As propostas apresentadas pela Comissão Europeia, relativas ao Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e ao denominado "fundo de recuperação", serão ainda objecto de debate e aprovação pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu.
Sem prejuízo de uma análise mais aprofundada às propostas anunciadas, incluindo de importantes elementos ainda não apresentados de forma sistematizada – como as diversas condicionalidades impostas para a utilização dos meios financeiros e a sua repartição por país, assim como as contribuições nacionais previstas para o futuro QFP –, o PCP considera importante sublinhar neste momento o seguinte:
Para além da criação, com carácter temporário e limitado, do chamado "fundo de recuperação", é de salientar que a proposta revista de QFP da União Europeia (UE) para o período 2021-2027, num valor total de 1.100 mil milhões de euros (a preços de 2018) é inferior à proposta apresentada pela Comissão Europeia em 2018, que propunha cerca de 1.134 mil milhões de euros (a preços de 2018), representando assim um corte de 3%;
Recorde-se que, de acordo com a proposta de QFP 2021-2027 anteriormente apresentada pela Comissão Europeia, Portugal sofreria um corte significativo nas verbas a receber ao abrigo da Política de Coesão e da Política Agrícola Comum. Seria inaceitável que Portugal continuasse a ser prejudicado nos montantes a receber ao abrigo destas rubricas do QFP – que constituirão referências no futuro;
Quanto à proposta do "fundo de recuperação", importa sublinhar que este tem uma natureza diversa do orçamento da UE. Trata-se de um instrumento a constituir a partir da emissão de dívida, pela Comissão Europeia, junto dos mercados financeiros. Prevê-se que o reembolso desta dívida e dos respectivos juros ocorra através do orçamento da UE, num período alargado, de 2028 a 2058;
O "fundo" contará com 500 mil milhões que serão repartidos pelos Estados sob a forma de subvenções, e com 250 mil milhões sob a forma de empréstimos, perfazendo um total de 750 mil milhões de euros. Trata-se de um montante muito inferior ao que foi considerado necessário por vários países e instituições da própria UE – como o Parlamento Europeu – e que será distribuído por um período até quatro anos (2021-2024). De acordo com informações vindas a público, Portugal poderia candidatar-se a cerca de 15,5 mil milhões de euros sob a forma de subvenção e a cerca de 9 mil milhões sob a forma de empréstimo;
Sendo necessário apurar qual será a evolução do saldo das transferências para Portugal via QFP 2021-2027, nos próximos sete anos, tendo presente que se prevê um aumento significativo da contribuição nacional para este quadro orçamental, importa desde já salientar que, a confirmarem-se, os 15,5 mil milhões de euros em subvenções a transferir ao abrigo do novo "fundo" estão longe de responder às necessidades do País. A título ilustrativo, este montante corresponde a bem menos que os recursos financeiros – cerca de 30 mil milhões de euros – que nos últimos três anos saíram do País para offshores/paraísos fiscais, fugindo à devida cobrança de impostos;
Importa sublinhar que o facto do pagamento deste "fundo" e dos juros a ele associados vir a ser suportado no futuro pelos orçamentos da UE – seja através de contribuições nacionais, seja através da criação de "impostos europeus" cuja receita venha a reverter para o orçamento da UE, sendo assim desviada dos orçamentos nacionais, em prejuízo dos meios de investimento de cada Estado na sua estratégia de desenvolvimento e da sua soberania sobre a política fiscal –, significa que parte da utilização dos meios financeiros ao abrigo do "fundo" corresponde a um recebimento adiantado por conta de pagamentos futuros a que os Estados teriam direito por via do orçamento da UE;
Uma questão da maior importância são as condicionalidades impostas para a utilização das verbas no âmbito da UE, seja ao abrigo do QFP 2021-2027, seja ao abrigo do novo "fundo". Será inaceitável que a utilização destes meios financeiros esteja amarrada a condicionalismos macroeconómicos e políticos, designadamente à implementação das políticas e das "reformas" neoliberais preconizadas pela UE. A utilização destes meios financeiros deve ser determinada pela necessária resposta aos problemas que os trabalhadores, o povo e o País enfrentam, contribuindo para assegurar o desenvolvimento soberano de Portugal, e não ser definida em função das prioridades da UE, segundo os interesses das principais potências e dos grandes grupos económicos e financeiros.
Respostas e soluções que fazem falta ao País
As propostas apresentadas pela Comissão Europeia não dão a resposta necessária aos problemas dos trabalhadores, do povo e do País que estão na origem, do aumento da exploração, das desigualdades sociais e das assimetrias de desenvolvimento entre países.
Não deixando de adoptar, no plano nacional, todas as medidas que se impõem para, independentemente da UE, ou apesar dela, responder às necessidades de financiamento das respostas sociais e económicas exigidas pela situação actual, o Governo português deve intervir resolutamente no plano da União Europeia de forma a contrariar a continuação das políticas que estão na raiz dos problemas que Portugal enfrenta.
Independentemente do carácter insuficiente e temporário das verbas a que Portugal poderá vir a aceder ou a candidatar-se no quadro da UE, é fundamental assegurar que estas sejam disponibilizadas sob a forma de subvenções (verbas a fundo perdido) e que sejam colocadas ao serviço da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos, da recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia, da garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do País, do desenvolvimento soberano de Portugal.
Com vista a estes objectivos, o PCP tem vindo a defender importantes propostas, nomeadamente no Parlamento Europeu, que correspondem aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e que mantêm inteira pertinência e actualidade, entre as quais:
- Um significativo reforço do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2017, assegurando plenamente a função redistributiva do orçamento comunitário e o objectivo de uma efectiva coesão económica e social, apoiando os sectores produtivos, o emprego com direitos, os serviços públicos;
- Um orçamento que deve ser construído, fundamentalmente, a partir de contribuições nacionais, de acordo com o princípio de que os países com maior rendimento e que mais têm sido beneficiados com o processo de integração devem contribuir proporcionalmente mais;
- A flexibilização do orçamento da UE, dando liberdade aos Estados-Membros para realocar verbas entre fundos, rubricas e prioridades, de acordo com as suas necessidades económicas e sociais; e a elevação das taxas máximas de cofinanciamento da UE até 100%, em regime de adiantamento e não de reembolso de despesas;
- A anulação da fracção da dívida pública emitida pelos Estados durante todo o período de superação das consequências da epidemia, que esteja na posse do BCE e conste do respectivo balanço, assegurando desta forma a manutenção formal dos níveis de dívida pré-surto epidémico;
- Uma derrogação do artigo 123.º do Tratado de Funcionamento da UE, abrindo a possibilidade de financiamento directo do Banco Central Europeu (BCE) aos Estados-Membros, nomeadamente através da compra directa de títulos da dívida pública nacionais, evitando a actual intermediação dos mercados financeiros, os ataques especulativos contra as dívidas soberanas e os lucros do capital financeiro à custa da redução das receitas que os Estados poderiam obter com uma venda directa de títulos da dívida ao BCE;
- A renegociação das dívidas públicas, nos seus prazos juros e montantes, permitindo redireccionar recursos da dívida para as urgentes e necessárias respostas económicas e sociais nos Estados-Membros;
- A revogação de todos os mecanismos que constrangem e condicionam a margem de manobra dos Estados-Membros na promoção do investimento público, no financiamento dos serviços públicos e das suas funções sociais, na dinamização da actividade económica, como o Pacto de Estabilidade, a legislação da Governação Económica, o Semestre Europeu ou o Tratado Orçamental;
- A rejeição da criação de "impostos europeus", que representam a subversão da soberania dos Estados sobre a sua política fiscal e o desvio de verbas essenciais ao desenvolvimento económico e social de um país;
- A adopção de medidas para travar a especulação financeira e a acção predatória do capital financeiro, nomeadamente por via do controlo, que se revele adequado, da circulação de capitais;
- A criação de um programa ao nível da UE que enquadre uma saída negociada da moeda única dos países que o decidam fazer, recuperando soberania monetária, readquirindo a capacidade do respectivo Banco Central Nacional emitir moeda, funcionando como prestamista de último recurso, capaz de financiar o Estado e fornecer margem de manobra face à chantagem dos mercados financeiros.
Este conjunto de propostas, entre outras apresentadas, constituem uma resposta efectiva à grave situação actual, que tem em conta as necessidades dos trabalhadores, dos micro, pequenos e médios empresários e do País, em especial nos planos da protecção social dos mais afectados e desfavorecidos, da defesa do emprego com direitos e dos serviços públicos, do apoio aos sectores produtivos e do relançamento da actividade económica.