as facilidades de crédito concedidas pelos bancos para este efeito não se estenderão ao pagamento de rendas; pela prioridade que o capital financeiro continuará a dar ao mercado de construção e venda como campo privilegiado para rentabilização e retorno rápido de investimento realizado, sem compromissos futuros; pelo facto de, em Espanha, decorridos dez anos sobre a aprovação de legislação semelhante à proposta pelo Governo PSD-CDS/PP, a percentagem de fogos alugados ter descido de 18 para 10%.

É tudo isto e muitíssimo mais (das suas falácias sobre a reabilitação urbana às gravosas consequências sobre milhares de famílias passando pela explosiva instabilidade e precariedade dos vínculos contratuais de arrendamento) que o Governo quer sufocar ou manter no limbo com um debate e votação parlamentares a mata-cavalos.

O que, só por si, devia bastar para que desconfie que quem tais métodos usa, boa coisa não quer.