&quot;44.549 palavras&quot;<br />Vítor Dias no &quot;Semanário&quot;<span class="data">

27 de Dezembro de 2002

Ao longo dos últimos meses, já todos vimos e ouvimos múltiplos governantes do PSD e do CDS-PP (e os seus acólitos na “pedagogia da resignação”) a invocarem como supremo e definitivo argumento o facto de a sua política alegadamente ter sido sufragada, nas últimas legislativas, pela maioria dos eleitores.

Ainda que sublinhando que nem a maior verdade e transparência na apresentação de propostas ao eleitorado pode matar o direito a resistir e contestar a política de um governo, vale a pena apurar o que se passou com o PSD nesta matéria.

Evidentemente que basta qualquer revisitação da imprensa da época ou da memória de cada um para se saber que naquilo que efectivamente conta porque é largamente acessível – as declarações em entrevistas ou em acções de campanha - para se provar que Durão Barroso prometeu coisas apetecíveis e rentáveis em votos mas escondeu sistematicamente quase tudo o que de mais contestável e desagradável o seu governo tem andado a perpetrar.

A esta constatação responderão pela certa os visados que, pelo seu formalismo e responsabilidade, o que nesta matéria deve contar é o programa eleitoral apresentado pelo PSD, por muito que um tal documento não tenha sido integrado como elemento de avaliação pela generalidade dos eleitores.

Aceitando o desafio, e graças às maravilhas da informática e aos sistemas de pesquisa que propiciam, fique-se então a saber que o “Programa Eleitoral de Governo” apresentado pelo PSD em 20/2 deste ano tem 44.549 palavras mas entre elas não estão muitas das que obrigatoriamente lá deveriam estar se o PSD tivesse realmente anunciado o que realmente anda a fazer.

Assim, entre estes quarenta e quatro milhares de palavras, fique-se a saber que não estão lá nem palavras nem expressões referentes ao aumento do IVA e ao agravamento do IRS, embora lá esteja o seu contrário, mais precisamente “a moderação da tributação dos rendimentos do trabalho”.

Fique-se a saber que, tirando uma referência crítica ao governo do PS quanto às “portagens virtuais”, nem a palavra “portagens” nem a sigla “CREL” tiveram direito a qualquer menção nas propostas ou orientações constantes do Programa Eleitoral do PSD.

Fique-se a saber que se é certo que lá se encontra uma referência ao prosseguimento da “política de privatizações” nada se diz sobre essa questão maior da privatização da rede fixa de telecomunicações. Mas, neste domínio, a pesquisa permite que se fique a saber que esta e outras privatizações estão a andar a todo o vapor sem que o Governo PSD-CDS/PP esteja a cumprir o solene compromisso programático do PSD (pág. 54) de que “qualquer privatização realizada deverá ser objecto de relatório detalhado à AR, de forma a permitir a fiscalização do modo como se processou”.

E, quanto ao “pacote laboral” ou “Código de Trabalho”, agora erigidos pelo Governo em “reforma estrutural” de decisivas e milagrosas consequências, saiba-se que o mais que, nesta área, no Programa Eleitoral do PSD inclui são duas coisas de uma premeditada generalidade: a primeira refere-se à “promoção da adaptabilidade e flexibilidade da organização do trabalho” e a segunda, repare-se no seu mero recorte técnico, refere-se à “sistematização de toda a legislação laboral vigente, sintetizando-a no menos número possível de diplomas e tornando-a facilmente compreensível para todos os destinatários”. Como se vê, nada sobre “trabalho nocturno”, “contratos a prazo”, “horário semanal”, “caducidade automática das convenções colectivas”, etc.,etc.

Medite-se pois nesta profunda falta de respeito pelos eleitores e neste truque da ocultação eleitoral das verdadeiras propostas. E medite-se se isto não causa muitíssimos mais danos ao “sistema político” do que os temas calistos por que parecem enamorados tanto o PSD como o PS.