Intervenção de

Publicação anual de uma lista dos credores da administração central e local - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Consagraçõ da obrigatoriedade da publicação anual de uma lista dos credores da administração central e local

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

O projecto de lei n.º 318/X, do CDS-PP; que pretende consagrar a obrigatoriedade da publicação anual de uma lista dos credores da administração central e local, até nos pareceria uma boa ideia se a sua génese não estivesse marcada por um claro espírito de retaliação.

Retaliação que os autores do projecto não escondem, antes assumem explicitamente no primeiro e segundo parágrafos do preâmbulo.

O Governo avançou, como instrumento de combate às dívidas ao fisco e à segurança social, com a divulgação pública dos devedores. Logo, chegou a altura, segundo o CDS-PP, de exigir do Estado o mesmo procedimento: publicitar as suas dívidas, os seus incumprimentos de prazos de pagamento.

Julgo que o CDS-PP deveria começar por assinalar que o verdadeiro comportamento simétrico seria os credores do Estado publicitarem os seus créditos sobre o Estado. Nada os impede de o fazerem, excepto o medo de retaliação por parte do Estado, o que, convenhamos, não é pormenor despiciendo.

Mas este afã de publicitação das dívidas do Estado surpreende vindo um partido que esteve no governo entre 2002 e 2004, tendo inclusive o Ministro das Finanças tido oportunidade de o fazer, para além da sua conhecida oposição a outra divulgação bem conhecida, a dos subsídios e ajudas comunitárias aos grandes proprietários do Sul do País.

Infelizmente, este problema das dívidas do Estado a particulares e a empresas não é de hoje, e teria sido oportuno que o CDS-PP começasse por se interrogar sobre as origens das dívidas do Estado, nomeadamente sobre a sua extraordinária dimensão e extensão nos últimos anos.

Srs. Deputados, porque não cumpre o Estado português os seus compromissos para com os seus cidadãos e empresas, quando exige, e bem - nem sempre da melhor maneira -, que seja cumprido o que a lei determina como obrigações na relação com o Estado? Muito particularmente, por que é que o problema das dívidas do Estado se agudizou brutalmente nos últimos anos das gestões PS, PSD e CDS-PP?

No entanto, o n.º 4 do artigo 105.º da Constituição da República estabelece que o orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas. Logo, se o Estado não paga o que deve é porque sucessivos orçamentos do Estado de sucessivos governos não previram as receitas necessárias. Isto para além dos conhecidos atrasos de procedimentos burocrático-administrativos.

Certamente, o Estado não tem assumido os seus compromissos financeiros - e falta esclarecer - não por causa da cor dos olhos dos cidadãos ou do gestor da empresa que têm créditos a cobrar.

O Estado não paga porque os governos do PS, do PSD e do CDS-PP não previram as receitas necessárias, fazendo o que é bem conhecido de há muito - particularmente desde que assumiram a convergência monetária a caminho da Moeda Única, sobretudo a partir da imperiosa e perigosa obsessão de sucessivos governos pelo cumprimento do Pacto de Estabilidade -, que é a suborçamentação de sucessivos orçamentos do Estado. Mas não só: o deslizamento de projectos e pagamentos, o congelamento de partes significativas do PIDDAC, com todas as consequências que se podem adivinhar, transformaram o orçamento do Estado numa enorme ficção contabilística, sem qualquer aderência à realidade dos fluxos económicos e financeiros do Estado português.

Inevitavelmente, multiplicaram-se os orçamentos rectificativos, em particular quando houve mudanças de maioria, para ocorrer a despesas, por exemplo do Serviço Nacional de Saúde, mais do que previsíveis e certas, mas sempre insuficientemente orçamentadas.

Estas situações têm levado, nos últimos anos, à suspensão de pagamentos relativos a compromissos mais do que vencidos pelo afã obsessivo de uma gestão orçamental totalmente orientada para o cumprimento do défice, como ficou bem evidente num recente debate ocorrido na Assembleia da República em torno de uma circular do Ministério das Finanças, de 31 de Agosto, que determina esse arrastamento de pagamentos.

O problema das dívidas do Estado é extremamente preocupante e afecta gravemente a vida de milhares de cidadãos e empresas, particularmente micro e pequenas empresas, e muitas estruturas e entidades de fins não lucrativos.

Interrompendo cadeias de pagamento, o Estado ocasiona um terrível choque em cadeia, afectando praticamente todos os sectores da actividade económica e social, em particular os seus elos mais frágeis.

Numa recente audição do Sr. Ministro da Agricultura, tivemos oportunidade de chamar a atenção para a gravidade deste problema no que tem a ver com os pagamentos do Ministério aos agricultores, às associações agrícolas e até às autarquias, em particular os decorrentes de projectos apoiados por fundos comunitários.

Como é possível que estruturas associativas sem fins lucrativos possam aguardar meses e meses, anos a fio, sem que o Estado lhes pague aquilo que lhes deve?

Um problema semelhante acontece ao nível dos fundos comunitários para outros sectores da economia, estando nós a aguardar que o Governo nos responda a um requerimento que formulámos sobre esta questão.

Mas este problema da suborçamentação não tem apenas esta consequência directa, que já seria grande. A suborçamentação tem significado, por exemplo, no âmbito dos fundos comunitários agrícolas, a devolução a Bruxelas de significativas verbas que estavam disponíveis para a agricultura portuguesa. Em 2006 tem-se falado em 400 milhões de euros. Basta ver o que aconteceu com as agro-ambientais no presente ano.

O problema é grave, mas o projecto do CDS-PP não é a resposta necessária e suficiente para o debelar.

Essa resposta chama-se um orçamento do Estado com as receitas necessárias para pagar as despesas do Estado.

O que não significa que algumas das suas propostas não pudessem ajudar a uma maior transparência, equidade e moralização na relação contribuinte/Estado.

Mas há uma questão que a proposta em debate coloca da qual claramente discordamos, que é a inclusão das autarquias no âmbito da aplicação da legislação proposta.

Sabemos da vontade de alguns em afrontarem o estatuto constitucional do poder local das autarquias, que, constitucionalmente, têm património e finanças próprias, com participação nos recursos públicos do Estado, com gestão autónoma e soberana pelos seus órgãos próprios.

As autarquias não são departamentos ou delegações da administração central, como defende a Lei das Finanças Locais proposta pelo Governo, que, aliás, contou com a abstenção do CDS, e como a reconstituição e o desenvolvimento que vem sendo feito da antiquíssima política das comparticipações indiciam.

Há duas razões para a não a não inclusão das autarquias: muitos dos actuais constrangimentos financeiros das autarquias locais e as suas dívidas são o resultado dos cortes de sucessivos governos em relação ao estatuto constitucional do poder autárquico, inclusive em matéria de finanças locais.

Cada autarquia poderá assumir, conforme a vontade soberana dos seus órgãos, a publicitação das suas dívidas. Nada impede que o Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP proponha, em Vila Nova de Famalicão, que aquele município publicite as suas dívidas aos seus fornecedores.

Não tem?! Esse é um problema que, certamente, se verá noutra ocasião.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Reservaremos a nossa opinião final para uma possível evolução, na especialidade, deste projecto de lei.

 

 

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