&quot;A graça de governar&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

José Pacheco Pereira, na sua última presença televisiva, desenvolveu a seguinte e curiosa teoria sobre o "estado de graça" "Se o PS governar, o que todos desejamos, vai tomar medidas difíceis e pela sua natureza controversas. Se houver estado de graça - concluiu - é mau sinal, significa que o PS não está a tomar as medidas difíceis que são urgentes."

A primeira coisa que convém sublinhar é a sinonímia estabelecida entre governar e medidas difíceis e controversas. Pacheco Pereira não admite sequer a possibilidade de um Governo tomar medidas que sejam bem aceites pelos cidadãos (ou, pelo menos, pela maioria), que correspondam aos seus interesses, que resolvam problemas.

Esta visão apocalíptica da governação é inteiramente característica da direita, é assumir que o exercício do poder será sempre feito em contradição com os cidadãos, que são inconciliáveis os actos de governação e a satisfação dos governados. Este conceito é, de resto, inseparável de uma visão autoritária do Estado e da sua acção, simultaneamente dela derivando e dando-lhe sustentação.

Esta visão autoritária liga-se igualmente com outro traço, que é o de um implícito desprezo e desconfiança pelos cidadãos. Não sendo, evidentemente, de excluir - como a História amplamente o demonstra - que muitas circunstâncias determinam momentos colectivos de crise, medidas efectivamente difíceis, esforços e sacrifícios, Pacheco Pereira não admite que possa integrar uma orientação política viável o ganhar da população para a compreensão dos problemas e do que eles possam exigir. Para Pacheco Pereira a oposição é inevitável e contra ela é necessário reagir.

É plausível que o Governo de José Sócrates não conte com o tão badalado "estado de graça". Assim sendo, evidentemente que foi por ter tomado medidas que frustraram as expectativas dos portugueses, que consideraram não resolverem elas os problemas com que o País se debate. Para Pacheco Pereira, terá governado e terá graça; para os portugueses - não.