Que futuro para as pescas?

O que se tem passado no sector das pescas é verdadeiramente preocupante
como o provam não só a realidade da vida das empresas e dos pescadores,
que tenho contactado regularmente, mas também as estatísticas
e dados oficiais. Desde a adesão de Portugal à União Europeia,
em 1986, a quantidade de peixe capturado diminuiu em mais de 40 %, o que também
se reflectiu na diminuição do número de pescadores e contribuiu
para uma quebra superior a 60% da capacidade de produção da indústria
conserveira. Actualmente, várias das empresas de conservas que ainda
resistem praticamente utilizam para a sua produção de conservas,
pelo menos durante parte do ano, apenas peixe importado de diferentes países
como Marrocos, Perú e Equador.

Entre as causas desta situação estão a política
da União Europeia, a aplicação muito deficiente dos regulamentos
e normas comunitárias, numa obsessão de bom aluno dos sucessivos
governos portugueses, sem uma estratégia clara para o sector, o que teve
uma concretização prática nas políticas de abate
de barcos, em que Portugal ultrapassou em mais de 40% os objectivos fixados
pela União Europeia. A isto juntou-se a não garantia de acesso,
nas condições que tínhamos antes da adesão, aos
pesqueiros tradicionais em águas distantes, como são os casos
da Gronelândia, Terra Nova, Marrocos e outros países africanos;
o desaparecimento da nossa costa de algumas espécies de peixe, como o
atum, e a concorrência desleal no mercado tradicional europeu de produtos
de pesca de países terceiros, designadamente marroquinos, não
sujeitos às restrições e normas comunitárias, com
conservas de pior qualidade e a preços mais baixos.

Entretanto, como o consumo de peixe não pára de aumentar (Portugal
é o maior consumidor de peixe per capita da Europa e o terceiro mundial),
importamos cerca de dois terços do pescado que consumimos e usamos na
indústria, num valor que já ultrapassa os 200 milhões de
contos anuais, com consequências desastrosas para a balança comercial
e para os objectivos de controle da inflação.

Ora, num momento em que, como é conhecido, está a decorrer a
revisão da Política Comum de Pescas, com a Comissão Europeia
a persistir na política de abate de barcos e redução de
capturas, desprezando as conclusões do debate preparatório que
decorreu durante o último ano, tendo por base o chamado "Livro Verde",
para o qual solicitou contributo, importa tornar mais transparente todo o processo
de negociações. A verdade é que várias organizações
do sector apresentaram estudos e propostas que pretendem ver contempladas na
próxima política comunitária. Nas suas posições
há linhas comuns que são essenciais para defender uma política
comum de pescas que tenha em conta as especificidades nacionais e regionais,
e de que destaco:

  • necessidade de considerar o sector das pescas como um sector estratégico
    para o futuro da União Europeia, seja pela sua importância em
    termos de produção e emprego, seja em termos de alimento básico
    para uma alimentação saudável, o que deverá ter
    expressão em todas as políticas comunitárias, incluindo
    nos acordos com países terceiros;
  • manutenção dos apoios à reestruturação
    e modernização da frota pesqueira de forma a garantir melhores
    condições de trabalho e de segurança a bordo e maior
    produtividade, não sendo aceitáveis mais reduções
    num país que já ultrapassou em muito as imposições
    de diminuição de frota e de capturas impostos pela comunidade;
  • desenvolver a formação profissional, apoiar os pescadores
    e armadores que, por razões que lhes são totalmente alheias,
    não possam exercer a actividade de pesca (paragens biológicas,
    temporais, etc) e valorização da mão-de-obra melhorando
    a remuneração dos pescadores;
  • regularizar e valorizar os preços na primeira venda do pescado e
    proibir as rejeições, dado que o peixe é um recurso escasso
    na comunidade e a União Europeia já importa mais de metade do
    que consome, o que, naturalmente, deve ser acompanhado de aperfeiçoamento
    das medidas técnicas de gestão dos recursos;
  • manutenção da soberania nacional sobre o mar territorial
    de 12 milhas e defesa do acesso exclusivo à área adjacente de
    mais 12 milhas e de até 50 milhas nas regiões ultra-periféricas
    ( Açores e Madeira), defendendo a pesca costeira nacional, com especial
    relevo para a pesca artesanal, sector estratégico para a pesca nacional,
    através de um programa integrado para o desenvolvimento dessas pescarias
    em Portugal, utilizando um programa comunitário de apoio à pesca
    costeira e artesanal cuja inscrição de verbas estou a defender
    na elaboração do orçamento comunitário para 2003
    como relatora da Comissão das Pescas do Parlamento Europeu;
  • definição de uma política de gestão de recursos
    pesqueiros que respeite o acesso colectivo aos mesmos, que se baseie prioritariamente
    nos seus aspectos biológicos e que se deverá consubstanciar
    num sistema de co-gestão de pescas que atenda às condições
    específicas dos recursos pesqueiros e das respectivas zonas marítimas,
    com a participação efectiva dos profissionais do sector;
  • atitude firme na defesa dos direitos adquiridos de pesca bem como a obtenção
    de novos direitos em benefício da nossa frota nos acordos da União
    Europeia com países terceiros e a defesa e concretização
    da possibilidade de acordos bilaterais com esses países;
  • defesa do mercado tradicional interno tendo em conta os hábitos alimentares
    da população e a promoção dos produtos pesqueiros
    no mercado internacional, valorizando a excelência da sua qualidade;
  • aplicação aos produtos de pesca importados das normas de
    qualidade da União europeia e a indicação da denominação
    de origem;
  • fiscalização adequada da actividade pesqueira, normalizando
    os regimes de inspecção e as sanções, tendo em
    conta os níveis económicos dos diferentes segmentos da frota
    e envolvendo os pescadores nas acções de vigilância;
  • apoio à indústria conserveira com medidas de indemnizações
    compensatórias ou ajudas que minimizem o impacto do aumento das importações
    e promovam o consumo, garantindo a elevada qualidade das conservas portuguesas,
    concretizando a rotulagem de origem e a certificação de produto
    de qualidade;
  • apoio à produção aquícola orientando-a para
    a cultura de espécies estuarias e de águas de interior bem como
    criação de apoios à salicultura, desenvolvendo esta importante
    actividade tradicional;
  • reforço de meios financeiros e técnicos à investigação
    pesqueira de modo a que esta possa desenvolver actividades orientadas para
    a pesca e para os recursos pesqueiros, intensificando e melhorando a obtenção
    de dados e a avaliação do estado dos recursos;
  • determinação dos TAC com base em métodos racionais
    e transparentes, integrando pareceres científicos e as informações
    provenientes dos profissionais do sector e garantindo a necessária
    flexibilidade anual de revisão, rejeitando qualquer proposta de instauração
    de um sistema de quotas individuais e transferíveis ao nível
    da União, o que se traduziria na privatização dos recursos
    haliêuticos e na concentração/verticalização
    das capturas, com consequências negativas ao nível sócio-económico
    e ambiental.

Registe-se que, entretanto, o Parlamento Europeu aprovou dois importantes relatórios
sobre o futuro da Política Comum de Pescas e sobre a indústria
de transformação dos produtos de pesca, para os quais contribui
com diversas das propostas acima referidas, tendo a maioria sido aprovadas e
integradas nos referidos documentos.

Assim, neste momento, reafirmamos a necessidade de garantir que a Comissão
Europeia e o Conselho contemplem aquelas posições, sendo certo
que as defenderemos como já tornei claro no documento de trabalho recente,
que entreguei como relatora da Comissão de Pescas do PE, sobre as propostas
de orçamento para o sector, relativamente a 2003. Aí se afirma
que é essencial garantir verbas visando, designadamente:

  • o reforço da participação dos profissionais das pescas
    no processo de decisão e do diálogo com o sector, apoiando uma
    efectiva descentralização e co-gestão;
  • maiores disponibilidades ao nível da informação, criando
    condições para que as associações de pescadores
    possam apresentar projectos;
  • a manutenção da intensidade do nível de ajudas públicas
    da UE para o sector e uma rejeição clara de qualquer tentativa
    de redução, o que implica um financiamento adequado, em 2003,
    ao nível do IFOP, visando o reforço dos recursos financeiros
    para medidas estruturais e para a modernização da frota e a
    melhoria das compensações a pescadores e armadores nos casos
    de necessidade de adequação do esforço de pesca;
  • a criação de uma acção comunitária em
    apoio da pequena pesca costeira e da pesca artesanal, o que implica a revitalização
    da actual linha B2-909 ou a criação de uma acção
    preparatória neste domínio;
  • o reforço do apoio às regiões ultra-periféricas;
  • o desenvolvimento das relações internacionais, através
    do financiamento dos acordos de pesca;
  • a melhoria do investimento para a investigação e desenvolvimento
    científico e para a obtenção de dados estatísticos
    sobre capturas e desembarque com vista a uma melhor gestão de recursos
    do sector, estudo de outros aproveitamentos comerciais e de causas diversas
    da delapidação dos recursos haliêuticos;
  • o reforço das condições de trabalho a bordo e das
    medidas sociais no sector, o que implica uma actualização do
    IFOP;
  • o reforço das verbas para as Organizações Regionais
    de Pesca;
  • o apoio à aquicultura e à indústria transformadora,
    particularmente à conserveira, designadamente à promoção
    de métodos inovadores e ao desenvolvimento de novos sistemas de produção,
    de novos produtos e de novas modalidades de preparação e apresentação;
  • o apoio à melhoria do controlo dos produtos comercializados e aos
    respectivos laboratórios de referência;
  • o apoio à melhoria e normalização dos regimes de controlo
    e vigilância.

Como se sabe, o Orçamento da UE é a maior fonte de fundos públicos
para o sector. Importa que este fluxo de recursos não só se mantenha
e reforce, como seja devidamente executado.

Ilda Figueiredo