&quot;Dez palavras&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

4 de Julho de 2003

O interessante sítio do Observatório dos “Media” ACRIMED (htttp://acrimed.samizdat.net) acaba de publicar um breve trabalho sobre “léxico para tempo de greves e de manifestações” que representa um útil estímulo ao necessário espirito crítico face ao discurso oficial e também, em boa medida, à linguagem dominante nos “media”.

É por isso que, apesar de esse inventário ser, em certos casos, muito tributário da situação e problemas vividos em França, julgamos útil seleccionar e traduzir as definições que a ACRIMED dá a dez expressões que, também aqui em Portugal, têm tido razoável circulação em tempo de “contra-reformas”. Assim, e com a devida vénia:

- “REFORMA”: quando uma reforma proposta é imposta, a isso chama-se “A reforma”. E opor-se a esta reforma torna-se em “a recusa da reforma”.

- “MODERNIZAÇÃO”: sinónimo de “reforma” ou o efeito esperado de “A reforma. “A modernização” é, por principio, tão excelente como “A reforma”, pois, como muito bem o tinha compreendido o senhor de La Palisse, fundador do jornalismo moderno, a modernização permite ser moderno. E para ser moderno basta modernizar. O modernismo opõe-se ao arcaísmo. Só espíritos arcaicos se podem opor à modernização. E só os espíritos simultaneamente arcaicos, reaccionários e sediciosos podem ter a audácia e o mau gosto de propor subordinar “A modernização” ao progresso social. Além do mais, “A modernização” é indiferente à justiça social, que a modernidade substituiu pela “equidade”.

- “EQUIDADE”: designa a preocupação (...) que permite reduzir as vantagens (relativas) de certos assalariados em vez de as fazer partilhar por todos. Este termo não se aplica quando se trata das pretendidas “elites”, isentas que estão de qualquer redução dada a sua natural “preocupação com a equidade”.

- “PRIVILÉGIOS”: designa as vantagens (relativas) de que dispõem certos assalariados por comparação com outros, mas não as vantagens exorbitantes de que dispõem os dirigentes de todos os poderes em detrimento daqueles sobre quem se exercem esses poderes. Os dirigentes dos “media”, por exemplo, dispõem de algumas vantagens que devem unicamente ao seu mérito, enquanto as enfermeiras, os ferroviários e os professores são privilegiados”.

- “DESIGUALDADES”: só designa as comparações entre assalariados do sector público e do sector privado. Todas as outras comparações são “conformes à equidade”.

- “PEDAGOGIA”: dever que, para os jornalistas comunicantes, se impõe ao governo (ainda mais que aos professores...). Assim, o governo faz prova (ou deve fazer prova ...) de “pedagogia”. Tanto mais quanto é verdade que ele se dirige, como os nossos grandes editorialistas, a um povo de crianças que é necessário instruir pacientemente”..

- “ENDURECIMENTO”: é como se chama à resistência dos grevistas e manifestantes quando ela se opõe à “firmeza” do governo, uma “firmeza” que, por vezes, não exclui a “abertura”.

- “ABERTURA”: é o que se diz das operações de comunicação do governo. A “abertura” traduz-se por “sinais”. Os “sinais de abertura” traduzem uma “vontade de apaziguamento”.

- “CONCERTAÇÃO”: é como se chama às reuniões convocadas por um ministro para expor aos sindicatos o que vai fazer e para escutar as suas queixas, de preferência sem as ter em nenhuma conta.

- “CONTRIBUINTES”: nome que é dado à opinião pública quando ela paga os impostos que servem ao serviço público. Quando o dinheiro público é despendido para conceder benefícios fiscais às empresas, este dinheiro já não tem origem identificada. Dir-se-á: “os regimes de reformas do sector público são pagos pelos contribuintes”. Nunca se dirá: “as isenções de encargos fiscais atribuídas às empresas são pagas pelos contribuintes”.

Como se compreenderá, estas e outras palavras, que todos usamos, estão absolutamente inocentes. Absolutamente culpado é o discurso falacioso que as usa para dissimular os reais objectivos de uma política e tornar aceitável e respeitável o que é injusto e indecente.