&quot;A crise anunciada&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

A crise política pressentia-se há muito. Sabia-se que a arrogância da coligação governamental já só procurava escamotear uma crise anunciada. Quem percorreu o País e ouviu as populações sabia que o descontentamento medrava e alastrava a olhos vistos. Bastava um mínimo de atenção para notar que algo havia de acontecer, mesmo que as vitórias da nossa selecção esquecessem momentaneamente os problemas e as tristezas acumuladas.

A espantosa derrota eleitoral que a coligação PSD/CDS sofreu em 13 de Junho, com as eleições para o Parlamento Europeu, a que se seguiu a fuga para a Comissão Europeia de Durão Barroso e o subsequente abandono das funções de Primeiro-Ministro, criou as condições para exigir decisões corajosas, capazes de garantir uma mudança política que vá ao encontro dos interesses e desejos da maioria da população.

Percebe-se que quem tem o poder ou a quem este serve não queira eleições. Temem os seus resultados. Mas, quando uma coligação governamental, em eleições recentes, onde mal chegou aos 34% tem um Primeiro-Ministro e responsável político do maior partido dessa coligação que aproveita, de imediato, a primeira oportunidade para fugir às suas responsabilidades, quando se conhece o apetite de vários presidentes de municípios para quem já são estreitos os seus horizontes, que anseiam o seu momento de glória sentados à mesa do orçamento, estão criados os ingredientes para alimentar uma instabilidade política e governativa a que urge pôr cobro. Daí que em nome da transparência, da estabilização e respeito pelo povo português, se exija a clarificação, o que só pode ser conseguido com novas eleições legislativas.

Qualquer substituição do Primeiro-Ministro por outra personalidade indicada pelo PSD, com ou sem a realização de um congresso deste partido, seria uma solução artificial, politicamente inconveniente e inaceitável no actual quadro político e destituída de um mínimo de consistência e credibilidade.

Todos conhecemos as guerras que se desenvolvem dentro das forças políticas da maioria governamental actual para manter o poder, para aproveitar o momento e mudar algumas pedras do mesmo tabuleiro, proporcionar algumas vinganças pessoais, satisfazer alguns apetites devoradores, esquecer alguns “sulistas e elitistas” para, finalmente, se criarem as condições para alguns autarcas rumarem a Lisboa e se sentarem em qualquer cargo governamental.

Assim, ao contrário do que se procura fazer crer, seria na continuação da política deste Governo e de soluções originadas ou determinadas pela actual maioria parlamentar PSD-CDS que residiriam os mais graves factores de instabilidade e desestabilização da vida política, económica e social do país.

Daí que a solução democrática que se impõe, como muitas personalidades de vários quadrantes políticos estão a defender, seja dar a palavra ao povo português para que se possa pronunciar, como seria desejável, por um novo rumo, uma nova política e um novo governo para o país, em estrita coerência com a necessidade de interromper a desastrosa política deste Governo e promover a sua substituição, poupando assim o povo e o país a mais graves prejuízos e agressões aos seus direitos e interesses.

Entretanto, não pode deixar de ficar também, desde já, clara a posição a assumir no Parlamento Europeu relativamente à indigitação de Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia.

Quem em Portugal foi Primeiro-Ministro da coligação mais à direita que tivemos desde a revolução do 25 de Abril de 1974, quem aprovou da legislação mais regressiva na área do trabalho, como o Código Laboral, quem praticou o neoliberalismo com o acelerar das privatizações nos mais diversos sectores, quem praticou políticas restritivas na base da aplicação fundamentalista do Pacto de Estabilidade, quem pôs em causa serviços públicos essenciais, quem impediu a aprovação de uma lei que acabe com os julgamentos de mulheres acusadas de práticas de aborto clandestino e teve uma posição de clara defesa da guerra contra o Iraque, de seguidismo de Bush e do imperialismo americano, só pode merecer um voto contra. É o que iremos fazer quando esta votação se colocar no Parlamento Europeu, como também já decidiu o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica onde participam os deputados comunistas.

É que, ao contrário do que se pretende insinuar, a eleição de Durão Barroso não serve os interesses de Portugal e do seu povo, mas apenas da mesma elite dos grupos económicos e das multinacionais que dominam Portugal e a União Europeia. A sua escolha só demonstra que, apesar das divisões e contradições em que se encontra a construção europeia, continua a imperar o mesmo objectivo que a dita constituição europeia, recentemente aprovada, também consagra: maiores e melhores condições para que o número restrito dos grandes países reforce o seu poder, como reconhece a imprensa europeia, o que sempre põe em causa interesses portugueses, os interesses de quem trabalha e de quem produz.