Numa frase célebre, escreveu o jovem Marx que a última fase de uma forma histórica é a sua comédia, para que o homem se possa separar alegremente do seu passado. Há qualquer coisa de comédia no que se passa em Portugal, em toda esta crise e seu desfecho. E que prossegue neste nunca visto conta-gotas de ministros comanditários do capital, no bastardo namoro entre um primeiro-ministro que nunca o deveria ter sido e um Presidente que resolveu deixar de o ser. V. Pulido Valente falava ontem num sentimento de irrealidade que tudo isto desperta.
Exactamente a mesma expressão surgira aqui e não deixa de ser significativo que duas pessoas que tão diferentemente pensam acabem a partilhar idêntico sentimento. O problema é que atrás dessa irrealidade se perfila a realidade bem real de um Governo que, exactamente por ser de comédia o que o conduziu ao poder, faz recear bastante mais o funesto final que pertence às tragédias. Por dois caminhos se pode cometer neste quadro um grave erro. Um, o do pasmo paralisado de quem assiste a uma irreal ópera-bufa à qual nada se faz, porque até parece não ser verdade; outro, a também paralisada resignação de quem aceita que temos de sofrer sem apelo os desmandos de um destino trágico. Nesta tragicomédia ninguém pode conformar-se em ser simples espectador. Porque tudo se passa no palco real das nossas vidas e dessa pátria que, como escreveu Gomes Ferreira, nos dói.