Intervenção de

Protecção de testemunhas em processo penal - Intervenção de António Filipe na AR

Alteração à Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal

 

 

 

Sr. Presidente,

Sr. Ministro da Justiça,

Srs. Deputados:

Irei fazer algumas observações acerca desta proposta de lei (proposta de lei n.º 179/X), em nome da bancada do PCP, não sem antes lembrar que esta é uma matéria de grande importância e que estamos a aperfeiçoar uma legislação que mereceu aqui um debate aprofundado ao tempo, na base de uma proposta de lei apresentada pelo ex-Ministro da Justiça José Vera Jardim, e que introduziu, no ordenamento jurídico português, um mecanismo já utilizado e já com alguma experiência noutros países, que é o da instituição de mecanismos específicos de protecção de testemunhas com particular vulnerabilidade relativamente às quais existisse um sério risco, um sério receio, quanto à sua vida ou à sua integridade física ou dos seus próximos no que respeita a crimes com especial gravidade.

Obviamente que alguns destes mecanismos, designadamente aqueles mais rigorosos, que podem passar, inclusivamente, pela ocultação de identidade, colocam problemas com algum melindre, mas foi possível, com a discussão que houve em 1999, chegar a soluções consideradas por todos como equilibradas. São aqui propostas algumas alterações que subscrevemos, como, por exemplo, a aplicação dos mecanismos previstos não apenas aos familiares mas também às pessoas que com elas vivam em condições análogas às dos cônjuges. No nosso entender, já seria possível interpretar a lei actual no sentido de abranger as pessoas em situação de união de facto, mas não há mal nenhum em que isso seja explicitado para evitar quaisquer dúvidas e, portanto, todas as normas que prevêem esse aditamento têm a nossa concordância.

Há, no entanto, um artigo relativamente ao qual gostaria de fazer três observações adicionais, que é o artigo 16.º. No fundo, este artigo é o «coração» deste diploma e onde os problemas se podem suscitar e que tem a ver com o âmbito de aplicação dos mecanismos de protecção de testemunhas. Isto porque quer parecer-nos que, em alguns aspectos, há uma ampliação do âmbito material de aplicação deste regime, mas noutros pode até haver uma redução, e isso deveria ser visto com atenção.

Por outro lado, lembro que, quando discutimos há pouco tempo, nesta Assembleia, o chamado «pacote da corrupção», o Partido Socialista recusou uma proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, de inclusão dos crimes de corrupção devidamente tipificados neste diploma relativo à protecção de testemunhas, e a recusa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista foi feita com base no argumento de que o Governo estava a preparar uma proposta de lei sobre esta matéria e, portanto, iríamos reservar a aprovação para esse momento, que é este.

Ora, devo dizer que entendemos que esta proposta, nos termos em que está formulada, não esgota inteiramente o objecto proposto pelo PCP, pelo que, na especialidade, este é um dos pontos que deve ser discutido.

Quais são as três questões que, do nosso ponto de vista, se suscitam?

Em primeiro lugar, é de aplaudir que se abranjam vários crimes que estão aqui tipificados ou cometidos por quem fizer parte de associação criminosa. Isto porque na formulação actual faz-se sempre depender a existência de associação criminosa, e sabe-se que isso é muito difícil de provar - muitas vezes, os crimes são provados, mas não é provada a associação criminosa. Portanto, faz todo o sentido que haja esta disjunção, ou seja, aplica-se estando em causa aqueles crimes ou também associação criminosa.

O problema que se coloca é o seguinte: deixa de haver referência aos crimes previstos na Lei n.º 15/93, que é a conhecida «lei da droga». Ora, lembro que a lei de 1999 nasceu precisamente do combate ao tráfico de droga e quer parecer-nos que, ao eliminar esta referência, deixamos de abranger os crimes de tráfico de droga, desde que eles não tenham uma moldura penal superior a oito anos. Podemos, pois, deixar de fora crimes graves. Do nosso ponto de vista, devia ser repensada esta exclusão da referência à «lei da droga» do âmbito de aplicação deste diploma, porque isso pode conduzir, objectivamente, a uma redução do âmbito de aplicação desta lei, que deveria ser estudada em todas as suas consequências.

Esta é, portanto, a primeira objecção.

A segunda objecção é que o Governo se limita a referir, sem mais, que o diploma se aplica aos crimes de corrupção. Pergunto como é que isto se interpreta: abrange os crimes de corrupção tal como são designados no Código Penal ou abrange também os crimes de corrupção punidos em legislação avulsa, como, por exemplo, na lei sobre os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos ou na lei sobre corrupção no sector privado?

Quer parecer-nos que o facto de as normas incriminadoras não admitirem interpretação extensiva pode conduzir a que esta disposição só se aplique aos crimes de corrupção previstos no Código Penal, podendo não se aplicar sequer ao tráfico de influências, que, apesar de estar também previsto no Código Penal, como se encontra no capítulo relativo aos crimes de corrupção, não tem essa designação.

Portanto, pensamos que seria preferível haver uma remissão clara para as disposições legais, por forma a que todos os crimes de corrupção pudessem ser abrangidos sem qualquer equívoco e sem que pudesse haver, depois, interpretações jurisprudenciais num sentido restritivo - que seriam legítimas face a esta formulação, mas não gostaríamos que acontecesse.

Assim, do nosso ponto de vista, deveria haver aqui uma formulação que fosse blindada relativamente a situações que pudessem redundar em isentar de responsabilidade - e, neste caso, não estamos a falar da responsabilidade criminal, que existiria sempre, mas da possibilidade de aplicação de mecanismos de protecção de testemunhas a quem denunciasse estes crimes. Foi estabelecido um consenso, nesta Assembleia, no sentido de que essas testemunhas são credoras desse apoio e que esses mecanismos são justificados, pelo que não devíamos criar situações que pudessem levar à não aplicação desses mecanismos devido a interpretações restritivas.

 

 

 

 

 

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