&quot;As elites e os valores&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;<span class="titulo2"><span class="titulo2"><span class="titulo2">

Através de Miguel Sousa Tavares, tomei na sexta-feira conhecimento da existência de uma obra, ignorância imperdoável da minha parte, não apenas por motivos que se compreenderão, mas pelo facto de, parece, nem se tratar de lançamento recente. A obrinha terá o deliciosamente moderno e oportunamente confuso título Corão marxista-leninista. Não é indicado o editor.

Esta ignorância ter-me-á, contudo, poupado à mazela que parece, ainda segundo Sousa Tavares, assolar todos os que já o leram: o nunca terem percebido que «o que nos faz falta é a reconstrução de uma elite, que tenha valores, que seja capaz de se bater por eles e dê o exemplo».

Livrei-me de boa...

Mas parece-me haver neste desabafo de alguém, que inquestionavelmente pertence a, pelo menos, uma elite e anseia pela sua reconstrução, alguns aspectos contraditórios. Por causa da leitura daquele livro demoníaco, a esquerda não percebeu a importância das elites; mas, quanto à direita, esta tê-las-á transformado «no triunfo do dinheiro e da hipocrisia». Ora em que ficamos? É que esta visão duplamente apocalíptica revela-se estéril e comodamente desculpabilizante: afinal, que valores entende Miguel Sousa Tavares que se deve ter, por eles ir à luta, dar o exemplo?

É que as elites, só por si, não transformam a vida dos povos; mas os valores, quando conquistam os povos e os povos os fazem seus, esses sim transformam.