&quot;A direita e a Igreja &quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

Vasco Pulido Valente não é, consabidamente, um comentador excessivamente convencional zangadíssimo a título permanente com a esquerda, a verdade é que não manifesta especial simpatia pela direita ou, para sermos mais exactos, pela direita que temos. Mas a sua generalizada antipatia pelo que nos rodeia, à esquerda e à direita, faz dele inquestionavelmente um homem de direita.

Ora é significativo que, num texto de há algumas semanas no qual ferrava o dente nas bondosas preocupações de "refundar a direita" que circulam por aí (ou, pelo menos, nas páginas dos jornais), tenha sido Pulido Valente a chamar a atenção que os diligentes refundadores esquecem uma entidade que tem ao longo de séculos sido axial para a direita portuguesa, e não se vislumbra que possa deixar de o ser a Igreja Católica.

A observação tem tanta mais razão de ser quanto a mais elementar atenção aponta para que essa mesma Igreja continua a ter papel determinante no reposicionamento da direita portuguesa nas últimas décadas, haja em vista a Universidade Católica, o sistema financeiro e bancário, a formação de quadros e outros pormenores de evidente relevância.

A questão, porém, é que há neste quadro um reforço da direita através daquela acção, mas ela não é enquanto tal assumida. E, ao não ser assumida, conflitua com o universo político essencial de enquadramento de massas num sistema democrático, ou seja, os partidos. A direita reorganiza-se nas instâncias de poder (económico, político, social), mas essa reorganização, pela reserva e até secretismo de que se rodeia, não consegue assumir uma expressão pública onde seria "refundadora" de partidos assumidamente de direita susceptíveis de gerarem um eleitorado verdadeiramente de direita.

A observação cáustica de Pulido Valente sobre aquele silêncio corresponde assim à pública realidade dos factos; mas não é inteiramente certo que corresponda à realidade dos factos que não é inteiramente pública.