A intervenção do município no realojamento de populações carenciadas de habitação e de trabalhadores da administração pública remonta, na história contemporânea da cidade, a 1938.
Bairros ditos sociais, ou de casas económicas ou de renda económica, coexistiram com a criação de bairros onde a habitação ia tendo uma regulação de mercado mais ou menos especulativa.
A imigração e a concentração do país na área urbana criaram uma procura de recursos modestos a que não correspondeu a oferta resultante da iniciativa municipal. Assim cresceram também os bairros de lata.
Só depois do 25 de Abril há uma maior atenção à necessidade de que esta habitação seja mais digna, rompa com as características de guetos, incorpore infra-estruturas, cuidados de ordenamento, equipamentos sociais e acessibilidades. As populações destes bairros e dos bairros mais antigos da cidade movimentaram-se e, com apoio de uma forte corrente de esquerda, também muito presente nas áreas técnicas ligadas ao pensar e ao fazer da cidade, desencadearam outros ritmos e iniciativas de construção.
Mas foi a década de noventa e 2001 que marcaram a maior alteração quantitativa da construção mas também qualitativa nesta e na integração destes bairros na malha urbana de forma mais consequente.
A prática extinção dos bairros e barracas no final desse ano, com que terminariam doze anos de uma administração baseada numa coligação de esquerda, veio, porém a defrontar os efeitos de uma nova administração, de direita.
O processo de realojamento que ainda faltava, com empreitadas lançadas e em vias de conclusão foi atrasado, numa fase inicial, para fazer crer que a coligação de comunistas e socialistas não cumprira um objectivo que tinha identificado como central. A partir de meados deste ano, a nova maioria viria a aceitar muitos outros fogos do IGAPHE que, em geral, os tinha deixado num estado de conservação muito deficiente.
Existe hoje uma situação de muitas dezenas de milhares de fogos em bairros municipais ou em condomínios, com diferentes graus de conservação, na medida em que muitos deles são relativamente recentes. Mas onde podemos identificar maiores carências do que outras zonas consolidadas da cidade em vários aspectos: conservação da habitação, manutenção do espaço público e das partes comuns dos edifícios, poucos equipamentos, limpeza muito deficiente.
Uma intervenção programada, em estreita ligação com as juntas de freguesia e associações de moradores, é essencial para que não se verifique um retrocesso e maior marginalização e para que a integração social se vá fazendo intimamente ligada à participação das populações nestes processos.
Isso implica desde logo a realização sem descanso de um programa de reabilitação, com uma componente de emergência e de um trabalho descentralizado de equipas pluridisciplinares de apoio a diferentes intervenções.
Mas também um estímulo à criação de associações de moradores, com uma actividade diversificada, desde a conservação da habitação e de comportamentos ambientalmente sustentáveis, ao fomento da prática desportiva, da criação e fruição culturais e de uma maior integração social e de interacção com organismos desconcentrados do Estado e de outras instituições que têm estado em refluxo por efeito de concepções neo-liberais. Associações que não sejam encaradas como apêndices e votadas à arbitrariedade dos sacos azuis mas como representantes efectivos das populações, com capacidade reivindicativa, elemento indispensável num quadro mais vasto de atitudes que configuram a absolutamente necessária gestão participada.
E uma actuação da Gebalis (empresa municipal criada há alguns anos para fazer a gestão destes bairros) mais radicada nos bairros, com outra capacidade de resposta, nomeadamente na gestão dos condomínios onde o município é maioritário, que permita transferir, numa lógica de proximidade e de maior eficácia, recursos para a conservação e manutenção de espaços comuns, com protocolos entre o município, juntas de freguesia e representantes dos moradores.
E que contemple a cedência de parques de estacionamento subterrâneos para utilização, gestão e conservação locais. E incentivos para ocupação de actividades socialmente úteis de pisos térreos ou abandonados e para a manutenção das partes comuns, sem encargos para os residentes. Que permita, além do mais, elevar a auto-estima em relação à propriedade pública, tanto maior quanto mais identificadas as populações estiverem com o seu usufruto e a noção de “público” tenha essa compreensão em vez de ser considerada como “deles”.
Esta intervenção carece de uma permanente pressão e compromissos para se construírem mais equipamentos sociais, desportivos, culturais, de lazer e convívio, novas farmácias e extensões de centros de saúde. Novas esquadras da PSP, actuando, numa lógica civilista, de proximidade e identificação com os residentes. E novos postos de limpeza da CML.
A política de que o município precisa não se faz de brilharetes, de fogachos e faz-de-conta. De obras de regime, vaidades e rampas de lançamento para outros voos. De dar mais oportunidades de lucros especulativos a alguns lobbies. A recente sondagem CML/Marktest evidencia a redução de apoio em Lisboa a Santana Lopes e à coligação da direita e a aspiração a outra política municipal.
Foi isso que concluíram, também, há dias os comunistas quando realizaram um seu quarto encontro sobre os bairros municipais.
O essencial terá que estar sempre na busca, frequentemente muito pouco mediática, de tornar melhor a vida de quem aqui vive e trabalha, e com a sua crescente capacidade de intervenção na gestão destes bairros.