Intervenção de

Questões do emprego e o ataque aos direitos dos trabalhadores - Intervenção de Jorge Machado na AR

Interpelação n.º 6/X, sobre as questões do emprego, a crescente precariedade e o ataque aos direitos dos trabalhadores

Sr. Presidente,
Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social

A precariedade é um factor de preocupação na Administração Pública. Na verdade, pela vontade política de impor limitações à admissão de novos funcionários, e face às possibilidades criadas pela legislação, os sucessivos governos não têm hesitado em usar e abusar das mais diversas formas de contratação precária. O objectivo é claro: por um lado, reduzir as despesas e, por outro, criar as condições para uma mais fácil privatização dos serviços públicos.

Sr. Ministro, parece-lhe admissível que se pratique na Administração Pública aquilo que o Estado diz ser proibido por lei ao sector privado? Parece-lhe admissível que haja trabalhadores a desempenharem tarefas permanentes para o Estado passando recibos verdes durante anos a fio? Parece-lhe aceitável que o Estado mantenha em situação precária milhares de trabalhadores da Administração Pública?

Dou-lhe um exemplo: parece-lhe admissível que o Ministério das Finanças tenha cerca de 500 trabalhadores pagos à hora — sim, pagos à hora, Sr. Ministro?!

Outra situação preocupante diz respeito às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Como o Sr. Ministro sabe, estas comissões precisam urgentemente de técnicos. Ora, face a este problema, a solução encontrada pelo seu Ministério é a de recorrer ao outsourcing.

Está aqui, publicado num anúncio de um jornal!

Isto é, em vez de admitir novos técnicos e dar-lhes a estabilidade de que necessitam, o Ministério contrata uma empresa que, por sua vez, irá contratar os técnicos para essas comissões de protecção, passando a ser essa empresa a entidade patronal desses trabalhadores.

O Tribunal Constitucional já manifestou a sua preocupação quanto a este tipo de contratações na Administração Pública. Acha que estes trabalhadores vão ter um vínculo estável, Sr. Ministro? Acha mesmo que as comissões de protecção ficam melhor servidas com técnicos subordinados a este tipo de contratação?

Outra preocupação, Sr. Ministro, diz respeito ao facto de o Governo não cumprir a negociação colectiva.

Na verdade, o Governo, nas negociações com os sindicatos da Administração Pública, excluiu das negociações a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública (FCSAP) pelo simples facto de esta estrutura sindical não ter renunciado ao direito à negociação suplementar. Isto é, excluiu uma estrutura sindical das negociações por esta exercer um direito legalmente previsto.

Ora, esta situação é totalmente inaceitável e é reveladora da forma como o Governo encara a negociação.

Ou seja, a negociação para o Governo não é verdadeiramente um processo construtivo de uma solução final mas, sim, uma etapa, um formalismo a cumprir, para despachar. E para despachar, até, com a redução do período de discussão pública, quando nada o justificava.

Por fim, Sr. Ministro, pergunto-lhe se é ou não verdade que o Governo pretende suspender o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, e assim impor que, até ao fim de 2006, todos os contratos de tarefa e avença cessem, levando ao desemprego milhares de trabalhadores da Administração Pública que trabalharam para o Estado anos a fio, com vínculos precários? É este o final que o Governo reserva para estes trabalhadores? É esta a matriz social do Governo?

Afinal, Sr. Ministro, quem é que tem e quem é que opta por medidas tipicamente do século passado?

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Queria começar por fazer um sublinhado ao facto de, nesta Assembleia, um Secretário de Estado do Governo ter posto em causa o direito à greve que a Constituição consagra nomeadamente quando esta define que compete aos trabalhadores dizer quais são o âmbito e os interesses que a greve visa obter.

Ao contrário do que julga, não compete ao Governo definir quando e quais os objectivos que a greve visa.

As questões do emprego, da crescente precariedade e do ataque aos direitos dos trabalhadores colocam- se, hoje mais que nunca, junto dos trabalhadores da Administração Pública. Hoje, mais que nunca, os trabalhadores da Administração Pública enfrentam um sério ataque aos seus direitos.

Depois de um conjunto de ataques, tais como a não contagem do tempo para as progressões nas carreiras e o injusto aumento da idade da reforma, os trabalhadores enfrentam novas ofensivas, seja o novo regime dos supranumerários seja com a anunciada revisão do sistema de vínculo, carreiras e remunerações.

Quanto à precariedade, não sendo uma realidade nova na Administração Pública, importa referir que hoje atingimos uma situação preocupante.

Na verdade, os sucessivos governos não têm hesitado em usar e abusar de diferentes formas de contratação precária, seja através do falso recibo verde ou do contrato administrativo de provimento, entre outras formas de trabalho precário.

Isto é, o Governo impõe aos seus trabalhadores aquilo que, legalmente, proíbe no sector privado, ou seja, a utilização de vínculos precários para funções e necessidades permanentes na Administração Pública, que obrigavam à estipulação de um vínculo permanente e estável.

Para termos uma noção aproximada da realidade do trabalho precário na Administração Pública importa referir alguns dados.

Numa resposta a um requerimento apresentado pelo PCP, o Governo informa que existiam, em 2004, mais de 13 000 trabalhadores com contratos de trabalho a termo e que havia, em 1999, mais de 60 000 trabalhadores com contratos administrativos de provimento.

Mais: o Governo informou que o carregamento da base de dados da Administração Pública encontravase, na altura, em processo de desenvolvimento, pelo que nem o próprio Governo tem dados exactos quanto ao número de trabalhadores precários que existem na Administração Pública.

Contudo, podemos afirmar que, por exemplo, na área da saúde existem mais de 25 000 trabalhadores precários; na segurança social, mais de 3000; no Ministério das Finanças, existem cerca de 500 trabalhadores pagos à hora— já foram referidos e foi feita uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado, que não respondeu — e no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mais de 300 trabalhadores podem ficar sem emprego até ao final do Verão.

Situação também preocupante é a de milhares de trabalhadores que, desempenhando funções permanentes — funções permanentes, Sr. Secretário de Estado! —, não têm qualquer vínculo com a Administração Pública. São os falsos recibos verdes. Sobre estes trabalhadores paira a ameaça de suspensão do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, o que implica o fim da relação laboral e o consequente desemprego.

É a situação particularmente injusta de trabalhadores que, tendo trabalhado para a Administração Pública durante anos, se vêem, de um momento para outro, sem emprego e sem qualquer tipo de indemnização ou protecção.

Tendo em conta que o emprego com direitos e a motivação dos trabalhadores são factores absolutamente essenciais para uma Administração Pública eficaz, moderna e que cumpra as funções sociais do Estado, o PCP apresentou um projecto de lei que visa conferir a qualidade de funcionário público a todos os trabalhadores que desempenhem funções permanentes nos serviços ou organismos do Estado, independentemente da situação contratual em que se encontrem. Para quem diz que o PCP não apresenta propostas, eis uma boa proposta para a bancada do PS aprovar!

A Administração Pública enfrenta um outro conjunto de ameaças.

Ao longo de muitos anos, a direita e os grandes grupos económicos têm vindo a construir uma imagem da Administração Pública que não corresponde à verdade.

Não é verdade que o peso da Administração Pública seja muito superior em Portugal ao de outros países.

Uma análise rigorosa dos dados do Comissão Europeia, de 2003, e do Eurostat, de 2004, permite afirmar que o peso da Administração Pública no PIB e a percentagem de empregados na Administração Pública encontra-se abaixo da média europeia, pelo que a construção desta imagem da Administração Pública excessiva, por parte dos governos e dos interesses económicos, só serve um único interesse, o de pôr em prática uma concepção neoliberal de redução do peso do Estado na sociedade, ou seja, entregar serviços públicos essenciais ao sector privado.

O PRACE foi o primeiro passo. O Governo extinguiu ou reestruturou serviços para, depois, «externalizar », isto é, entregar ao privado esses mesmos serviços.

O Governo encerra maternidades, escolas, serviços de atendimento permanente e centros de saúde, entre outros serviços públicos, para, depois, dizer que há funcionários públicos a mais.

O PRACE serve, assim, não os interesses da população em geral mas, sim, o grande capital, que vê aqui mais uma janela de oportunidades para engordar a custa do erário público.

Depois do PRACE, importava desferir o golpe final e esse é claramente dado com os diplomas que hoje se encontram em negociação colectiva.

Os chamados diplomas de «reorganização de serviços públicos e racionalização de efectivos» e o «regime da mobilidade» — leia-se «supranumerários» — são mecanismos de pressão junto dos trabalhadores e que visam a desvinculação destes. Ou seja, o Governo do PS cede à direita e vai promover de uma forma indirecta o despedimento de milhares de trabalhadores na Administração Pública

A estes diplomas o Governo pode chamar o que quiser, pode fazer a operação de propaganda que entender, mas a verdade é que eles visam atingir a concepção neoliberal de Estado. Isto é, o Governo quer reduzir drasticamente os serviços públicos para os entregar aos privados e pretende reduzir significativamente o número de trabalhadores da Administração Pública, com claros prejuízos para todos os portugueses.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Tanto o PS como o PSD, com ou sem o CDS-PP, nesta matéria, estão em clara sintonia. Para estes partidos, quanto menos Estado melhor Estado.

Apenas divergem quanto ao contributo que cada um deles deu para esse objectivo e, na verdade, o PS levou mais longe a concretização da política de direita que tem vindo a governar o nosso país.

Efectivamente, nunca nenhum governo foi tão longe. Nunca foram tão longe no ataque as funções sociais do Estado. Nunca foram tão longe na cedência aos grandes grupos económicos. Nunca foram tão longe no ataque aos trabalhadores da Administração Pública.

Este Governo foi efectivamente mais longe e só resta um caminho aos trabalhadores, que é a luta e a contestação social a este Governo.

Em resumo, os trabalhadores têm de mostrar que quem devia estar na lista de supranumerários era o Governo. O que tem que mudar de uma vez por todas são as opções políticas que vigoram no nosso país.

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