Adeus Lagos. Até para o ano.
Para trás ficam uns bons quinze dias de férias.
Fica o reencontro da família e as delícias de avô em full-time.
Fica aquele repousante alcance de vista do mar, dos barcos e das pessoas, do local privilegiado onde me encontro. Fica a companhia das gaivotas no terraço e do pombo amestrado pelo meu irmão.
Ficam algumas agradáveis refeições no “alkibir”, onde há catorze anos, João, nascido em Monchique, estudante de coisas diversas no ISEL e no IADE, e tendo profissões várias, desde a de professor em Algoz à de desenhador em gabinetes de arquitectura e construção civil, se fixou em nova profissão e agora, com a São e a Dona Rosa, se tornou em cozinheiro de gabarito, presenteando-nos com uma massa de peixe, carapaus alimados, petingas e joaquinzinhos fritos, lulinhas e choquinhos fritos com tinta, caldeirada de peixe e um cozido à portuguesa, que honram o cliente e fazem um manguito a alguns “industriais” que pedem 7,5 euros por uma dose de quatro sardinhas queimadas...
Ficam o Luis e o Hans que há doze anos, vindos de outros portos, se fizeram grandes barmen e mantêm um bar a sério, o Luisol, com a melhor música gravada compatível com os pequenos grupos de conversa e a simpatia de saber receber.
Fica o “Calcinha”, pintor de construção que aconchega o orçamento familiar apanhando navalheiras “ao candeio”, e que com astúcia e graça consentidas, diz ao polícia marítimo que, se a esta arte nocturna se entrega, com a família a fazer-lhe companhia do alto do passeio marginal à ribeira de Bensafrim, foi porque “Quem deu autorização foi o Dr. Paulo Portas...”. Ora, toma! Nem o ministro sabia que servia para alguma coisa!
De Lagos, pela Internet, sigo as reuniões da Câmara de Lisboa. É um vício.
Verifico que as propostas continuam a ser agendadas em cima da hora, apesar das promessas em contrário, o que obrigou os vereadores do PCP a não participarem numa votação sobre uma questão relevante, mas que exigiria atempado estudo anterior, como era o caso do desnivelamento da Infante D. Henrique com a Marechal Gomes da Costa.
E que a vereadora da Habitação Social, em nome da descentralização acha bem que se tivessem recebido fogos que o IGHAPE não tinha conseguido vender, com pesados encargos para município e ilusões infundadas para municipes ...livrando o Governo dos encargos de mais difícil resolução sem contrapartidas de jeito para que a Câmara os possa assumir! Quantos autarcas do PSD de outras câmaras não vão nesta cantilena!
E que não está claro o que a vereadora do pelouro e presidente querem da revisão do PDM.
E que nada foi dito sobre o futuro da Orquestra Metropolitana de Lisboa, quando a assembleia geral da respectiva Associação foi nessa manhã adiada por os municípios presentes não aceitarem a imposição de nova direcção e estatutos por parte da Vereadora da Cultura da CML. Aquilo que a vereadora viu, o que legitimamente não terá sido do seu gosto, as coisas em que se deixou envolver, a dificuldade de dar saída às entradas de leão, uma obra feita, extensa, que transcende os seus principais protagonistas mas não os dispensa e que é assim desestabilizada, um contrato com consequências legais que se quer subverter,...Os responsáveis actuais da CML já fizeram bem a contabilidade de ganhos e perdas políticos, incluindo a imagem de perseguição pessoal, por razões políticas, que já nada vai desfazer, para encararem compromissos não humilhantes??
O Governo aprovou na passada quinta feira um projecto de lei sobre matéria que é de especial interesse particularmente para Lisboa e para outros grandes centros urbanos: a reabilitação dos centros históricos.
A especulação imobiliária, aliada a outros factores como a falta de recursos de muitos inquilinos e de vários proprietários, a quebra de natalidade e formação tardia de novos agregados familiares, criaram uma situação que tem de ser invertida, como tendência, nos próximos anos, apesar de progressos feitos, com esse objectivo, mas a ritmos insuficientes, na década de 90.
A tendência consolidada, como dissemos, está clarificada em termos qualitativos e quantitativos.
A prevalência, em virtude dos maiores e mais fáceis lucros e capacidade de especulação obtidos, da construção de nova habitação em detrimento da que carece de reabilitação.
A expulsão para periferias dos até aí residentes e de novos casais e absorção apenas de camadas de grande poder aquisitivo, com a consequente descaracterização dos bairros.
O número crescente de fogos devolutos cuja degradação, também por isso, se acentua.
A degradação do parque habitado, sem resposta privada ou pública suficiente.
A importância que o PER teve ao PER ao acabar com as barracas mas que, legitimamente elevou na restante população a expectativas e o nível de exigência de obras, em situações que, frequentemente são bem piores.
A falta de meios humanos dos municípios para prepararem e acompanharem empreitadas privadas ou públicas, estas coercivas ou não, aos ritmos adequados.
A falta de qualidade da construção que assim vai passando.
Uma acção governamental desastrada que, em vez de consolidar programas de apoio à reabilitação, aumentando o número de candidaturas, há anos que vem prometendo e preparando alterações que adiaram o recurso aos programas existentes por parte de muitos proprietários na expectativa de melhores condições.
A insensibilidade face às exigências burocráticas, não fundamentais, colocadas aos diversos protagonistas, em vez de agilizar procedimentos e reservando ao corpo técnico municipal funções não alienáveis, incluindo a de conciliação das partes (eficácia das intimações, aumentos de rendas decorrentes de obras, etc).
Não vamos desenvolver aqui mais o que já foi tratado no dia-a-dia e no trabalho feito, em conferências e seminários ou simples crónicas, como esta.
Esperamos que o projecto de lei tenha um período de debate público, suficientemente amplo para que a lei permita atingir outros objectivos que não maior expulsão de populações e entrega do centro da cidade aos milionários do burgo e aos da “estranja” que se deleitam em ter um apartamento, preferencialmente em condomínio fechado, ou uma “vila” em cada cidade, de acordo com o plano de fuga aos impostos e de branqueamento de capitais em fuga mais adequado a cada situação concreta.
E que não permita mais gentrificações de cidades históricas e o remeter para os guias turísticos de outras tantas identidades perdidas.
A simples leitura das notícias, do que a comunicação social disse, pese embora a expectativa, “naturalmente positiva” dos edis das cores do governo das três maiores cidades, carece de confirmações, descodificações, esclarecimentos, definição dos diversos modi faciendi , intenções dos privados potencialmente interessados nas soluções encontradas, garantias para os inquilinos, papel dos municípios que nos habituamos a ver tratados por “empatas” pelos que não querem que os serviços municipais tenham mais do que “papel de embrulho” dos seus interesses.
Defina lá, pois, Dr. Durão, as condições do debate público do tal projecto de lei.