&quot;Carnide: entre as quintas e a expansão urbanística&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

1. Enquanto Lisboa diminuía de população, as suas periferias foram aumentando num processo que também ocorreu noutros centros urbanos.

No caso de Carnide, o crescimento populacional na última década superou os 25%, quando na década anterior esse crescimento tinha sido de 10%, aproximando-a dos 20 mil habitantes, à custa do realojamento do Bairro Padre Cruz e de novas construções em Telheiras, na Quinta do Bom Nome, no Parque Colombo ou na Quinta das Camareiras. Também se foram alterando os respectivos sectores de actividade passando a ser maioritário o terciário, com especial incidência na área dos serviços de natureza social.

Originalmente fonte de abastecimento de produtos hortícolas a Lisboa, depois refúgio aos efeitos do terramoto, local de festas e peregrinações e zona de quintas, desenvolveu-se em torno dos pólos da Luz e Carnide e também esteve integrada no antigo concelho de Belém no séc. XIX, período em que nelas se instalaram várias indústrias e em que se iniciou o processo de fragmentação de quintas, por abandono da agricultura como noutros pontos do país.

Dois acontecimentos continuam a referenciar Carnide: a Feira da Luz e a procissão de Nossa Senhora da Luz com mais de quatrocentos anos. Nela nos cruzamos com a História nas quintas, no centro histórico, nas azinhagas, no Colégio Militar, no Paço do Lumiar, na Igreja da Luz, no Centro Cultural Franciscano, no Instituto Adolfo Coelho, no Quartel da Pontinha, no Largo das Pimenteiras com o edifício da Junta, nos teatros e na Casa do Artista, nos arraiais, nas marchas dos adultos e nas marchas infantis, na toponímia dos Bairros.

Zona de expansão urbanística da área metropolitana, teve nos últimos anos a construção de bairros municipais e de urbanizações privadas, construção de importantes equipamentos, novas acessibilidades, apresentando diversos tipos de contrastes cujo equilíbrio relativo importa assegurar.

Dispondo de uma Junta de Freguesia dinâmica e bem ligada à população, a freguesia beneficia com esta de um permanente e reivindicativo interlocutor com o município. De um trabalho em parceria com instituições diversas e bem participado pela população. Do dinamismo do trabalho com várias associações e colectividades, particularmente nos bairros sociais da Horta Nova e Padre Cruz. De grupos comunitários nesses bairros, de grupos de solidariedade, de um conselho consultivo para a área da Educação devido ao peso das escolas e um outro em formação para a Cultura, atendendo ao número de grupos de teatro existentes. De uma forte aposta na Educação, com introdução de cantinas e ATL´s em todas as escolas do 1º ciclo e jardins de infância a funcionar todo o ano. De uma aposta na área social e em muita actividade juvenil. Da capacidade de realização de obra (caso do polidesportivo em construção no Bairro Padre Cruz com apoio financeiro da Câmara).

Um registo: apoiada por mais de trinta empresas, a Junta editou um mapa da freguesia, recheado de úteis indicações.

Uma vitória importante recente da população foi a demolição do Vale do Forno e o realojamento dos seus habitantes. Outra, o novo quartel de bombeiros.

Mas nem tudo são cravos.

A Quinta da Luz, de camadas média e média-alta está ao abandono e foi sacrificada com o Colombo. Falta-lhe estacionamento, arranjos exteriores do centro comercial e nela está instalada um razoável nível de insegurança.

O realojamento do parque residencial dos artistas de circo, preparado na administração anterior teve perturbações resultantes de aproveitamentos pré-eleitorais e oportunistas, com outras coisas à boleia.

O Plano de Urbanização Carnide Luz, que acompanhei até à fase de discussão pública, teve o apoio unânime na Câmara de então e só não avançou em 2001 (como outras coisas que estavam prontas) por ser ano pré-eleitoral. Os seus objectivos centrais eram garantir que a zona de quintas se transformasse em espaço público/parque urbano, consolidar o tecido habitacional histórico, conter a densificação circundante e assegurar mais alguns equipamentos. O que é que lhe vai acontecer com as propostas da nova maioria em relação ao PDM? Será interessante sabê-lo. Se essa perspectiva se mantém ou se se vão abrir as portas nesse reduto de quintas a mais uns empreendimentos do tipo Carlucci/Albarran, a uma maior densificação e ao fim das quintas...

Santana Lopes pode aqui alargar os voos e arranjar matéria para mais um livro: a freguesia não dispõe de uma única piscina e tem muitos bairros... e não tem centro de saúde, sendo apenas servida por uma extensão de Benfica, que apenas serve cerca de 4500 pessoas. Bem como no “apertar” com a Carris para a impedir de reduzir a frequência dos autocarros e o serviço do 115 ao fim de semana.

2. Não passaram com a merecida atenção pública as alterações à divisão administrativa do país nem as consequências que elas vão comportar.

Há quem adivinhe nisto tudo um acto falhado mas para chegar a essa conclusão, várias se irão perder e outras pôr em causa como o efeito do voto e fiscalização populares até aqui existente em vários aspectos da vida nos concelhos.

Seria de esperar que anos de experiência na constituição e funcionamento das Áreas Metropolitanas, quer das Juntas, quer dos seus presidentes, quer das Assembleias Metropolitanas, com base em eleitos dos municípios, ajudassem a concluir que tal modelo não permitiu progressos efectivos no desenvolvimento regional. E que só autarquias regionais, com órgãos eleitos directamente e em regime de exclusividade, com obrigação de responder pelo exercício de atribuições e competências regionais bem definidas, podem ser um ganho democrático e de capacidade de resposta a necessidades resultantes do desenvolvimento regional e de descentralização efectiva.

A lei assenta numa filosofia de empobrecimento do carácter representativo das instituições.

No que respeita à Área Metropolitana de Lisboa, regista-se que tenham sido ignoradas as sérias reservas manifestadas no parecer pedido ao professor Freitas do Amaral.

Nesta, e noutras seis Grandes Áreas Metropolitanas (GAM) e dez Comunidades Urbanas (ComUrb), o Governo precipitou a sua criação com um envelope financeiro escasso para procederem à instalação para os primeiros municípios que avançassem e dizendo que ninguém deveria ficar para trás porque o preço a pagar por quem o fizesse seria «demasiado elevado e estaria condenado ao fracasso».

São inaceitáveis um conjunto de situações previstas com a gestão territorial na área dos municípios integrantes, a possibilidade da Assembleia Metropolitana aprovar a constituição de empresas intermunicipais, da Junta propor à Assembleia projectos de regulamento aplicáveis na área dos municípios respectivos. Ou conceber e executar os planos plurianuais e anuais de formação dos recursos humanos dos municípios. Ou coordenar e gerir as redes municipais de abastecimento de água, de saneamento básico, ou de gestão de resíduos sólidos urbanos, industriais e hospitalares. Ou ainda, de gerir os transportes escolares e a higiene e limpeza urbanas.

A lei está, além disso, marcada pela incompetência técnica na sua formulação e pelas contradições com outra legislação em vigor relativamente à cobrança entrega a fiscalização de impostos locais ou à promoção e elaboração de planos regionais de ordenamento do território.

Esta opção pela perda da democraticidade, vem na sequência da recusa da regionalização, pretende criar factos consumados para a revisão constitucional, atribuir o novo modelo de financiamento local a entidades supramunicipais e fazer-lhe seguir a lei-quadro das parcerias público-privadas da administração local. Tudo questões que poderão afastar a decisão dos munícipes de matérias relevantes, das quais estão também a ser afastados no conturbado processo de integração europeia. No futuro, eleições serviriam para quê?

Tudo recomenda, pois, um perfil preventivo na aplicação da lei, a valorização de tudo que tenha a ver com a ordenação e articulação entre Câmaras, a recusa de transferências de atribuições para outras entidades mais afastadas da vontade e da fiscalização dos munícipes e a aceitação de actuais competências da administração central desde que compensadas por meios correspondentes a cada situação concreta e não apenas baseados em custos padrão.

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