&quot;Comemoração<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

Vivermos no Portugal de Salazar privou-nos de uma noção clara do que, ao longo das primeiras duas ou três décadas após a vitória aliada, foram as comemorações do fim da II Guerra.

A memória que fica, contudo, é a de um carácter fortemente oficial e militar que em todo o mundo assumiam.

Pensando hoje, é natural que assim fosse. A ordem europeia, os próprios Estados europeus eram resultado da guerra. Celebrar o fim da guerra era, em muitos casos, celebrar com os seus formalismos o facto oficial da Constituição de um Estado.

Por outro lado, a guerra, vitimando civis num desvario que a História desconhecia, fora travada inevitavelmente por militares, concedendo mesmo à realidade militar uma nova dimensão de que a bomba atómica seria o mais brutal exemplo. A Guerra Fria atribuía ainda uma sombria lógica à exibição de poderio bélico que a data comemorativa proporcionava.

Fica assim a ideia de comemorações hieraticamente oficiais, oficialmente organizadas, poderosas, pesadas. Mas não ocorre à memória a repetição das explosões de alegria popular de Picadilly Circus, dos Campos Elísios, da 5.ª Avenida, até de Lisboa, que, em 1945, mais que o fim da guerra, tinham saudado a Paz.

Não tenho ideia que em 1975, no 30.º aniversário da Vitória, quando a informação já era livre, esta imagem tenha sido alterada pela realidade.

É também por isso que em mim é tão grata e profunda a emoção de ver, 31 anos depois do 25 de Abril, depois do 1.º de Maio, o povo, sobretudo o povo, às dezenas de milhares, continuar, ano após ano, a trazer a liberdade às ruas do Portugal de Abril.