&quot;Celebremos&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

12 de Setembro de 2003

No rescaldo de mais uma edição desse evento de uma riqueza humana, política e cultural sem paralelo na vida nacional que é a Festa do “Avante!”, fazendo justiça aos diversos profissionais de informação que a acompanharam com isenção, sensibilidade e independência, não resistimos a celebrar alguns exemplos que testemunham que o preconceito, o dislate e a palermice voltaram a atacar forte e feio.

Comecemos então por celebrar todos aqueles que assimilaram a Festa do Avante! a uma “rentrée” como as dos outros partidos, esquecidos, entre outras coisas, de que a Festa do “Avante!” já existia muito antes de o vocábulo francês ter entrado no discurso mediático e político português.

Celebremos o jornalista do “Público” que, em 6/9, conseguia encher uma página do seu jornal sobre a “rentrée” do PCP praticamente só com base em numerosas opiniões não identificadas e de forte hostilidade ao PCP, certamente assim dando escrupuloso cumprimento ao Livro de Estilo do “Público” que, categórico e definitivo, determina que “quando se trata de opiniões, o “Público” só reproduz as que forem atribuíveis a fontes claramente identificadas”.

Celebremos este mesmo jornalista do “Público” por ter sido, certamente por cândida inocência e cintilante perspicácia política, o único na imprensa portuguesa que, em 8/9, através do título e do texto, conseguiu converter um discurso de Carlos Carvalhas devastadoramente crítico do Governo e da sua política num discurso cujo grande “leit-motiv” teriam sido as críticas ao PS.

Celebremos o jornalista do “Diário de Notícias” que, em 6/9, concluía que, em lugar de Durão Barroso, “os comunistas preferem Fidel Castro, como se via pela presença de bandeiras e figuras representando o líder cubano”, assim mostrando que não sabe distinguir Che Guevara de Fidel Castro e assim tendo visto o que ninguém mais viu no acto inaugural da Festa ou mesmo talvez nos 55 anos que já passaram sobre o triunfo da revolução cubana.

Celebremos a jornalista do “Jornal de Notícias” que, em vésperas da Festa, conseguiu encher quase uma página do seu jornal com o momentoso problema de alguns terem decidido informar o país inquieto de que este ano não iam à Festa, esquecendo-se apenas de contar aos leitores que, há um ano, tinha escrito a mesma peça mas sobre o alegado propósito dos mesmos de irem à Festa, coisa que, de facto, não se veio a verificar mas isso já não mereceu depois nem uma linha no “JN”.

Celebremos o locutor da TSF que, instalado na cabine às 13 horas de 6/9, resolveu fechar uma peça decentemente feita por uma sua colega sobre a homenagem a Ary dos Santos, rematando de forma seca e caluniosa que Ary foi “um militante que o PCP maltratou em vida e agora recupera”, assim se confirmando que, apesar da biologia o negar, há sempre alguns que nasceram humanos mas depois, ao menos durante sete segundos, se podem transformar em vermes.

De passagem, celebremos ainda o espesso “Expresso” que, ao segundo dia da Festa, se ocupava a debitar umas ridículas efabulações em torno da ideia laboriosamente inventada de que “o PCP não conseguiu mobilizar o Alentejo” para a Festa.

E, por fim, celebremos o incontornável Eduardo Prado Coelho (“Público” de 9/9), sempre pronto a responsabilizar veladamente o PCP por qualquer cartaz artesanal empunhado por um seu “idoso militante” (“digo idoso porque visivelmente tinha mais de 60 anos”, precisou ele, talvez com ironia reportada a uma crónica de Inês Pedrosa) e por quaisquer fragmentos discursivos deturpados ou superficiais que tenha colhido nas “descrições” na imprensa. E celebremos sobretudo no quase idoso E.P.C. o dogmatismo e o autismo inveterados que o levam a sentenciar, esparramado em frente ao computador, que “a Festa do Avante existe fora do tempo” porque “podia ter sido hoje como podia ter sido no final do século XIX”.

Já sabemos que as sensibilidades tipo flor de estufa dirão que hoje escrevemos com excessiva violência. Sobre isso, só aconselhamos que revisitem aquele poema de Brecht sobre a violência do rio e a violência das margens que o oprimem.