&quot;Coisas de espantar&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="titulo2">

Na torrente de palavras despejadas das bandas do PSD, do CDS-PP e do PS em torno da chamada, alegada ou suposta «reforma do sistema político» há verdadeiramente imensas coisas de espantar. Seleccionando apenas algumas, digamos então que a primeira começa logo por ser a desatinada opção feita pelo PS de escolher esta conjuntura (justamente marcada pelo descontentamento com a política do Governo e pela necessidade de fortalecer a resistência e o combate social e político à perigosa ofensiva da direita) para fazer com o PSD um assumida aliança ou convergência para a tal dita «reforma dos sistema político». A segunda coisa de espantar é que tanto o PS, o PSD e o CDS-PP, não tenham percebido que, por tudo o que vão dizendo e pela prioridade e urgência que decidiram conceder a uma nova lei de financiamento dos partidos, acabam por engordar ainda mais as perversas correntes de opinião que tendem a apresentar «os partidos» se não como associações de malfeitores pelo menos como os principais antros e fautores de ilegalidades e corrupção na sociedade portuguesa. A terceira coisa de espantar é que tenham o desplante de se apresentar agora como impolutos e indignados campeões da «transparência» e do combate a «negócios» espúrios e ilícitos precisamente os três partidos que, ao longo de anos e anos, sempre inviabilizaram os sucessivos inquéritos parlamentares às privatizações pedidos pelo PCP, área onde, como toda a gente percebe, se movimentaram não trocos mas centenas de milhões de contos. A quarta coisa de espantar é que a falta de informação e conhecimento dos assuntos é tanta que foi possível ver a estrepitosa defesa feita pelo PSD de auditorias externas às contas dos partidos e das suas campanhas eleitorais ser levada a manchete do «Público» quando a verdade é que tanto o Tribunal Constitucional como a Comissão Nacional de Eleições já recorrem a esse instrumento, como o deveriam saber dirigentes partidários que não vivessem nas nuvens e não falassem por falar. A quinta coisa de espantar foi ver, no quadro da defesa desta «novidade» com vários anos, um dirigente do CDS-PP a sustentar que se as empresas são sujeitas a auditorias então não há nenhuma razão para que a tanto não sejam sujeitos os partidos. Mas, nesta matéria, o que continuamos desconsoladamente à espera é que alguém nos explique quantas empresas (de qualquer dimensão) é que, exceptuando inspecções ou auditorias por motivos fiscais, são sujeitas a auditorias às suas contas determinadas por entidades externas e vêem instalar-se nas suas sedes durante uma ou duas semanas um conjunto de técnicos de uma empresa de auditoria, como acontece com os partidos. A sexta coisa de espantar é como é que três partidos –PS, PSD e CDS-PP – tão longamente associados, embora com «nuances», a uma intensa e asfixiante doutrinação sobre as excelências do «privado» e os horrores do «público», descobriram agora, em matéria de financiamento dos partidos, que o «público» é o céu e o «privado» é o inferno. A sétima coisa de espantar, mais para o primeiro que para o segundo, é que tanto o PS como o PSD queiram, pelos vistos, assinalar o 29º aniversário do 25 de Abril com a aprovação de uma nova lei dos partidos que, conforme os projectos coincidentes por eles apresentados, consagraria uma intolerável ingerência estatal na vida interna dos partidos e significaria a reabilitação de concepções e dispositivos tão estranhos à cultura democrática pós-25 de Abril quanto comunicantes com passados procedimentos de má memória. Pois é, por oito vezes aqui escrevemos «coisas de espantar». Mas o leitor decerto já percebeu que é figura de estilo porque, pensando melhor, talvez não haja aqui nada que cause verdadeiro espanto.

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