Proposta de Lei nº 111/VII, que estabelece o quadro de transparência de atribuições
e competências das autarquias locais e Proposta de Lei nº 115/VII, sobre o
regime financeiro das autarquias locais
Intervenção de Luis Sá
Senhor Presidente, Senhores Deputados:
Este é um debate num tempo e com um objecto errado.
É errado no tempo porque o Governo não apresentou a sua proposta de lei de finanças locais na altura própria. Obriga, com intervalo de pouco tempo, a repetir aqui um debate há pouco realizado e na sequência do qual foram aprovados três projectos de lei (do PCP, PP e PSD).
É errado no objecto porque o Governo, com a proposta de lei de finanças locais, procura legitimar os cortes de verbas e o incumprimento de finanças locais em anos sucessivos. Mas tenta disfarçar esse facto, misturando as finanças locais com os novos encargos, para fazer acreditar que qualquer aumento de receitas das autarquias teria que estar ligada a uma imposição de encargos. Ora, o nível de financiamento deve ser debatido e acertado para o actual nível de encargos. Novas atribuições deverão ter um financiamento próprio.
A actual proposta de Lei-quadro de atribuições e competências dos Municípios traduz uma clara linha de desresponsabilização do Estado em áreas de intervenção e investimento público essenciais para garantir os direitos sociais e a qualidade de vida das populações.
Está-se perante um processo que inevitavelmente se tornaria numa transferência de encargos realizada na base da insuficiência de meios que hoje estão destinados aos municípios e que contribuiria para aumentar essa insuficiência.
A preocupação central reiteradamente sublinhada nas declarações governamentais de que a estas transferências não poderá corresponder aumento da despesa pública, significa que as autarquias não disporão de meios capazes de elevar os baixos níveis de atendimento e satisfação das necessidades públicas. Não poderão concretizar os investimentos reclamados pela população, herdando assim o descontentamento político que seria transferido, por esta via, do Governo para o Poder Local.
Tomemos alguns exemplos.
O Governo não investiu no combate aos fogos florestais como o PS e o seu Primeiro Ministro tantas vezes prometeram.
Não investiu na habitação social o que as suas declarações permitiriam fazer supor. Não colocou na rua nem uma parte dos polícias que afirmou fazerem falta (só na área metropolitana de Lisboa e Península de Setúbal calcula-se que faltam três mil).
Falta também pessoal nas escolas do ensino básico.
Agora, as autarquias passariam a ser responsáveis, por tudo ou quase tudo isto. O descontentamento seria transferido da porta dos ministérios para a porta das câmaras, enquanto o Governo se gabaria de descentralizar e de aumentar os recursos do poder local.
Reagan ou a sra. Thatcher preconizavam o fim ou diminuição drástica das responsabilidades públicas. O PS e o Governo, na esteira do PSD, dizem que essas responsabilidades passam a ser das autarquias.
A prioridade é o euro e o corte das despesas públicas. Os lesados são o Poder Local e as populações.
A verdade é que no elenco de atribuições e competências a transferir predominam a indefinição, ou meras funções burocráticas e de "pagadoria", desligadas de uma participação efectiva na gestão e direcção dos processos. Além do mais, são áreas onde, devido ao acumular de carências decorrentes de um insuficiente investimento público nos últimos anos, a insatisfação popular é mais acentuada.
O Senhor Ministro de Educação, por exemplo, já se encarregou de dizer que as autarquias passarão a pagar aos professores do ensino básico, mas que não terão qualquer papel efectivo.
Noutros casos, predomina a perplexidade mais completa. Fica a impressão de que o que o Governo verdadeiramente quer é livrar-se de obrigações, dizendo que a culpa dos problemas que se acumularam é dos municípios...
A Lei-quadro adianta propostas em áreas que tornam legítimas as suspeitas sobre as verdadeiras intenções do "autor" quanto ao empenho no processo da Regionalização. É dificilmente explicável a apresentação de uma Lei-quadro sobre transferência de competências com a extensão que esta apresenta sem considerar o nível regional na delimitação que agora se propõe.
Decorre da Lei-quadro uma lógica orientada para o reforço da figura da contratualização na relação entre níveis da Administração Pública. Este princípio em abstracto é vantajoso, se for usado de acordo com critérios objectivos e de transparência e regras bem definidas, porque pode dotar a Administração de transparência. Com a prática conhecida, pode ser contrário à autonomia a uma efectiva descentralização e prestar-se a acções discriminatórias como tantas vezes tem acontecido. Basta lembrar o que aconteceu com os contratos-programa e com a gestão de outras verbas. Infelizmente, em Portugal, muitas vezes "contratualização" é o eufemismo que designa manipulação, discriminação, favores e desfavores pessoais e partidários.
É paradigmático que o governo tenha decidido aprovar uma Lei-quadro sobre esta matéria à margem da ANMP e dos municípios. Estava constituído um Grupo de Trabalho entre o Governo e a ANMP com o fim de se debruçar sobre a questão. Mas a maioria das atribuições e competências agora consideradas para transferência nunca havia sido objecto de qualquer alusão ou consideração. Outras estão consagradas em termos que já foram rejeitados. A proposta de Lei de FinançasLocais em discussão estabelece um montante de transferênciaspara as autarquias que mantém sem alteraçãosignificativa a verba à disposição dos municípios.Contrasta com as promessas do PS e com a sua actuaçãona oposição, em que tantas vezes denunciou o incumprimentoda actual Lei de Finanças Locais.
O que importa nesta matéria, entretanto, é que o Grupo de Trabalho para as finanças locais já constituído inicie rapidamente a ponderação das propostas existentes para, em estreita conjugação com a ANMP, chegar à elaboração de um texto consensual.
O que pretendemos é um novo regime financeiro assente num FEF mais redistributivo e numa participação reforçada na partilha dos impostos nacionais (IRS).
Propomos estabelecer uma base que afecte aos municípios um montante inicial (global) que visa repor a verdade na aplicação da actual lei.
Queremos adoptar um novo critério de variação do FEF, garantindo mais equidade na participação das receitas públicas e melhor defesa face à alteração das conjunturas económicas.
Propomos melhorar a redistribuição do FEF através da opção por critérios mais simplificados, claros e transparentes.
Apostamos no reforço da capacidade financeira das freguesias, tornando-a autónoma e directamente ligadas ao O.E.
Queremos consagrar disposições que impeçam a transferência forçada e sem meios de novos encargos e a redução de receitas por via das isenções em impostos cujas receitas revertem para os municípios.
A proposta de lei aqui em debate é negativa e não corresponde aos objectivos fundamentais que deveria visar.
Procuramos enfrentar a questão das finanças locais com seriedade e rigor e não como arma de arremesso. Não temos paciência para conflitos virtuais entre partidos que os encenam e depois se entendem depois em tudo ou quase tudo o que é fundamental, com destaque para a revisão constitucional, as prioridades da política comunitária e tantas outras questões.O voto contra a proposta de atribuiçõese competências significa rejeitar o conteúdo da lei,e o seu espírito, em particular a afirmaçãode que novos meios para as autarquias terão que significarnovos encargos. Rejeitamos também a forma de procedimento,em particular a ruptura do trabalho com a ANMP e o caráctervago e indeterminado de muitas propostas.
Se a proposta de lei de finanças locais vier eventualmente a baixar à comissão especializada apenas significa que esta proposta do Governo aqui apoiada pelo PS se devem juntar às outras para que o Grupo de Trabalho elabore uma lei. A lei a elaborar terá que ser muito diferente desta proposta para merecer um mínimo de aceitação da nossa parte e da parte da ANMP e das autarquias.
Disse.