Nas escolas do Ensino Artístico Especializado (EAE) de música e de dança, o atual ano letivo 2014/2015 ficou marcado por uma situação dramática de atrasos inaceitáveis do Governo no cumprimento das obrigações contratuais com estas escolas. Esta situação, no entanto, já ocorre há vários anos, tendo-se vindo a agravar especialmente nos últimos quatro.
Os atrasos, superiores a seis meses, tiveram consequências muito negativas nas condições de funcionamento das escolas: salários em atraso dos profissionais, incumprimento de compromissos financeiros com o Estado e instituições financeiras, instabilidade pedagógica e angústia nos profissionais, alunos e encarregados de educação.
O anterior Governo PS, em janeiro de 2011, decidiu substituir o financiamento às escolas do EAE, do Ensino Particular e Cooperativo, instaladas em zonas de convergência, passando-o de verbas regulares do Orçamento do Estado para financiamento através do Programa Operacional para o Potencial Humano, POPH, (2007-2013), comparticipado pelo Fundo Social Europeu. A situação manteve-se inalterada durante todo o mandato do atual Governo PSD/CDS.
Esta alteração trouxe graves problemas para o normal funcionamento destas instituições uma vez que as regras deste Programa (ao nível dos prazos, dos montantes, das formas de pagamento através de reembolso, entre outras) não se coadunam com as necessidades regulares de gestão destas escolas e com os compromissos que tinham já assumido perante professores e alunos. Importa referir que as regras do anterior POPH só permitiam o financiamento das horas efetivas de formação, ficando a cargo das escolas todos os restantes custos associados ao contrato de trabalho do professor (subsídios de férias, entre outros). Esta realidade originou situações de despedimento e de perda geral de direitos no exercício da profissão. Não foram só os professores a perder, por força da diminuição do seu estatuto, foram também os alunos e até as entidades titulares, ficando em perigo a qualidade do ensino.
Mas eis que, perante esta situação e longe de estarem resolvidos os efeitos profundamente negativos deste tipo de financiamento e destes atrasos, o Governo PSD/CDS vem anunciar que o Orçamento do Estado passará a assumir o financiamento do EAE quando, na verdade, o que pretende é reduzir o investimento público que existia anteriormente. O Governo decidiu, já com efeitos a partir do próximo ano letivo, diminuir o custo valor/aluno e abandonar o financiamento do regime supletivo do EAE.
A proposta avançada pelo Ministério da Educação e Ciência efetuou uma ponderação entre o atual valor dos contratos de patrocínio de Lisboa e Algarve e os valores do POPH (bastante inferiores e desajustados para as necessidades efetivas das escolas), ou seja, vai instituir um valor médio que será inferior ao praticado agora.
Diga-se que os valores pagos atualmente no contrato patrocínio, já de 2009 e portanto desatualizados, mal chegam para pagar as despesas com o corpo docente que, por força da própria lei, se foi profissionalizando e por isso tem salários mais valorizados.
A nova proposta de financiamento passará a contemplar o valor único de 2.600 euros/aluno e abandonará os atuais 3 níveis de financiamento em função das habilitações do corpo docente. Esta situação poderá criar desigualdades de tratamento entre as escolas, agravando as condições das que têm corpos docentes mais habilitados, podendo mesmo levar a despedimentos nos níveis intermédios e de topo de carreira.
Para além disto, o Governo decidiu também deixar de financiar o supletivo (comparticipado em 50%), o que criará profundos constrangimentos nas escolas. Hoje, a comparticipação mensal de 50% a estes alunos é a única fonte de autonomia financeira das escolas.
Importa referir que, ao longo dos últimos anos, estes alunos têm demonstrado bons resultados, nomeadamente no acesso ao ensino superior.
Existem escolas que têm cerca de 40% de alunos do supletivo e que assim vão perder muitos alunos, pois poucos são os que podem pagar 300 euros por mês para manter a frequência. Tal terá impactos também na destruição de postos de trabalho.
A limitação do EAE ao articulado significa que os alunos só podem ter um ano de desfasamento relativamente ao ensino regular, fazendo com que só os alunos de 10 e 11 anos possam frequentar as escolas num curso oficial. Desta forma, os alunos com 12 anos passam a ser demasiado "velhos" para aprender música.
Na verdade, a supressão do regime supletivo impede, na prática, a frequência do ensino artístico especializado por alunos que habitem ou estudem em escolas de ensino regular fora da área geográfica de influência direta das escolas artísticas, naquilo que constitui uma efetiva violação do princípio da igualdade de oportunidades no acesso à educação. A solução para um tal constrangimento residirá na oferta, em correspondência às necessidades específicas dos alunos, dos diversos regimes de frequência, sustentada indiferenciadamente por financiamento público.
As Escolas do Ensino Artístico Especializado asseguram um serviço público de formação artística de qualidade e funcionam como polos de dinamização social, cultural e económica das regiões em que estão inseridas.
O seu impacto social reflete-se não só nos postos de trabalho que representam mas sobretudo na salvaguarda do direito ao acesso ao Ensino Artístico Especializado por parte da população escolar, na garantia da possibilidade de prosseguimento de estudos, na concretização do direito à fruição e criação cultural.
Parece-nos fundamental a criação de uma rede pública de Conservatórios, estruturada, equilibrada e distribuída de forma a assegurar a cobertura de todo o território nacional, complementada e articulada com a rede privada e cooperativa em função das reais necessidades existentes. Enquanto tal não acontecer, as atuais escolas devem ter um tratamento em conformidade com a razão de ser da sua existência e do papel que desempenham.
O PCP entende ser fundamental a valorização e defesa do ensino artístico especializado e a garantia das condições materiais e humanas para que estas escolas cumpram o seu papel de formação da cultura integral do indivíduo.
A Assembleia da República, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, resolve recomendar ao Governo que:
1- Assegure o financiamento às escolas do Ensino Artístico Especializado através de verbas do Orçamento do Estado, respondendo deste modo às suas reais necessidades permanentes de funcionamento (corpo docente e suas carreiras, projeto educativo, instalações, instrumentos);
2- Financie o regime supletivo através da transferência das verbas do Orçamento do Estado correspondentes às necessidades identificadas pelas escolas;
3- Realize, curto prazo, um estudo aprofundado sobre o Ensino Artístico Especializado, a sua identidade e objetivos, organização de rede, habilitações para a docência, currículos e cargas horárias.
Assembleia da República, em 12 de junho de 2015