O recente anúncio da administração da fábrica da Yazaki, em Ovar, da transferência de parte da sua produção de cablagens e o despedimento parcial dos trabalhadores, apesar de reconhecer toda a cooperação e esforço continuado de melhoria ao nível da produtividade e qualidade dos seus trabalhadores, demonstra que o problema da deslocalização das multinacionais não está na falta de produtividade. Está, sim, na sua busca de cada vez maiores lucros, dado que, com a crescente liberalização internacional do comércio, é sempre possível encontrar países onde, como refere a administração da Yazaki, "os níveis de competitividade superam os seus melhores resultados". Do que se trata é que, para o capitalismo cada vez mais agressivo, os dramas sociais não contam. E se puderem encontrar um país onde a escravatura seja possível, eles mudarão para lá.
Ora, esta situação surge num quadro de cada vez maiores ataques aos direitos dos trabalhadores, a pretexto das ditas competitividades e produtividades, seja em Portugal, seja a nível comunitário. Daí a necessidade de denunciar e lutar, simultaneamente, contra as atitudes da administração da Yazaki e contra as políticas de direita que lhe dão cobertura. Como estamos a fazer, de que destaco a pergunta que, sobre este assunto, já fiz à Comissão, visando conhecer os apoios comunitários que a empresa recebeu e as medidas que pensam tomar para defender os direitos dos trabalhadores e o desenvolvimento da região, ameaçados por mais esta deslocalização, num concelho onde também os trabalhadores da Tovartex vivem momentos preocupantes.
Mas, igualmente, impõe-se dar toda a atenção ao debate, no Parlamento Europeu, em torno de duas propostas de directivas que ameaçam gravemente os direitos de quem trabalha: sobre a organização do tempo de trabalho e sobre a criação do mercado interno dos serviços.
Relativamente à primeira, sobre determinados aspectos da organização do tempo de trabalho – COM (2004) 607 final, de 22 de Setembro – constitui um grave retrocesso nos direitos dos trabalhadores. De facto, em nome da flexibilidade na gestão do tempo de trabalho, propõe, designadamente:
- criação de um novo conceito de “período inactivo do tempo de permanência”, que não seria contabilizado como tempo de trabalho;
- alargamento, de facto, do período de referência de quatro meses para o cálculo da duração do trabalho, que poderia ir até 12 meses se a legislação nacional assim o viesse a propor;
- possibilidade de derrogação individual da duração máxima semanal de trabalho, prolongando-a para mais de 65 horas, em certas condições.
Ora, a eventual aprovação destas propostas traduzir-se-ia numa maior flexibilização do tempo de trabalho, num maior desequilíbrio entre a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, em dificuldades acrescidas na compatibilização entre a vida profissional, familiar e a desejável participação dos trabalhadores na sociedade. O que rejeitamos, mas exige uma mobilização de todos na luta contra a sua aprovação.
A segunda, é a proposta de Directiva que pretende criar um mercado interno de serviços na União Europeia - COM (2004), 2 final, de 13/01/04, cujo conteúdo é muito preocupante. Esta proposta foi apresentada pela Comissão Europeia ao Conselho de Competitividade, a 11 de Março de 2004, inserida na chamada estratégia de Lisboa. Recentemente, o Conselho e o Parlamento Europeu iniciaram uma primeira leitura, tendo em conta que estamos perante um processo de co-decisão, com votação por maioria qualificada.
Desde já, denunciamos os seguintes conteúdos:
. aplicação do princípio do país de origem, designadamente a questões de direito privado, pela insegurança jurídica que criaria e pelas indefinições graves em matéria de responsabilidade civil, de fiscalidade, de protecção dos consumidores e utentes, de direitos dos trabalhadores, incluindo dos trabalhadores destacados, com a consequente diminuição do controlo sobre a actividade empresarial e abertura de preocupantes escapatórias para os mais diversos crimes: evasão fiscal, má qualidade de serviços prestados, deficiente protecção social;
. regressão nas obrigações de serviço público e nos serviços de interesse geral, pondo em causa a dimensão social em termos de direitos sociais e colectivos, de emprego e de inclusão social, com a liberalização de sectores e serviços públicos essenciais, designadamente:
- actividades de saúde, educação, água, segurança social; - fiscalidade; - profissionais liberais que exerçam actividades ligadas, mesmo que ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública; - serviços de radiodifusão televisiva e sonora; - serviços de comunicações electrónicas; - serviços postais reservados; - lotarias e jogos a dinheiro.
Recorde-se que este tema se insere também no debate do meu relatório sobre a “situação Social na União Europeia – 2004”, cuja votação será na próxima semana na Comissão do Emprego e Assuntos Sociais.