Os processos de digitalização e os serviços digitais comportam um grande potencial para o desenvolvimento económico e social. Contudo, a realidade demonstrou que também têm estado ao serviço do aumento da exploração dos trabalhadores e de fenómenos de alienação e condicionamento social e comportamental dos indivíduos em benefício dos lucros e da predominância de grandes empresas e multinacionais, assim como no cerceamento de liberdades, garantias e direitos.
Considerando que vários Estados-Membros «legislaram ou tencionam legislar sobre questões como a remoção de conteúdos ilegais em linha», a Comissão Europeia (CE) apressou-se a apresentar um Regulamento para os serviços digitais. Não negamos a necessária articulação entre Estados mas este Regulamento mostra bem a avidez da UE em querer impor o primado do "mercado único dos serviços digitais" que, retirando aos Estados-Membros poder e soberania nesta matéria, vai facilitando o caminho aos grandes interesses privados do sector, como é o caso das grandes plataformas digitais. Quer a proposta da CE para este Acto legislativo sobre serviços digitais quer a posição do Parlamento Europeu continuam o caminho do alargamento e aprofundamento do mercado único digital, com consequências já conhecidas, como: agravamento das desigualdades, maior concentração monopolista e ataques à soberania dos Estados. Sem comprometer os interesses de gigantes do digital, as propostas estão longe de defender o interesse geral, o domínio público do sector ou a promoção de livre acesso a conteúdos ao público, o acesso à criação, fruição e à livre partilha da cultura, rejeitando lógicas de mercantilização da cultura, de ataque ao multilinguismo ou de reforço de uma maior colonização cultural.
Ambas as propostas acenam com a criação e proliferação de um conjunto de entidades ditas “independentes”, mas o que se pretende é afastar o papel dos Estados e das autoridades nacionais, sem nunca colocar em causa a “independência” dessas entidades relativamente aos grandes interesses económicos. Os Estados já têm entidades com competências para as questões da aferição administrativa e judicial de conteúdos ilegais cujo âmbito deve ser alargado ao plano digital. Além disso, constituírem-se tribunais arbitrais para a resolução de conflitos é interferir igualmente em competências soberanas dos Estados-Membros. A certificação de “sinalizadores de confiança” é outra peça deste Regulamento que não nos descansa porque os critérios serão sempre à medida das grandes multinacionais.
As razões expostas, juntamente com a ausência de garantias de protecção dos utilizadores (que continuarão a ser assediados pela publicidade direccionada), são mais do que suficientes para justificar a nossa firme oposição a este Acto legislativo.