Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

"PSD e CDS sabem muito bem que atacar a contratação coletiva é atacar a democracia"

Ver vídeo

''

Declaração política insurgindo-se contra legislação apresentada pelo Governo relativa à contratação coletiva de trabalho, que considerou um ataque à democracia
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Apesar de se manter em funções sem legitimidade que o sustente, o Governo PSD/CDS não desiste de prosseguir e agravar a sua política de empobrecer milhões de portugueses, destruir serviços públicos, privatizar e atacar os direitos de quem trabalha para engordar os lucros de meia dúzia de grandes grupos económicos.
O Governo PSD/CDS-PP, que tem governado à margem e contra a lei e a Constituição, ao mesmo tempo que promoveu e promove um ataque sem precedentes e de enorme gravidade contra os reformados e os trabalhadores da Administração Pública, ataca, sem dó nem piedade, os direitos e os salários dos trabalhadores do setor privado.
Depois do saque e redução dos salários por via de cortes e aumentos dos impostos, usando o desemprego como instrumento, da alteração para pior do Código do Trabalho com vista à facilitação dos despedimentos e ao seu embaratecimento e dos cortes no valor do trabalho suplementar, este Governo pretende agora desferir mais um rude golpe nos direitos dos trabalhadores, prolongando o não pagamento do trabalho extraordinário e atacando diretamente a contratação coletiva.
Ao contrário do que o Governo PSD/CDS afirma, as duas propostas de lei recentemente apresentadas não visam modernizar o mercado de trabalho nem «dinamizar» a contratação coletiva de trabalho. O objetivo é reduzir de forma generalizada os salários, atacar e tentar destruir os contratos coletivos de trabalho para agravar a exploração de quem trabalha, atacando a democracia.
PSD e CDS sabem muito bem que atacar a contratação coletiva é atacar os sindicatos, uma vez que a contratação coletiva sempre foi uma peça fundamental da atividade sindical. E sabem também que não há democracia sem sindicatos, pelo que o ataque à contratação coletiva de trabalho constitui igualmente um ataque à democracia.
Os contratos coletivos de trabalho, enquanto instrumentos negociados e livremente assinados entre sindicatos e patrões, consagram um conjunto muito vasto de direitos com reflexos muito significativos nas condições de trabalho e salários dos trabalhadores abrangidos.
A contratação coletiva é um direito fundamental dos trabalhadores, reconhecido como tal pela Constituição, e um instrumento de melhoria das condições de trabalho importante para o desenvolvimento do nosso País.
Usando os mecanismos da caducidade e da sobrevigência, criados pelo anterior Governo PS, este Governo PSD/CDS já há muito tempo desencadeou um ataque à contratação coletiva.
Por ação do Governo, nomeadamente por via da não publicação das portarias de extensão e, entre outras medidas, pelo facto de praticamente não existir mediação e conciliação, a contratação coletiva está em níveis historicamente baixos.
Em 2013, o número de trabalhadores abrangidos por contratos coletivos de trabalho representava apenas 14,3% do valor de 2009. Se, em 2009, 1 303 000 trabalhadores estavam abrangidos por instrumentos de regulação coletiva de trabalho, em 2013 esse número baixou para apenas 186 000.
Com mais esta alteração ao Código do Trabalho, o Governo PSD/CDS pretende levar mais longe o empobrecimento de quem trabalha para encher, ainda mais, os bolsos de quem, já hoje, acumula fortuna por via da exploração.
A proposta de lei do Governo reduz de forma significativa os prazos de caducidade e sobrevigência dos contratos coletivos de trabalho. Isto é, o Governo acelera o fim dos contratos coletivos de trabalho. Uma vez pedida a cessação de vigência, com a presente lei, os prazos para que os contratos coletivos de trabalho deixem de vigorar passariam a ser muito mais curtos. O Governo pretende que os direitos consagrados nos contratos coletivos terminem o mais depressa possível para assim baixar salários e agravar a exploração.
Fica assim provado que o ataque a quem trabalha não era apenas uma imposição da troica que o Governo cumpria; é, sim, um desígnio da política de direita que o Governo tem executado e pretende prosseguir e agravar. Ao contrário do que o Governo afirmou, o dito «ajustamento» dos salários do setor privado ainda não satisfaz as suas pretensões.
O Governo, que por via do Ministro Mota Soares e pelo irrevogavelmente demissionário Vice-Primeiro-Ministro, Paulo Portas, afirmou, há poucos meses, que os salários do setor privado já se tinham ajustado, que não iriam cortar mais nos salários, é o mesmo Governo que, passado pouco tempo, apresenta estas propostas de lei que visam reduzir os salários por via do ataque à contratação coletiva e por via do alargamento do prazo de redução do trabalho suplementar.
Para que se perceba a dimensão do que significa o ataque à contratação coletiva de trabalho, vejam-se os seguintes exemplos: no setor das moagens, rações, massas e arroz significa, entre outros cortes, o fim do complemento de doença e a redução do pagamento de trabalho noturno.
No setor da hotelaria e restauração, fica em causa o direito à alimentação em espécie, que representa mais de 99 €/mês, ou o direito do prémio de conhecimento de línguas, que significa 43 €/mês.
A luta por contratos coletivos de trabalho e por melhores condições de trabalho e salários é tão antiga e tão justa quanto é justa a luta dos trabalhadores por uma sociedade mais justa para quem trabalha.
Se, no passado, a luta dos trabalhadores permitiu conquistar direitos e melhores condições de vida e trabalho, então, mais cedo que tarde, também este Governo, os partidos que o suportam e a política de exploração e retrocesso social serão travados e derrotados.
A luta dos trabalhadores nas ruas e nas urnas já se encarregou de demonstrar a ilegitimidade deste Governo e desta maioria PSD/CDS, que apenas de forma artificial se mantém formalmente na Assembleia da República, não refletindo a vontade dos portugueses.
Quanto mais este Governo PSD/CDS, sem legitimidade, insistir em governar contra a Constituição e o povo, aprofundando o programa de saque a quem trabalha, maior será a resistência que há de encontrar e mais perto estará do seu próprio fim.
O PCP aqui reafirma o seu compromisso para com os trabalhadores e o povo de contribuir para esse dever patriótico de derrotar este Governo e a política de direita, afirmando a política alternativa, patriótica e de esquerda, que projete os valores de Abril no futuro do nosso País.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
É verdadeiramente extraordinário que o Sr. Deputado Nuno Magalhães não comente nem fale do tema da declaração política, que é o tema central que o PCP aqui trouxe.
Em questão estão os direitos de milhares de trabalhadores. O Sr. Deputado pode ter as ilusões que quiser, mas a verdade é que, por muito que tente não acreditar que assim seja, se o Governo PSD/CDS-PPP insistir neste caminho que tem vindo, desde 2011, a prosseguir, se insistir em atacar os trabalhadores, em tirar os salários e as reformas, atacando os trabalhadores nos seus direitos, naturalmente terá sempre, mas sempre, a contestação dos trabalhadores e terá a contestação de cada vez mais trabalhadores.
Inclusivamente, gente que votou no PSD e no CDS-PP, que foi enganada aquando das eleições, protestará contra o Governo. Portanto, desiluda-se relativamente a esta questão.
Mas nós queríamos convocar o tema da declaração política: o ataque, sem precedentes, à contratação coletiva, que é fundamental para milhares de portugueses. E o Sr. Deputado não referiu uma única palavra sobre essa matéria! São direitos, são os salários dos trabalhadores que estão aqui em causa. São milhares de pessoas que se veem privadas dos seus rendimentos porque o Governo, deliberadamente, atacou a contratação coletiva.
Então o Governo, o PSD e o CDS-PP, que tanto elogiam a concertação social, a negociação coletiva, tomam medidas concretas que visam fugir às vossas responsabilidades?
Os dados são verdadeiramente assustadores. O Sr. Deputado não quis referir-se a eles, mas volto a repeti-los: em 2013, a contratação coletiva de trabalho representava 14,3% da percentagem que representava em 2009. E este Governo não fez outra coisa senão atacar a contratação coletiva, para reduzir os salários dos trabalhadores, no setor privado.
Queria até confrontá-lo com as declarações de dois Ministros oriundos da sua bancada, de Pedro Mota Soares, Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, e do Vice-Primeiro-Ministro irrevogavelmente demissionário, Paulo Portas.
O que é que estes dois membros do Governo disseram há poucos meses, Sr. Deputado? Que o ajustamento dos salários do setor privado já estava feito, que não havia espaço para cortar mais nos salários. Isto foi dito há poucos meses! Passado pouco tempo, vem agora apresentar novas medidas para cortar novamente nos salários?!
Como é que justifica isto? Como é que justifica esta demagogia e a hipocrisia de quem disse, há dois meses, que não ia haver mais cortes nos salários e que agora, de repente, apresenta novas medidas para cortar nos salários do setor privado? Isto não lhe suscita indignação, Sr. Deputado? É que aos portugueses que estão lá fora suscita indignação, e muita!
Portanto, reafirmamos que enquanto o Governo insistir neste caminho mais portugueses terá a lutar contra este Governo, até à sua derrota final.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Roque,
Já percebemos que a contestação na rua causa grande incómodo. Aliás, assim é desde o início da entrada em funções deste Governo.
A partir do momento em que começam a governar contra o povo, não tenham a esperança de que o povo fique calado a levar porrada e que não se manifeste.
Sim, Sr. Deputado, o Governo rouba nos salários, rouba nas reformas, ataca a contração coletiva, ataca os serviços públicos, ataca todos os direitos dos trabalhadores! Bom, se estão à espera que os trabalhadores fiquem quietos e aceitem passivamente os cortes enquanto os ricos ficam cada vez mais ricos, desiludam-se, porque isso não vai acontecer!
Portanto, a contestação que existe no nosso País só tem um responsável, o Governo PSD/CDS-PP, que agrava as condições de vida das pessoas, que ataca salários e reformas. Têm contestação porque são vocês os responsáveis e mais ninguém.
Sr. Deputado, eu queria voltar à questão concreta, à questão de fundo da nossa declaração política, que é a contratação coletiva.
O Sr. Deputado veio aqui dizer-nos que o PSD valoriza muito a contratação coletiva de trabalho. Então, como é que isso se coaduna com o facto de a proposta de lei reduzir de forma significativa os prazos de caducidade e de sobrevigência? Isto é, o Governo toma medidas, diz «nós valorizamos muito a contratação coletiva» e vem aqui com esse discurso, mas logo a seguir apresenta uma proposta de lei que visa matar a contração coletiva o mais depressa possível. É disso que se trata.
A redução dos prazos de sobrevigência e de caducidade implica que os contratos coletivos de trabalho caduquem o mais depressa possível. É essa a intenção! Portanto, a proposta de lei não visa dinamizar a contratação coletiva, esse é um discurso hipócrita, porque se pegarmos nos números da contratação coletiva desde que o Governo iniciou funções verificamos que não temos assistido a nada mais do que a uma redução significativa do número de trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva de trabalho. E isso é mau, porque constitui um ataque não só à organização do trabalho e à melhoria das condições de vida como também um ataque aos sindicatos.
O Sr. Deputado sabe muito bem que a contratação coletiva é uma peça fulcral da atividade sindical. Não há democracia sem sindicatos. O Governo, com esta proposta de lei, está a atacar os salários e os direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo que ataca os sindicatos e, por essa via, a democracia. Isso é inaceitável para o PCP, Sr. Deputado!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
De facto, partilhamos a visão relativamente à contratação coletiva e à sua importância.
Repito aquilo que há pouco afirmei: atacar a contratação coletiva é, em primeira instância, atacar salários, direitos, formas de organização do trabalho; é atacar um instrumento fundamental para o nosso desenvolvimento coletivo, que ajusta as normas do Código do Trabalho aos respetivos setores. Os contratos coletivos de trabalho são livremente negociados entre as partes — ninguém apontou arma nenhuma à cabeça de ninguém —, são livre expressão das partes que negociaram aqueles acordos.
O que o Governo pretende fazer é atacar estes direitos, esta organização do mundo do trabalho para fragilizar os salários, para fragilizar os direitos, engordando os lucros de meia dúzia de grupos económicos à conta do ataque aos direitos e aos salários dos trabalhadores.
Portanto, Sr.ª Deputada, partilhamos essa visão e reafirmamos também que, não obstante ser este o primeiro objetivo do Governo, o seu segundo objetivo (se calhar, nem podemos hierarquizá-los, pelo que será um objetivo simultâneo) é atacar o movimento sindical. O PSD e o CDS-PP sabem muito bem que atacar a contratação coletiva é atacar a peça-chave do movimento e da atividade sindical do nosso País. E, constituindo a atividade sindical e os sindicatos uma peça fulcral da democracia, estão a atacar claramente a democracia e a organização política do nosso País.
Queríamos dar aqui exemplos concretos, que são fundamentais para que as pessoas em geral, e também os Srs. Deputados, percebam o que efetivamente se pretende com estas alterações ao Código do Trabalho.
Alterar as regras da caducidade e da cessação de vigência dos contratos coletivos de trabalho visa terminar com os direitos que lá estão consagrados. Como tal, importa quantificá-los, e por isso aqui reafirmamos alguns exemplos, embora pudéssemos dar muitos mais: no setor das moagens, rações, massas e arroz significa, entre outros cortes, o fim do complemento de doença e uma redução do pagamento do trabalho noturno; no setor de hotelaria e turismo, pode significar o fim da alimentação em espécie, que representa mais de 99 €/mês, ou o fim do direito a prémio de conhecimento de línguas, que existe há várias décadas, que significa 43€/mês.
Portanto, o fim da contratação coletiva tem impactos imediatos nos salários que os trabalhadores recebem, o que prova também uma coisa: não há desculpa da troica que sirva a este Governo. Aquilo que fez desde que tomou posse correspondeu à livre e espontânea vontade da maioria PSD/CDS-PP. O programa da maioria sempre consistiu em atacar os salários e os direitos, para agravar a exploração.
Nessa medida, reafirmamos que quanto mais atacam a contratação coletiva, quanto mais atacam os direitos, com certeza maior será a resposta do povo e dos trabalhadores para fazer frente a este caminho de desastre nacional, e para isso podem, naturalmente, contar com o PCP.
Se quisessem verdadeiramente dinamizar a contratação coletiva — algo que não querem, porque, como disse o meu camarada Jerónimo de Sousa, não se dinamiza um morto —, teriam de aprovar as propostas do PCP, que defendem o princípio do tratamento mais favorável e o fim da caducidade da contratação coletiva. Assim é que se valoriza a contratação coletiva, não é com a sua eliminação. Este é um aspeto verdadeiramente central para a democracia portuguesa.

  • Administração Pública
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções