&quot;Levar Jardim a sério&quot;<br />Bernardino Soares na <span class="titulo2">&quot;Capital&quot;

Não partilho da ideia de que as intervenções de Alberto João Jardim são meros episódios do anedotário político nacional. E se muitas vezes o estilo burlesco e chocarreiro da personagem, ou a exuberância dos seus gestos e consumos, são o que mais salta à vista, nem por isso se deve desvalorizar a sua intervenção política.

A festa do Chão da Lagoa é um ponto alto anual da intervenção de Jardim e do PSD/M. Este ano não foi diferente. Voltaram os laivos independentistas de Jaime Ramos e as diatribes retrógradas e populistas de Alberto João Jardim.

Jardim exigiu que Durão Barroso e o seu Governo desmantelassem aquilo a que chamou “o aparelho político-ideológico do Estado que está nas mãos do Partido Comunista”, afirmando ainda que Portugal é “o país da Europa com maior percentagem por cabeça de comunistas dentro do Estado”.

Não podemos reduzir tais afirmações apenas aos efeitos das ponchas e cervejas consumidas na volta das tasquinhas que antecede o comício do Chão da Lagoa. Elas são ditas pelo Presidente do Governo Regional, líder do PSD Madeira, Conselheiro de Estado e possível Comissário Europeu proposto pelo Governo, aliás acompanhado de perto por Jaime Ramos, conselheiro nacional do PSD.

Para além do dislate anticomunista, autoritário e antidemocrático, a explicação que me ocorre é a de que, no entusiasmo e embriaguez do discurso, Jardim se estivesse afinal a referir, não à administração central, mas sim à administração regional madeirense, que o próprio e o seu partido controlam e que utilizam como instrumento da sua perpetuação no poder.

Repetiu a velha técnica de responsabilizar o “continente” ou o “Governo de Lisboa”, pelos problemas da Madeira. Há responsabilidades dos Governos da República, mas é inegável que os atrasos de desenvolvimento, a pobreza e as desigualdades na Madeira são em grande medida da responsabilidade dos Governos Regionais e afinal do partido e do líder que sempre os dominou.

Por isso Jardim instiga um permanente clima de conflituosidade e chantagem, como se a principal sede dos problemas da região e dos madeirenses não estivesse ali mesmo, há mais de duas décadas instalada na Quinta da Vigia.

Foi o que fez recentemente, conseguindo aprisionar as forças partidárias na região, com a significativa e honrosa excepção do PCP/Madeira, a uma resolução visando impor as suas condições numa próxima revisão constitucional, mesmo sabendo que só a Assembleia da República tem competência para propor e aprovar alterações à Lei Fundamental. Pretende mais uma vez confundir o desejável aperfeiçoamento das autonomias regionais, mantendo equilíbrios essenciais na organização do Estado, com a lógica independentista de reforço do seu poder absoluto, de que foram beneficiando os interesses económicos e políticos que a sua governação serve.

E já agora uma curiosidade. A lei do financiamento dos partidos impõe a apresentação de uma contabilidade própria para iniciativas como a festa do Chão da Lagoa, que envolvem a oferta de bens e serviços (o que o PCP cumpre com a Festa do Avante). Ao que parece a festa do Chão da Lagoa é sempre bastante lucrativa e o número de tascas até aumentou este ano. Será que o PSD envia as contas do Chão da Lagoa para o Tribunal Constitucional?