Exposição de Motivos
Os derivados de petróleo tem tido, particularmente desde o final do primeiro quartel do século XX e até aos dias de hoje, um papel fundamental, crítico e estratégico, no funcionamento das economias e das sociedades em geral, seja como combustível, dominantemente no aprovisionamento energético dos transportes, da indústria, da agricultura, das pescas e dos serviços, bem como no quotidiano das famílias, seja como, matéria-prima de múltiplas indústrias de base orgânica, designadamente as petroquímicas de base e muitas outras indústrias a jusante.
Sendo que estamos a falar de um recurso finito, cujas reservas provadas e prováveis já foram utilizadas em pelo menos metade das suas existências originais, particularmente do chamado petróleo convencional, petróleo simultaneamente de melhor qualidade e de mais baixo custo de extração, a tendência de longo prazo, é, simultaneamente, de uma natural redução dos consumos e de um aumento dos preços.
Isto não significa, que no quadro desta tendência de longo prazo, fatores políticos e económicos diversos (alterações na oferta e na procura, nível das reservas, petróleo enquanto arma de política geoestratégica, novas descobertas, especulação bolsista, etc.) possam conjunturalmente provocar significativas oscilações de preços – aumentos ou descidas dramáticas – como por exemplo as ocorridas no último ano.
Em todo o caso, mesmo neste quadro de alterações do paradigma histórico, o preço conjuntural dos combustíveis continua obviamente a ter uma importância enorme na competitividade das economias, particularmente das micro, pequenas e médias empresas, assim como do esforço financeiro das famílias.
A importância desta variável, custo dos combustíveis, porque apresenta um peso muito significativo na estrutura de custos das empresas de vários setores, e dado os seus elevados valores relativos, também contribui significativamente para que a produtividade e a competitividade da economia portuguesa sejam claramente inferiores às médias comunitárias.
Quanto às famílias, o peso da energia nos seus orçamentos, com reflexos em todos os aspetos do seu quotidiano, particularmente nas deslocações diárias, foi agravado com o aprofundamento da crise do capitalismo, no quadro da aplicação do eufemisticamente designado Memorando de Entendimento entre o FMI/BCE/UE e PS/PSD/CDS-PP.
É portanto indiscutível que a disponibilidade, a segurança do aprovisionamento e o preço da energia, neste caso dos combustíveis, constituem variáveis estratégicas incontornáveis. E por essa razão, é indiscutível, sob o ponto de vista do interesse nacional, que duas questões de grande relevo devem ser aqui e agora recordadas e a sua reversão colocada em cima da mesa.
A primeira tem a ver com a privatização da GalpEnergia e a ulterior desnacionalização de parte importante do seu capital social, colocando tão importante setor estratégico nas mãos de privados nacionais e estrangeiros, cujos interesses, só por acaso, poderão ser coincidentes com o interesse nacional, designadamente em termos do exercício da nossa soberania.
A segunda tem a ver com a liberalização dos preços dos combustíveis, temporalmente quase coincidente com a privatização da GalpEnergia. A ficção, de que a liberalização traria o abaixamento dos preços, era isso mesmo, ficção, como oportunamente o PCP alertou e denunciou.
De facto, somente entre 2004 e 2011, a variação acumulada dos preços dos combustíveis foi de 59,4 por cento para a gasolina 95, e de 93,6 por cento para o gasóleo rodoviário, enquanto o Índice de Preços no Consumidor teve, no mesmo período, uma variação de 18,5 por cento.
Comecemos pela comparação da evolução dos preços da gasolina 95 antes de impostos em Portugal face à evolução das cotações da gasolina 95 CIF NWE, que serve de referência a Portugal, entre a terceira semana de Março de 2014 e a terceira semana de Março de 2015, período abrangendo uma fase acentuada de descidas, entre a quarta semana de Junho de 2014 e finais de Janeiro de 2015, e uma fase de subida desde aí até aos dias de hoje.
De acordo com o Oil Bulletin da CE, o preço médio antes de impostos da gasolina 95 em Portugal, foi durante tal período cerca de 33,8 por cento acima da cotação média da gasolina 95 CIF NWE, e, ainda mais interessante, é que tal valor é em média cerca de 44 por cento mais elevado nas fases de subida e 26,8 por cento mais elevado nas fases de descida de preço do Brent.
Contrariamente ao que vem afirmando a GalpEnergia, e, por arrastamento as demais multinacionais que atuam no setor – BP, REPSOL, CEPSA, etc. – bem como da sua associação, a APETRO, e, de alguma forma os sucessivos governos, a verdade é que, com caráter sistemático, os preços dos combustíveis antes de impostos, têm sido e são, em média, superiores no nosso país quando cotejados com quase todos os países da UE.
Ainda de acordo com o Oil Bulletin, por exemplo, relativamente à gasolina 95, e para o período que vai de 17de Março de 2014 a 2 de Março de 2015, em termos de preço antes de impostos, esta foi sempre mais cara em Portugal do que em Espanha, e sempre mais cara do que a média dos 28 membros da UE, oscilando as diferenças para mais, entre os 4,3 cêntimos por litro (valor máximo) e os 3,5 cêntimos por litro (valor mínimo). Também de acordo com o Oil Bulletin, para o mesmo período, o preço do gasóleo rodoviário antes de impostos, foi quase sempre superior em Portugal relativamente à Espanha, exceto entre 10 de Janeiro e 16 de Fevereiro deste ano, em que foi mais baixo, e relativamente à UE foi sempre superior à média, oscilando tal diferença entre um máximo de 3 cêntimos por litro e um mínimo de 0,3 cêntimos por litro, situando-se o valor médio em torno dos 2 cêntimos por litro.
No período que decorre entre Janeiro de 2014 e Fevereiro de 2015, o preço da gasolina 95 antes de impostos, era em termos médios, cerca de 2,56 por cento superior à média da União Europeia a 28.
Noutra abordagem, o preço da gasolina 95 antes de impostos era, em termos médios, em Fevereiro de 2015, inferior em 25 dos 28 países da UE ao preço do mercado português. Somente Espanha (exclusivamente nesse mês), Malta e Dinamarca tinham preços superiores.
Já no que concerne ao gasóleo rodoviário, o preço médio antes de impostos em Portugal, para o mesmo período da gasolina, era cerca de 4,6 % superior ao da UE a 28. Relativamente ao preço do gasóleo rodoviário antes de impostos, também em Fevereiro de 20215, somente quatro países tinham preços antes de impostos superiores a Portugal, a saber, Suécia, Malta, Dinamarca e Grécia. Todos os restantes tinham preços inferiores em cerca de dois por cento.
Na continuação de uma tendência que se vem verificando desde a privatização da empresa, a par da liberalização do mercado de combustíveis, os resultados líquidos da GalpEnergia, mesmo num período de grande depressão económica, com reflexos negativos nos níveis de consumo de combustíveis, vem mesmo assim apresentando valores muito elevados.
Para o período 2010/2014, os resultados líquidos (RCA) acumulados, atingiram o valor de 1610 milhões de euros. No primeiro trimestre de 2015 os resultados líquidos foram de 121 milhões de euros, o que compara com 47 milhões registados no período homólogo de 2014.
Apesar destes resultados, a GalpEnergia recusa-se a pagar ao Estado português a contribuição extraordinária para o setor energético.
Embora não conhecidos, por estarem diluídos em contas consolidadas, os resultados líquidos da operação no mercado nacional das outras companhias – BP, REPSOL, CEPSA, etc. - estarão seguramente em linha com este nível de resultados ou até porventura acima deles.
Porém, por outro lado, não nos devemos esquecer que a GalpEnergia deixou de ser exclusivamente uma empresa da área da refinação e comercialização, para passar a ser uma empresa com integração vertical, e que a atividade de refinação e distribuição constituía em 2014, somente 32 por cento do EBITDA na empresa, dado o ligeiramente maior peso das áreas de exploração e produção e de gás e eletricidade, com 34 por cento do EBITDA cada uma.
Já uma situação completamente diferente ocorre nas demais petrolíferas a atuar em território nacional, que têm somente a componente distribuição, com muito reduzidos investimentos face à GalEnergia, e que ou são abastecidas pela Petrogal ou importam das suas próprias refinarias, pelo que todos os seus bons resultados, resultam exclusivamente desta atividade.
Contudo, também não nos devemos esquecer que a componente refinação da Petrogal, apresenta desde há cerca de dois anos, maiores índices de produtividade resultantes dos grandes investimentos realizados no aparelho refinador nacional. Tal melhoria de índices obtidos, com impactes importantes na eficiência global das refinarias, seja através da redução de diversos custos variáveis, seja por via de um melhor aproveitamento e valorização das ramas, produzindo refinados mais valorizados no mercado, tais como gasolinas, gasóleos, jets e GPL, em detrimento de refinados menos valorizados como o fuelóleo e os asfaltos.
Acresce a tudo isto, ser expectável, que as margens de refinação da Petrogal tenham vindo tendencialmente a crescer desde Janeiro de 2014, pelo menos atá Janeiro de 2015, pois tem sido esse o comportamento geral na Europa, face à queda do preço do petróleo durante tal período (Energy Insights-OilDesz,Platts).
No que respeita ao desempenho das entidades fiscalizadores, a posição da AdC relativamente ao caráter empolado e cartelizado dos preços é de todos bem conhecida, ou seja, justificando sempre as posições das empresas do setor. Tudo está bem e assim pode e deve continuar.
Na mesma linha, a criação da ENMC/Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis, EPE, não trouxe até aqui nada de novo relativamente à política de preços dos combustíveis, enquanto vetor de dinamização da economia.
A resolução deste problema, não passa pela criação de novas entidades fiscalizadores, que afinal não fiscalizam nada do que é relevante, mas antes, como já atrás observámos, pela reversão do caráter privado da GalpEnergia, que, dado o seu peso no mercado nacional, acabaria por servir de referencial para as demais empresas.
Neste quadro e na continuidade de anteriores propostas, o Grupo Parlamentar do PCP propõe à Assembleia da República que recomende ao Governo a criação de um sistema de preços máximos dos combustíveis líquidos, mas também dos gasosos, que mais se ajuste aos níveis de produtividade da economia nacional e ao poder de compra das famílias face à Zona Euro, assim como a criação de um sistema de preços diferenciados para setores específicos da economia, tais como a agricultura, as pescas, os táxis e pequena camionagem de mercadorias, como também a promoção da instalação de redes de combustíveis alternativos da gasolina e do gasóleo, nomeadamente GPL, GNC e GNL.
Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo as seguintes medidas:
A) Relativamente ao regime de preços máximos.
A criação, pelo Governo, de um sistema de preços de combustíveis líquidos (gasolinas e gasóleos) ou gasosos (GPL, GNC e GNL), regulados, que tendo em atenção a viabilidade económico-financeira das empresas abrangidas e um eventual ajustamento da carga fiscal, estabeleça um mecanismo de preços máximos, que tenha como referência os respetivos preços médios antes de impostos na Zona Euro. Tal mecanismo deverá ter em atenção, pelo menos:
1. O preço máximo para os combustíveis líquidos em cada mês, ou para os gasosos em cada semestre, será calculado pela DGEG, tendo em conta o correspondente valor médio na zona euro no período anterior.
2. Deverão ser estabelecidos preços diferenciados, a saber: (i) gasóleo profissional para os subsetores do táxi e pequena camionagem de mercadorias; (ii) atualização das bonificações de gasóleo verde para a agricultura, pecuária, florestas e as pescas; (iii) deverá ser criada uma “gasolina verde”, assegurando um preço efetivo idêntico ao do gasóleo verde, para a pequena pesca e pesca artesanal.
B) Redes de combustíveis alternativos.
Com vista à redução a curto prazo, da fatura energética das famílias e das empresas, o Governo deverá promover a diversificação de combustíveis, através do uso de veículos energéticos alternativos, designadamente por via da adoção das medidas seguintes:
1. Instalação de uma rede Nacional de GNC – Gás Natural Comprimido, garantindo no mínimo um posto de abastecimento público por distrito.
2. Reforço da rede de GPL – Gás de Petróleo Liquefeito.
3. Adequação da atual legislação respeitante a veículos alimentados a GNC e GPL, com vista a facilitar o seu licenciamento, circulação e estacionamento, no quadro das necessárias normas de segurança.
4. Criação de condições para o uso do GNL – Gás Natural Liquefeito, em transportes rodoviários pesados de passageiros e de mercadorias.
C) Avaliação de problemas concorrenciais no mercado de combustíveis.
Neste domínio, devem ser consideradas:
1. A realização de uma auditoria global e independente ao mercado dos combustíveis nos diversos escalões das respetivas cadeias de valor: aquisição de petróleo bruto, refinação, transporte, armazenamento e comercialização por grosso e a retalho, que esclareça: (i) a formação do preço final dos combustíveis e os lucros das petrolíferas (ii) o diferencial de preços existentes entre as diferentes categorias (tipo e qualidade) de combustíveis vendidos nos postos de abastecimento.
2. Uma iniciativa junto dos órgãos da União Europeia para avaliação e verificação da conformidade com as regras da concorrência, dos mecanismos que conduzem aos índices Platts/NWE/Roterdão dos produtos refinados à saída das refinarias do Norte da Europa que servem de referência à fixação de preços à saída das refinarias em Portugal, assim como das cotações Platts/MED/Lavera para a zona do Mediterrâneo.
Assembleia da República, em 26 de junho de 2015.