Intervenção de

Questões do emprego e o ataque aos direitos dos trabalhadores - Intervenção de Francisco Lopes na AR

Senhor Presidente

Senhores membros do Governo

Senhores Deputados

Com esta interpelação confrontamos o Governo com os problemas do
emprego, da precariedade, do trabalho ilegal, da violação dos direitos
dos trabalhadores.São situações preocupantes que atingem os interesses,
as aspirações, as condições de trabalho e de vida, a dignidade de
milhões de trabalhadores e que ao mesmo tempo afectam o desenvolvimento
e comprometem o futuro do país. Portugal está confrontado com sérias
interrogações quanto ao seu futuro. Aparelho produtivo debilitado,
baixo perfil produtivo, elevados índices de dependência em áreas
estratégicas, gritantes injustiças e desigualdades sociais, uma grave
situação de desemprego, uma crescente precariedade, trabalho ilegal,
baixos salários e remunerações, níveis reduzidos de qualificação,
condições de trabalho degradadas, uma sistemática violação dos direitos
colectivos e individuais dos trabalhadores são traços marcantes da
realidade actual.
A realidade da precariedade em Portugal nas suas várias expressões
constitui um dos factores mais negativos no plano dos direitos, das
condições de vida e do condicionamento do progresso do país.

Mais de 750 mil trabalhadores tinham no último trimestre de 2005
contratos não permanentes, representando 19,7% do total dos contratos,
uma das taxas mais elevadas da União Europeia apenas superada pela
Polónia e pela Espanha. Não se trata na esmagadora maioria dos casos de
necessidades pontuais ou actividades sazonais que justifiquem celebrar
um contracto a termo certo, mas de postos de trabalho permanentes
ocupados sucessivamente mês após mês, ano após ano por trabalhadores no
ciclo contracto a termo, desemprego, contracto a termo, um processo de
precariedade infernal para a vida dos trabalhadores que atinge
particularmente os jovens. No primeiro trimestre de 2006 mais de 46%
dos jovens com menos de 25 anos tinha contratos precários.

Acrescentam-se a proliferação das empresas de trabalho temporário,
alugadoras de mão-de-obra, cuja actividade se alarga sem controlo e sem
lei e as centenas de milhares de trabalhadores por conta de outrem,
obrigados a recorrer aos falsos recibos verdes para poderem trabalhar.

Junta-se o aumento do trabalho a tempo parcial que abrange quase 570
mil trabalhadores. O trabalho a tempo parcial em Portugal não é uma
opção voluntária de compatibilização da vida pessoal e familiar com a
vida profissional, mas uma realidade que é imposta como única
alternativa de trabalho e que afectando assim o nível das remunerações,
empurra quem o pratica para outros trabalhos a tempo parcial e para o
trabalho não declarado como forma de obtenção dum mínimo de meios de
subsistência, com consequências no plano da sobrecarga horária, da
dificuldade de qualificação, da produtividade do trabalho e das
condições de segurança em que realizam as actividades profissionais. Um
caso significativo é o dos motoristas profissionais de transportes de
mercadorias ou de passageiros. O Código do Trabalho admite o trabalho a
tempo parcial o que pode permitir que haja trabalhadores que após uma
noite de trabalho numa actividade qualquer peguem num autocarro para
fazer várias horas de condução, sem possibilidades de fiscalização e
criando reais problemas de segurança.

A realidade da precariedade está associada ao grave problema do
trabalho não declarado e ilegal. O trabalho não declarado e ilegal,
incluindo o trabalho infantil e o tráfico de mão de obra é uma
realidade difícil de avaliar na sua verdadeira dimensão, tal como a
economia subterrânea em que está inserido e que vários estudos situam
entre 20 a 25% do PIB. Trata-se de um forte incentivo à precariedade, à
baixa produtividade e à falta de formação, bem como uma forma de
debilitar o financiamento da Segurança Social e de limitar as receitas
do Estado.

E o Governo, que devia cumprir a lei, dá, nesta como em outras
matérias, o pior exemplo com a manutenção e promoção dos recibos verdes
e de muitas outras situações precárias na Administração Pública
ocupando postos de trabalho permanentes, situação que se agrava agora
com a grande operação em curso de privatização, despedimentos e ataque
ao vinculo publico.

O trabalho precário significa saltar de actividade em actividade sem
estímulo à formação e à qualificação, sem possibilidade de verdadeiras
especializações. O trabalho precário não atinge apenas os trabalhadores
com pouca formação, afecta profundamente os licenciados e outros
trabalhadores qualificados. O trabalho precário, significa a permanente
alternância entre períodos de emprego e períodos de desemprego,
reduzindo a protecção no desemprego e criando sérios prejuízos nas
carreiras contributivas que vão afectar as pensões de reforma dos
trabalhadores.

A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos, é a
precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a
precariedade da formação, das qualificações e da experiência
profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade
do trabalho. A precariedade é assim um factor de instabilidade e
injustiça social e um factor de comprometimento do desenvolvimento do
país.

Senhores membros do Governo
Senhores Deputados

O direito à negociação e à contratação colectiva está a ser posto em
causa pela acção das associações patronais. Mas no tempo em que vivemos
é verdadeiramente chocante que o Governo esteja ele próprio a assumir
os piores tiques patronais. O Governo faz tábua rasa do direito de
negociação na Administração Pública, e pretende destruir os acordos de
grandes empresa como a Carris e o Metro, e como já tentou nos CTT e foi
derrotado pela luta dos trabalhadores.

A realidade do nosso país é marcada por graves violações dos direitos dos trabalhadores.
Este é o país em que numa empresa, a Lusosider, com três dirigentes
sindicais a administração na base da ameaça e da chantagem obrigou um a
rescindir o contracto, conduziu outro à baixa por desestabilização
emocional e o terceiro foi já alvo de dois processos de suspensão,
visando assim eliminar a organização e a liberdade de acção sindical na
empresa.

Este é o país em que a GNR, transformada em milícia patronal, a pedido
da administração da mesma Lusosider, é chamada, interrompe uma reunião
sindical e identifica dois dirigentes que ajuda a colocar fora das
instalações, em clara violação da Constituição e da Lei, como o
tribunal posteriormente reconheceu. Dezenas de outras situações se
verificam, na REPSOL, nos hotéis Tivoli e Marriot, mas nada acontece, a
impunidade é a regra, a insensibilidade do Governo é total, a legitimar
as próximas iniciativas repressivas.

Este é o país em que dirigentes, delegados sindicais, membros de
comissões de trabalhadores, trabalhadores em geral, são alvo de
processos de despedimento e de processos de suspensão que lhes retiram
o salário durante meses, enquanto as contestações se arrastam nos
tribunais.

Perante estas grosseiras violações de direitos, o Governo lava as mãos
e não garante a eficácia da Inspecção Geral do Trabalho. Segundo um
levantamento feito pela União dos Sindicatos de Lisboa desde 1999
ficaram sem resposta 554 solicitações de intervenção. Entre os casos
não respondidos estão 46 situações de não pagamento de salários, 8
encerramentos de empresas, 86 violações de horários de trabalho e 25
casos de violação do direito de greve.

E quanto à justiça, o Governo remete tudo para os tribunais, mas não
lhes dá os meios necessários para uma justiça célere, mantêm custas
judiciais e da acção executiva a valores proibitivas e apoios
judiciários irrisórios que impedem em muitos casos o acesso à justiça.

A realidade das empresas e locais de trabalho é difícil para muitos
trabalhadores. Ainda recentemente recebemos uma carta de uma
trabalhadora a informar da situação da empresa onde trabalha.

Dizia: “Trabalhamos sábados, domingos e feriados. Trabalhámos no dia 10
de Junho. As horas são pagas sempre a 2,25 euros de noite, dia ou
feriado. As minhas colegas de uma secção próxima da minha, foram
trabalhar um Domingo das 21horas às 3 horas de Segunda e às 8horas da
manhã já lá estavam novamente.
Prometeram-lhes que lhes davam uma tarde livre e pagavam, agora negam. Nós mães temos dias que nem os filhos vimos.
Será isto normal.
E termina dizendo
“Não me identifico com medo.”

É uma carta entre muitos milhares de outras.
Este é o quadro, de precariedade, de arbitrariedade, de violação de
direitos elementares, que impõe reforço das garantias legais,
mecanismos efectivos de aplicação dos princípios constitucionais,
esquemas de apoio às vítimas destas violações.
Pois bem, o que é que o Governo faz, exactamente o contrário. Vai
fugindo ao compromisso de alterar os aspectos mais negativos do Código
do Trabalho, designadamente quanto à contratação colectiva.
Mas, como se isso já não fosse suficientemente grave, contra todas as
evidências, procura passar a imagem que em Portugal a legislação de
trabalho é aquela que mais protege os trabalhadores contra o
despedimento individual. Esta tese falsa não é mais do que a preparação
do Governo PS para introduzir alterações ao Código do Trabalho no
sentido de facilitar os despedimentos individuais sem justa causa o que
é de todo inaceitável.

Essa é a concepção que em vez de olhar o futuro pretende restaurar os
critérios das relações laborais do Século XIX e adoptar modelos
ultrapassados de mais de um século.

Pela parte do PCP, aqui estamos a afirmar o caminho que Portugal
precisa, baseado no desenvolvimento, numa perspectiva da economia ao
serviço do ser humano, no valor intrínseco do trabalho com direitos.

Afirmamos a necessidade de uma política que aposte no desenvolvimento económico e no combate ao desemprego.
Afirmamos a necessidade da aplicação do principio que a um posto de
trabalho permanente deve corresponder um vinculo de trabalho
permanente, da alteração das malfeitorias do Código do Trabalho,
nomeadamente da revogação das normas que penalizam os jovens e os
desempregados de longa duração nos contratos a prazo.
Afirmamos a necessidade da eliminação das formas de trabalho não
declarado e ilegal, incluindo o trabalho infantil e o tráfico de
mão-de-obra. Afirmamos a necessidade do estabelecimento de vínculos
efectivos para os trabalhadores que falsamente estão a recibos verdes,
do combate ao incentivo do trabalho a tempo parcial sem alternativa, do
combate à praga do trabalho temporário.
Afirmamos a necessidade do respeito pelos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
Afirmamos a necessidade do agravamento das coimas e de outras
penalizações pela violação dos direitos dos trabalhadores, do reforço
dos meios e da eficácia da Inspecção Geral do Trabalho, da acção de
outras estruturas de inspecção e da adopção de medidas que permitam de
facto o acesso dos trabalhadores à justiça.

Com estes objectivos o Grupo Parlamentar do PCP apresentou e apresentará novas iniciativas legislativas.

Senhores membros do Governo
Senhores Deputados

O combate à precariedade, ao trabalho não declarado e ilegal deve
constituir uma política do Estado, como constitui o combate ao trabalho
infantil, que não tendo sido eliminado foi claramente reduzido.

Uma política de Estado que abranja as mais diversas áreas e estruturas,
mas que aconselha e justifica a criação de uma Comissão Nacional contra
a precariedade e o trabalho não declarado e ilegal, que acompanhe a
realidade, centralize informação e dinamize a criação de uma forte
sensibilização social para enfrentar a praga da precariedade e do
trabalho não declarado e ilegal.

Uma flagelo que mina os direitos democráticos, as condições e a
dignidade no trabalho, a vida pessoal e familiar e compromete a
qualificação, a valorização da experiência, a elevação do perfil
produtivo do país, as receitas públicas, o futuro da segurança social.
Uma praga que tem como principais promotores aqueles que tudo
sacrificam ao lucro e aqueles que erradamente confundem precariedade
com eficiência económica e produtividade e que por isso a defendem ou
toleram.

O caminho da política das últimas décadas falhou. É preciso uma ruptura
com essa política, um novo rumo para o país que dê resposta aos
problemas, afirme a esperança e concretize um futuro de democracia,
desenvolvimento, justiça social e qualidade de vida. É isso que
defendemos e propomos.

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Expusemos aqui uma situação particularmente grave, que tem a ver com
as características do mercado de trabalho, com as características do
emprego em Portugal e com o grau extremamente elevado de precariedade
dos vários níveis de trabalho não declarado e ilegal. Este é um grande
problema social e económico para o futuro do País.

O Sr. Ministro, na intervenção que fez, fugiu, no essencial, a este tema.
 
Relativamente
à acção do Governo, neste ano e meio, não há registo de qualquer
conjunto de medidas significativas que permitam enfrentar este flagelo.

Mas, para além do que não está feito — e devia estar, para quem
invocou uma preocupação social à cabeça da sua política —, as medidas
hoje aqui anunciadas são apenas referências genéricas e não um programa
real que ataque este problema com que se depara o nosso país.

Mais do que isso, algumas das referências que fez levantam-nos a
dúvida se, em nome da adaptação e das alterações das leis do trabalho,
o que está previsto não é ainda mais fragilização e mais precariedade.

 Assim não se responde às novas realidades. Este caminho vai buscar
as piores receitas do passado — não apenas do século passado, mas de
séculos anteriores — para aplicar às condições de hoje, ali ou acolá,
com mais ou aquele elemento de conteúdo tecnológico. Mas esse conteúdo
tecnológico é para escamotear a profunda injustiça das relações sociais
e das relações laborais.

Já agora, gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse o que é que o
Governo se propõe fazer em relação a uma questão central. Tem-se
falado, e ainda hoje foram apresentadas algumas, de iniciativas que
facilitam a comunicação por via electrónica. Evidentemente, a
comunicação por via electrónica também dá para alguns trabalhadores com
trabalho temporário receberem numa sexta-feira, por SMS, indicação que
deixam de ter trabalho na segunda-feira seguinte. Portanto, dá para
tudo!

No maior estaleiro do nosso país, os Estaleiros da Lisnave na
Mitrena, fomos até confrontados com uma realidade de milhares de
trabalhadores dependerem de empresas um pouco atípicas, empresas de vão
de escada transformadas em empresas de mala de automóvel, porque é aí
que os trabalhadores têm a sua relação contratual com os patrões que
lhes pagam no fim da jornada de trabalho as verbas correspondentes a
esse dia.

Ora, essa situação coloca uma questão. Muitas vezes se invoca que o
Governo não tem instrumentos e que as empresas tem a sua margem de
decisão. Mas há um acordo entre a Lisnave e o Estado português, de
1997, que aponta para a ideia de um compromisso de empregar 1339
trabalhadores no estaleiro. A actividade de reparação naval tem
crescido extraordinariamente. A Lisnave tem lucros. Sabe quantos
trabalhadores tem a Lisnave neste momento? Pouco mais de 400. A
GESTENAVE tem também pouco mais de 400.

Portanto, há aqui uma grande margem para que o Governo intervenha de
forma a que se cumpra este contrato com o Estado português, para assim
responder aos trabalhadores da GESTENAVE e, ao mesmo tempo, intervir de
forma a eliminar uma precariedade inadmissível que, nalguns casos, leva
a que entre 3000 a 3500 trabalhadores daquele estaleiro trabalhem sem
direitos e de forma atípica.

Esta é uma questão central e concreta que pode definir aqui a forma
como se tratam os problemas, para além das linhas gerais, umas
interessantes e outras sem qualquer interesse, que são extremamente
preocupantes, nomeadamente aquelas que perspectivam uma alteração da
legislação do trabalho.

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções