Em Lisboa, foi no Beato que “começou” a revolução industrial. Não foi só a primeira linha de caminho de ferro de Xabregas mas uma multiplicidade de indústrias e oficinas que aí se instalaram e com elas o fervilhar da vida operária e dos seus bairros, a solidariedade e o associativismo. Outros são os tempos. Mas não só por serem outros esta realidade se alterou. A política fez opções por uma economia virtual que hoje nos condiciona como um garrote. Foram-se grande parte dos sectores primário e secundário da economia que, em nome duma suposta modernidade, vendida por escribas que se esfumaram na história , ficou sem bases para resistir e competir num quadro cada vez mais condicionante. Mas dois séculos de história não se apagam. O Beato faz parte de Lisboa, vive um novo fôlego e a falta de comparência da Câmara tem de ter um ponto final.
Com cerca de dezasseis mil habitantes e uma relativa estabilidade populacional, mesmo que mais idosa que há uns anos atrás como no resto do país, a freguesia alia o presente ao passado, com uma Junta de Freguesia dinâmica, em permanente contacto com os fregueses para encaminhar a resolução de pequenos e grandes problemas, da habitação ao espaço público, e no apoio às escolas e colectividades.
Tal como noutros bairros a questão central continua a ser a da habitação.
Quer nas pequenas reabilitações do edificado mais antigo, maioritariamente privado, em que a Junta tem prática de intervenção que se pode alargar, vencendo as resistências da Câmara.
Quer nos bairros municipais da Quinta do Ourives, do Grilo e da Madre de Deus e nos nascidos do PER, o Carlos Botelho e o da Rua João Nascimento Costa, onde é necessária fiscalização, uma intervenção da Gebalis através dos seus novos gabinetes e o estabelecimento de protocolos para a manutenção entre a Câmara, comissões de bairro e a Junta.
Merece atenção ainda o estado do edificado na rua José Relvas e na encosta da Mata.
Novos realojamentos, como o do Vale do Forno, exigem um trabalho preparatório com a colaboração da Junta e outras instituições.
A recuperação da área envolvente do Bairro da Quinta do Ourives, iniciada em 2001, não prosseguiu e a promessa de recuperação da envolvente do Bairro do Grilo não teve sequência. Estes dois bairros são os de recuperação prioritária.
O trânsito tem aumentado de intensidade, mesmo em ruas até há pouco calmas. O estacionamento está desordenado e não dispõe ainda de parques construídos. Permanece a vontade de um, subterrâneo, na Alameda do Beato e de outro, em silo, na Rua de Xabregas em edifício municipal. As viaturas abandonadas não são rebocadas e as cargas e descargas de veículos pesados afectam a mobilidade do transporte público e individual. Mas as propostas da população sobre a matéria não têm tido resposta da CML.
O compromisso municipal com os moradores de que neste virar de ano seria aberta a ligação das Olaias com a Infante D. Henrique não será cumprido o que continuará a impedir a movimentação interna na freguesia. Impõe-se, por isso, uma rápida construção da rotunda por cima da ETAR e abrir a via em direcção ao rio e a da encosta da mata para a Estrada de Chelas. Na freguesia não existem transportes públicos na parte fronteira ao rio.
A estação de qualidade do ar instalada na Escola Luis António Verney, no Bairro da Madre de Deus junto à Quinta do Ourives, registou, em 31 de Julho e 1 de Agosto do ano que passou um pico nos valores do ozono, situando-o no intervalo de valores entre o que obriga a uma informação à população em tempo real e o que exige que se lhes faça um alerta. Mas que obriga a outro tipo de medidas.
Só recentemente parece haver alguma atenção do município para requalificar os jardins infantis na cidade. Mas aqui, encerrou o da Aquiles Machado e ainda não voltou a colocar o que já existiu na Mata da Madre de Deus . Enquanto a Junta acorreu ao da Quinta do Ourives e ao da Vila Dias, tal como conservou e manteve os espaços verdes à sua responsabilidade quando existiam ou, pura e simplesmente, os criou, tal como esteve presente na colocação de bancos e mesas, em várias ruas, praças, junto de equipamentos e da mata.
O acolhimento a cerca de oitocentas pessoas sem abrigo, para além do trabalho próprio das instituições que os acolheram, teria exigido um acréscimo de segurança numa freguesia sem esquadras. Freguesia que não tem centro de saúde, o que exigiria, até à sua criação, a abertura de unidades de saúde na Madre de Deus e na Picheleira.
A Mata da Madre de Deus, um dos potenciais atractivos da freguesia, além do que atrás referimos, continua sem o seu circuito de manutenção e a aguardar o polidesportivo, cuja segunda fase a Junta de Freguesia assumiu para vencer os atrasos da fase anterior. O Plano de Urbanização do Vale de Chelas prevê a construção de equipamentos desportivos sobre os quais a Junta tem ideias claras. Face a uma das promessas não cumpridas, a de uma piscina em cada bairro, o presidente da Junta gracejava há dias, dizendo que já se contentavam apenas com uma no conjunto da freguesia...
A grande mudança será, porém, a prazo, a que decorrerá do Plano de Urbanização da Zona Ribeirinha Oriental, que se desenvolverá entre Santa Apolónia e a Expo, com o acréscimo de urbanizações e de entre 4500 e 7500 habitantes. A Câmara não pode pôr-se de fora de uma intenção que apenas pretende contemplar camadas altas e médias e deixar a população actual sem a sua habitação requalificada e o conjunto sem os equipamentos sociais, educativos e desportivos cuja necessidade esse acréscimo populacional irá acentuar. Nessa mudança terão que ser acauteladas adequadas acessibilidades e sistemas de vistas como noutros pontos da cidade de onde se vê o rio e se desce para ele.
A Lisboa oriental não é só a zona da Expo. A CML tem que fazer sentir-se mais no Beato.
2. Faleceu José Carreira. Polícia, sindicalista, um homem da cidade. Os portugueses guardam a sua imagem de coragem e serenidade, como o rosto da luta pela conquista de importantes direitos. Direitos que outros negaram, os mesmos que o fizeram vítima de perseguições e processos.
A conquista de direitos sindicais pela PSP correu mundo nas imagens dos jactos de água sobre agentes fardados, homens e mulheres, que assim davam um exemplo de cidadania, e também dessa forma rompiam com estereótipos do tempo da outra senhora, que alguns dirigentes da direita gostariam de reabilitar.
Essas imagens fizeram estremecer o país e criaram um novo olhar sobre a polícia e um orgulho na população em ter este tipo de pessoas a cuidar de si. Para alguns círculos da direita isso foi uma quebra da desejada disciplina. Cega, pretoriana, mercenária e sem direitos civis, que fosse o braço armado das suas políticas anti-sociais. Para eles a ambição seria o regresso aos polícias de antigamente.
Muitos de nós passaram por essa experiência do passado e não esquecem. Pela minha parte, recordo o interrogatório com espancamento por um tal subchefe Manteigas numa sala do Governo Civil. Ou as agressões do Maltês Soares num nívea para dentro do qual me empurraram numa manifestação do 5 de Outubro, seguido do espancamento numa sala da antiga esquadra do Arco Cego por uma boa dezena de polícias de choque, armados até aos dentes. Ou a manif do Congresso de Aveiro de 1973, onde apanhei das boas com o José Afonso e o Murad Ali, que infelizmente já nos deixaram.
Em democracia, tive oportunidade de, em responsabilidades autárquicas, contactar muitos desses novos polícias, formados dentro de concepções civilistas e que estabeleceram relações de grande proximidade com as populações. Com uma efectiva eficácia acrescida para a segurança dos cidadãos e para a imagem da própria polícia. Vários deles, mulheres que dirigiam esquadras de zonas consideradas difíceis.
De José Carreira guardo, entre outras, a recordação de um episódio esclarecedor. Foi no Pavilhão Atlântico, há poucos anos, no decurso da exibição das Marchas Populares. Duas claques de dois diferentes bairros chegaram a vias de facto e a situação poderia tornar-se explosiva. Saltei para a zona da refrega. Lá estava o subchefe Carreira a comandar a força policial destacada. Alguns dos agentes e eu próprio levámos algumas carícias de alguns membros mais entusiastas das claques. Mas, num ambiente de grande contenção, tudo se saldou apenas na detenção de um jovem, com um ligeiro ferimento. José Carreira pediu-me, na qualidade de vereador responsável pelo evento, para eu os acompanhar à esquadra da Expo e verificar que o detido seria bem tratado. Lá estive com outros membros da organização durante umas duas horas, que foram de conversa com os agentes e com o jovem que foi levado a fazer um curativo e posto em casa.
Esperamos que a Câmara lhe atribua o nome de uma rua, pelo seu exemplo pessoal e pelo significado da movimentação colectiva em que participou como um dos principais responsáveis.