A revisão do PDM de Lisboa está a decorrer, devendo os seus trabalhos preparatórios levar à actualização de dados e à identificação de objectivos e aspectos de regulamento a rever, que seguramente vão dar lugar a acesas discussões, com diferentes pontos de vista.
Os prazos em que esses trabalhos decorrem dependem da capacidade da actual maioria em os realizar.
Por algum acompanhamento deles deixa-se antever a polémica pelo ribombar de idéias como: maior densificação, aumento de pisos fora da zona histórica, PDM mais elástico e discricionário, menos categorias de áreas (de 22 passariam a 6...), uma área da cidade ficar dependente da estratégia política e outra da “evolução normal das necessidades” (!), desregulamentar o urbanismo e “simplificar” os respectivos instrumentos jurídicos de planeamento, etc ,etc, etc.
Mas, não vá o diabo tecê-las, está a preparar-se a antecipação das próprias alterações ao PDM, invocando-se as possibilidades legais de essas alterações antecipadas se realizarem (alteração simplificada).
Só que isso exige um grande rigôr nessa invocação sob pena de, a reboque de uma urgência que uma parte da Câmara entende existir para certas modificações se operarem, se consumar uma verdadeira revisão do PDM, fora do quadro em que ela é possível.
É a legalidade do processo que está em causa.
Mas se a legislação sobre estas matérias é exigente, isso resulta da importância do que está em vigôr e do impacte na cidade de algumas possíveis alterações.
A possibilidade de alterar usos de terrenos, índices e parâmetros urbanísticos de referência, matérias cujo carácter subjectivo e discricionário têm enorme alcance financeiro e na qualidade de vida urbana, suscita naturalmente a atenção e intervenção dos que entendem, face à complexidade das questões, que devem optar por um esclarecedor debate público e não por “simplificadas” saídas de gabinete...
E também porque é vasto o alcance do que se discute, não podemos confundir construção com desenvolvimento urbanístico nem negócios no imobiliário com desenvolvimento económico. Não podemos transformar em regra o que foi irregularidade e excepção na paisagem urbana, deitar fora o perfil da cidade , as suas características mediterrânicas, os seus sistemas de vistas.
Não podemos, em nome da celeridade e desburocratização, simplificar o alcance do que está em jogo e deixar ir a criança com a água do banho. Porque essa é outra questão, que tem a ver com os meios humanos e o apoio técnico de ponta de que o município tem que dispor e com o estilo do exercício de funções dirigentes. Não confundamos, pois.
A criação de condições adequadas para a reconsideração da estratégia que está subjacente aos instrumentos jurídicos de planeamento em vigôr, não é um preciosismo. É uma responsabilidade devida ao exercício do poder que está a preparar alterações significativas das regras de como se faz a cidade com as respectivas consequências.
Já o dissemos: há quem não use os direitos que hoje tem numa atitude especulativa, que não constrói dentro das regras actuais, mas que construiria noutras, através de uma elevação artificial de valores, de que beneficiariam alguns e não todos, e que arrastariam consequências para os custos de viver na cidade e para a qualidade desse viver.
Saber quem são, o que querem e não querem, quanto querem ganhar entre essas duas atitudes, as vantagens e desvantagens para a cidade das diferentes respostas, é essencial.
Isto não é ultrapassável com lances verbais, que recorrem a chavões como “imobilismos”, “paralisias urbanísticas” e outros do arsenal da feitiçaria e ilusionismo modernos que contribuem apenas para o “faz-de-conta” da participação dos munícipes e o contrabando das questões fundamentais.
Não é com considerandos que carecem de demonstração que se fazem novas leis. Tal como as “manchetes” não dispensam as notícias e respectivos desenvolvimentos. E a ganga ideológica não é separável do que efectivamente se pretende. Andar, no âmbito deste processo, a dizer sobre o PDM que teria provado mal, que teria impedido um coerente ordenamento da cidade e desenvolvimento urbanístico, que exigiria “inúmeros” planos de pormenor, bla, bla, bla, é o mesmo que vender cassetes que, para não serem piratas, têm que ser despistadas e fundamentadas em balanços objectivos que sustentem novas propostas.
Entendemos que a legalidade deve ser respeitada também neste processo, no decurso do normal funcionamento das instituições municipais, nomeadamente pela importância daquilo que está em jogo.