O Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira (2.º Suplemento, de 15 de Novembro), publicou a Resolução n.º 1374/2010, através da qual a Presidência do Governo Regional “mandata o Secretário Regional do Plano e Finanças para, através de despacho, aclarar que os benefícios fiscais relativos à tributação indirecta, nela se incluindo o imposto do selo, concedidos às entidades licenciadas até 31 de Dezembro de 2000, para operar na Zona Franca da Madeira, nos termos da aprovação da Comissão Europeia, perduram durante o prazo de vigência das licenças, nos termos constantes do respectivo despacho de autorização ou de acesso ao regime”.
Desconhece-se o conteúdo e os termos exactos do despacho eventualmente já exarado pelo Secretário Regional do Plano e Finanças. Não há mesmo certeza de que tal documento tenha já sido publicado. Isso não invalida que da simples leitura da Resolução n.º 1374/2010, atrás citada, se depreenda, com elevada segurança, que o objectivo do Governo Regional da Madeira é, por sua própria iniciativa, prorrogar, mesmo que parcialmente, o actual regime de benefícios fiscais em vigor na Zona Franca da Madeira para além dos limites fixados no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º215/89, de 1 de Julho.
Como é do domínio público, o regime fiscal privilegiado que vigora na Zona Franca da Madeira funciona, no essencial, ao abrigo dos artigos 33.º a 36.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, permitindo situações como a da empresa Wainfleet – Alumina, Sociedade Unipessoal, Lda., (edição de 24 de Setembro do jornal i), empresa de consultoria com capital social de apenas cinco mil euros e somente quatro trabalhadores, mas que ocupava em 2007, (segundo a Associação Empresarial de Portugal), o primeiro lugar no ranking das maiores empresas nacionais, com um volume de vendas de cerca de 3 mil milhões de euros, cerca de 1,76% do PIB nacional, não obstante não ter pago qualquer imposto em sede de IRC nos anos de 2005, 2006 e 2007!...
O Capítulo IV – “Benefícios Fiscais às zonas Francas” integra os quatro artigos atrás referidos, os quais resultam de diversas iniciativas legislativas do Governo da República aprovadas na Assembleia da República, e cria, no fundamental, três regimes fiscais.
O primeiro regime – no essencial enquadrado pelo artigo 33.º do EBF - vigora até 31 de Dezembro de 2011 e beneficia as entidades a operar na Zona Franca da Madeira e para tal licenciadas até 31 de Dezembro de 2000, criando, basicamente um regime de total isenção fiscal, em sede de IRC, de IRS e de Imposto do Selo (n.º 11 do artigo 33.º).
O segundo regime – enquadrado pelo artigo 35.º do EBF – vigora igualmente até 31 de Dezembro de 2011 e beneficia as entidades que operam na ZF da Madeira licenciadas entre 1 de Janeiro de 2003 e 31 de Dezembro de 2006, determinando uma tributação em sede de IRC com uma taxa de 1%, aplicável nos anos de 2003 e de 2004, uma taxa de IRC de 2%, aplicável nos anos de 2005 e 2006, e uma taxa de IRC de 3%, aplicável nos anos de 2007 a 2011. Quanto ao regime de IRS e de Imposto do Selo, o artigo 35.º determina, desde a sua entrada em vigor e até final de 2011, a aplicação às entidades em condições de serem beneficiárias do mesmo regime de isenção previsto nos dois artigos precedentes (33.º e 34.º do EBF).
Finalmente, o terceiro regime – enquadrado pelo artigo 36.º do EBF – vigora até 31 de Dezembro de 2020 e beneficia as entidades que operam na Zona Franca da Madeira licenciadas entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2013, determinando uma tributação em sede de IRC com uma taxa de 3%, aplicável nos anos de 2007 a 2009, uma taxa de IRC de 4%, aplicável nos anos de 2010 a 2012, e uma taxa de 5%, aplicável nos anos de 2013 a 2020. Tal como no caso anterior, e no que respeita ao regime relativo ao IRS e ao Imposto do Selo, o artigo 36.º do EBF determina, desde a sua entrada em vigor e até ao fim de 2020, a aplicação às entidades em condições de serem beneficiárias do mesmo regime de isenção previsto nos artigos 33.º e 34.º do EBF.
Sucede que o Governo Regional da Madeira, aparentemente estribado no facto do n.º 11 do artigo 33.º do EBF, sobre a isenção do Imposto do Selo, não referir de forma expressa a respectiva caducidade em 31 de Dezembro de 2011, conclui que somente a isenção da tributação directa prevista ao longo dos restantes dezanove números do citado artigo 33.º expira naquela data, o mesmo não sucedendo com a isenção do Imposto do Selo aplicável às entidades licenciadas até 31 de Dezembro de 2000, (para as quais, curiosamente, o regime fiscal constante do artigo 33.º do EBF foi criado e às quais se aplica na globalidade).
Para além de retirar esta conclusão, de forma no mínimo abusiva, o Governo Regional arroga-se, por outro lado, o direito de poder ser ele a “aclarar que os benefícios fiscais relativos à tributação indirecta, nela se incluindo o Imposto do Selo”, perduram durante todo o prazo de vigência das licenças emitidas às entidades a operar na Zona Franca, mesmo que tal vigência termine para além do final de 2011, ou não exista mesmo qualquer limite de vigência. No fundo, o Governo Regional quer, aparentemente, apropriar-se da competência de interpretar, quiçá alterar, normas de natureza fiscal aplicáveis nas Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria, aprovadas pelo Governo da República e pela Assembleia da República, o que parece, manifestamente, constituir uma usurpação de atribuições e competências constitucionais.
Perante tudo o que fica exposto, e face à gravidade e implicações que o teor da supra citada Resolução n.º 1374/2010, da Presidência do Governo Regional da Madeira, pode ter, mormente quanto à prorrogação parcial do regime fiscal na Zona Franca da Madeira, solicita-se ao Governo que, por intermédio do Ministério das Finanças e da Administração Pública, sejam respondidas com urgência as seguintes questões:
1. Qual é o numero total de entidades licenciadas a operar actualmente na Zona Franca da Madeira? Quantas são as que operam sob licença emitida entre 1 de Janeiro de 2003 e 31 de Dezembro de 2006? E quantas são as que operam na Zona Franca da Madeira sob licença emitida a partir de 1 de Janeiro de 2007?
2. Quantas, de todas as entidades a operar na Zona Franca da Madeira, não possui qualquer trabalhador declarado ao seu serviço?
3. Tem o Governo e esse Ministério qualquer intenção de prorrogar para além de 31 de Dezembro de 2011 o regime de benefícios fiscais constante do artigo 33.º do EBF, seja na tributação directa ou na tributação indirecta? E quais são as intenções do Governo quanto aos regimes previstos nos artigos 35.º e 36.º do EBF no que concerne aos respectivos prazos de vigência?
4. Tem o Governo e esse Ministério conhecimento do teor da Resolução n.º 1374/2010 da Presidência do Governo Regional da Madeira, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira em 15 de Novembro? Face às suas potenciais implicações:
4.1. O que pensa o Ministério das Finanças sobre a caducidade da isenção da tributação indirecta, designadamente da isenção do Imposto do Selo, prevista no artigo 33.º do EBF? Caduca essa isenção, ou não, em 31 de Dezembro de 2011?
4.2. Em caso afirmativo, vai o Governo aceitar a interpretação que aquela Resolução 1374/2010 pretende assumir? Isto é: vai o Governo aceitar que o Governo Regional da Madeira, na prática, prorrogue o regime dos benefícios fiscais actualmente aplicáveis na Zona Franca da Madeira, pelo menos no que respeita à isenção do Imposto do Selo previsto no artigo 33.ºdo EBF?
4.3. Quem é que afinal tem competências legais e constitucionais para criar, alterar e prorrogar normas legais relativas à determinação de regimes de benefícios fiscais? Para além da Assembleia da República pode ser essa uma competência de um Governo de uma das Região Autónoma?