Embora por razões ligeiramente diferentes, durante este ano estiveram
particularmente na berlinda duas políticas comuns da União Europeia
- a Política Comum de Pescas (PCP) e a Política Agrícola
Comum (PAC). É certo que há inúmeras queixas de ambas,
e que a sua aplicação em Portugal tem sido particularmente negativa,
seja por razões directamente ligadas às políticas comunitárias,
seja pela sua incorrecta aplicação por parte dos sucessivos governos
portugueses, pouco sensíveis à necessidade de defesa da nossa
capacidade produtiva.
Mas há aspectos particulares que importa ter em conta, tanto mais que
no caso das pescas está em debate público um Livro Verde que visa
preparar a revisão da política comum durante o próximo
ano. Relativamente à agricultura, os sucessivos escândalos das
vacas loucas, das dioxinas e da febre aftosa lançaram o pânico
nos consumidores e afectaram seriamente as premissas da actual PAC, tornando
clara a necessidade de rever objectivos, métodos e processos produtivos
intensivos e artificiais, o que colocou na ordem do dia a necessidade de rever
a política agrícola comum, embora nem todos defendam o mesmo tipo
de reforma.
Vejamos, pois, mais em pormenor, alguns dos aspectos de cada uma destas políticas.
Pescas
Comecemos pelas pescas. Durante o primeiro semestre deste ano participei em
diversas visitas e reuniões com sindicatos dos pescadores, armadores
organizações de produtores, industriais das conservas e outras
entidades ligadas ao sector das pescas. Acompanhei também a visita que
a Comissão das Pescas do Parlamento Europeu realizou ao norte de Portugal.
Por todo o lado ficou claro que existe um mau estar no sector das pescas e da
indústria das conservas de peixe, profundamente afectados pela política
comunitária nestas áreas, a que se junta uma muito deficiente
aplicação dos regulamentos e normas comunitárias numa obsessão
de bom aluno do governo português.
De facto, o que se tem passado em Portugal nesta área é verdadeiramente
dramático. Desde a adesão, em 1986, a quantidade de peixe capturado
diminuiu em mais de 40 %, o que também se reflectiu na diminuição
do número de pescadores e contribuiu para uma quebra superior a 60% da
capacidade de produção da indústria conserveira. Entre
as causas desta situação estão as políticas de abate
de barcos, em que Portugal ultrapassou em mais de 40% os objectivos fixados
pela União Europeia; a não garantia de acesso aos pesqueiros tradicionais
em águas distantes, como são os casos da Gronelândia, Terra
Nova, Marrocos e outros países africanos; a concorrência desleal
de produtos de pesca marroquinos, não sujeitos às restrições
e normas comunitárias, com conservas de pior qualidade e a preços
mais baixos.
Entretanto, como o consumo de peixe não pára de aumentar (Portugal
é o maior consumidor de peixe per capita da Europa e o terceiro mundial),
importamos cerca de dois terços do pescado que consumimos, num valor
que já ultrapassa os 200 milhões de contos anuais, com consequências
desastrosas para a balança comercial e para os objectivos de controle
da inflação.
Ora, num momento em que, como é conhecido, está em debate a revisão
da Política Comum de Pescas com base num documento chamado "Livro
Verde", que a Comissão Europeia elaborou, e para o qual solicitou
contributos até Setembro, as várias organizações
estão a apresentar estudos e propostas que pretendem ver contempladas
na próximas políticas que vierem a ser definidas para o sector.
Nas suas posições há linhas comuns que são essenciais
para defender uma política comum de pescas que tenha em conta as especificidades
regionais, e de que destaco:
- necessidade de considerar o sector das pescas como um sector estratégico
para o futuro da União Europeia, seja pela sua importância em
termos de produção e emprego, seja em termos de alimento básico
para uma alimentação saudável, o que deverá ter
expressão em todas as políticas comunitárias, incluindo
nos acordos com países terceiros; - manutenção dos apoios à reestruturação
e modernização da frota pesqueira de forma a garantir melhores
condições de trabalho e de segurança a bordo e maior
produtividade, não sendo aceitáveis mais reduções
num país que já ultrapassou em muito as imposições
de diminuição de frota e de capturas impostos pela comunidade; - desenvolver a formação profissional e apoiar os pescadores
e armadores que, por razões que lhes são totalmente alheias,
não possam exercer a actividade de pesca (paragens biológicas,
temporais, etc); - regularizar e valorizar os preços na primeira venda do pescado e
proibir as rejeições, dado que o peixe é um recurso escasso
na comunidade e a União Europeia já importa mais de metade do
que consome, o que, naturalmente, deve ser acompanhado de aperfeiçoamento
das medidas técnicas de gestão dos recursos; - manutenção da reserva de mar territorial até, pelo
menos, às 12 milhas de costa, sendo defendido por várias organizações
o seu alargamento até às 24 milhas, como, aliás, já
por várias vezes conseguimos fazer aprovar no Parlamento Europeu, mas
que Comissão e Conselho não aceitaram.
Agricultura
Basta ouvir os agricultores que, de norte a sul do país, ainda vivem
fundamentalmente do duro trabalho quotidiano nas suas explorações
familiares para perceber como sentem defraudadas algumas expectativas que alimentaram
relativamente à evolução da política agrícola
comum e à política do Ministério da Agricultura.
Os agricultores sentem fundamentalmente as injustiças de uma PAC que
tem provocado uma constante redução dos preços dos produtos
desde a adesão de Portugal, tendo-se acentuado para a generalidade, na
década de 90, após a reforma da PAC de 1992.
Por exemplo, desde então, os preços dos cereais tiveram uma quebra
superior a 30%, a laranja a 26%, o azeite de mais de 18%, a carne de bovino
de 17,5% e a de suíno de 20%, enquanto o leite manteve o preço
estagnado.
Mas os preços dos factores de produção, em geral, não
pararam de aumentar durante o mesmo período. Por exemplo, as sementes
e plantas tiveram um crescimento superior a 30%, os serviços veterinários
aumentaram mais de 43%, as máquinas e outros equipamentos registaram
também um aumento superior a 69%. Daí que não seja difícil
perceber a razão do descontentamento dos agricultores, sobretudo quando
se sabe que a maioria não recebe compensações suficientes
pela quebra dos preços e são conhecidas as dificuldades de escoamento
da produção, apesar do consumidor final não sentir a repercussão
da baixa dos preços agrícolas no produtor.
Mas se a PAC é injusta e beneficia fundamentalmente os grandes senhores
da terra, os produtores da agricultura intensiva do norte da Europa e as multinacionais
da agro-indústria e despreza a maioria das produções mediterrâneas,
a produção natural e a agricultura familiar, a verdade é
que, como foi demonstrado no recente Encontro Nacional do PCP sobre a PAC, a
sua aplicação pelo Ministério da Agricultura agrava a situação
com a elaboração de legislação complexa e contraditória,
de regulamentos publicados tardiamente e, frequentemente, sujeitos a várias
emendas, a burocracia excessiva, a escassez de informação, a falta
de apoio técnico e a exigência de comparticipação
no pagamento de serviços que noutros países da União Europeia
são suportados pelo estado, designadamente na sanidade animal.
O pior é que o Ministro não desiste de insistir numa política
agrícola comum que, a médio prazo, levaria à destruição
do fundamental da agricultura portuguesa. Quando, na União Europeia,
todos falam da necessidade de reformar a PAC, embora nem todos pensem no mesmo
tipo de reforma, Portugal deveria aproveitar para apresentar uma proposta que
pudesse ser apoiada pela quase totalidade dos agricultores, virada para uma
alteração profunda dos aspectos mais negativos da actual PAC,
que tivesse em conta as especificidades da agricultura mediterrânea em
que Portugal se insere, desse particular atenção à agricultura
familiar, à necessidade de garantir a soberania e a segurança
alimentar, defendesse a coesão económica e social, o rendimento
dos agricultores e o emprego e salário dos trabalhadores agrícolas.
Em vez disso, o Ministro Capoulas dos Santos, embora envolvendo a sua proposta
em papel celofane rosa-esverdeado, apresentou uma proposta que, de facto, desenvolve
e aprofunda a lógica fundamental de anteriores reformas, inserindo-se
na tendência dominante da liberalização total dos mercados
agrícolas, embora com fases de transição de maior ou menor
duração. Daí as suas propostas de compensar perdas de rendimento
dos agricultores ou, mesmo, a sua exclusão da actividade produtiva, que
inevitavelmente surgem com a cada vez maior liberalização dos
mercados mundiais que se está a preparar no âmbito das negociações
da OMC, com apoios ao rendimento, por via de políticas agro-ambientais
e agro-rurais, mas à margem da produção.
Ao tentar fazer crer que o mal de todos os problemas está na atribuição
de apoios à produção, o Ministro sabe que está a
iludir a verdadeira questão. Ele sabe que o problema não resulta
da atribuição de apoios à produção para compensar
quebras de preços e de rendimentos, mas, sim, da forma de atribuição
que não obedece a quaisquer princípios de coesão económica
e social, não tem em conta as heterogeneidades económicas, sociais
e agrológicas das agriculturas europeias, não é limitada
pela fixação de limites máximos por exploração,
nem condicionada por critérios de modulação nacionais,
regionais e sociais.
Como se afirma no Parecer que elaborei para a Comissão de Agricultura
e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu sobre o programa comunitário
de acção em matéria de ambiente 2001-2006, e que esta aprovou
por unanimidade, é fundamental encorajar e apoiar o maior desenvolvimento
dos elementos positivos da relação entre a agricultura e o ambiente
nas futuras revisões da política agrícola comum, com o
objectivo de proteger a produção agrícola que tenha em
conta a segurança alimentar, o princípio da precaução
e da soberania alimentar, promovendo a modificação dos processos
de produção para práticas mais respeitadoras do ambiente
e da segurança alimentar, promovendo as especificidades regionais, garantindo
o rendimento dos agricultores de forma a manter a actividade agrícola
em todo o território, e a sua função produtiva, tendo em
conta os diferentes graus de desenvolvimento da agricultura nos Estados-membros
da União Europeia e privilegiando os mercados locais e regionais de forma
a garantir uma maior proximidade entre agricultor e consumidor.
Ilda Figueiredo