A propósito dos fogos florestais neste Verão de 2003<br />Conferência de Imprensa com Agostinho Lopes, da

É preciso, infelizmente e mais uma vez de infindáveis vezes, que cenas dantescas de altas labaredas e extensas frentes de fogo, devorando hectares e hectares de floresta, destruindo um património económico e ambiental de todos nós, “acendendo” sentimentos de impotência, desolação e raiva, para que a floresta portuguesa ganhe espaço nos media e a atenção do Governo.Em duas décadas devemos ter permitido que mais de 2,5 milhões de hectares de floresta, mais de metade (talvez 75%) da área florestal portuguesa, à espantosa “velocidade” de mais de 100.000 hectares por ano, se tivessem transformado em cinzas e terra queimada. Um recorde entre os países do Sul da Europa.É preciso por isso que mais uma vez seja dito com toda a ênfase. A questão central dos fogos florestais é política. As responsabilidades como as soluções são do foro político. Não é do clima, dos incendiários, dos milhares de pequenos proprietários florestais que abandonam as suas matas e bouças. O problema é de políticas e de governos. De todos os que têm governado o País nos últimos anos. Do PSD, do CDS/PP e do PS. Esta é uma questão onde a similitude de comportamento do PSD e PS é flagrante. Quando na oposição a responsabilidade é sempre atirada para cima do Governo e do partido que o sustenta.Quando no governo a responsabilidade é do clima ou de mãos criminosas, como ainda a semana passada vimos afirmar pela boca do Ministro da Administração Interna a propósito do grave incêndio florestal que atingiu a maior mancha de pinheiro bravo da Europa nos concelhos da Sertã, Mação e Vila de Rei.Sempre a responsabilidade da natureza ou de homens perversos como cortina de fumo para esconder, anos, décadas de criminosa passividade e mesmo cumplicidade com o estado da floresta portuguesa. Resultado de sucessivas políticas florestais e agrícolas de sucessivos governos do PSD e do PS.Sempre as promessas de que para o ano é que é. Como ainda ontem aconteceu, com o Ministro da Administração Interna, de visita ao mais grave dos presentes focos de incêndio na Serra de Açor e Serra da Gardunha (ainda não extinto a esta hora). Ministro que “deseja que no próximo ano se tomem antecipadamente medidas” para acrescentar demagogicamente “é altura de passarmos a novos métodos”. E depois de referir (pela milésima vez o que sucessivos ministros de sucessivos governos têm dito) que não se pode apostar apenas no combate, a aposta terá que ser na prevenção, acaba por tentar passar as culpas para os proprietários das matas, que terão que “assumir responsabilidades directas pelo estado em que as deixam ficar e pela falta de cuidado na sua limpeza”. É um escândalo, uma vergonha, que o Sr. Ministro não se tenha lembrado que, mais palavra menos palavra, já tinha dito o mesmo há um ano, anunciando um Projecto Nacional de Prevenção e Combate para Setembro de 2002!!É um escândalo e uma vergonha que se venha mais uma vez tentar responsabilizar quem teve de abandonar a sua terra na procura de um emprego em Lisboa ou no estrangeiro, o agricultor arruinado pelas políticas agrícola e florestal ou os reformados do mundo rural – eles que são as principais vítimas, os mais directamente atingidos pelos fogos florestais! Quer os governos do PSD, este e os anteriores, quer os governos do PS nunca, mas nunca, se dispuseram a intervir a sério, de forma enérgica e persistente, com adequados meios técnicos e financeiros, e numa apelativa chamada à participação dos proprietários da floresta e dos meios rurais, numa política de prevenção eficaz contra esse trágico flagelo.O mais que vão ensaiando diz respeito a meios e políticas de combate aos fogos (e às vezes nem isso ), que sendo necessários, continuam a ser em geral e apenas paliativos para debelar a doença já ... galopante, qualquer que seja a sua origem ou razão! Iniciativas que às vezes são simples fogachos propagandísticos como aconteceu com a sessão do actual Ministro da Administração Interna, apresentando em Viseu com pompa e circunstância, em 27 de Maio passado, um Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais.Apesar da possibilidade de serem disponibilizados vultuosos meios, incluindo os de origem comunitária, apesar da boa legislação aprovada quase consensualmente na Assembleia da República, tem faltado uma efectiva vontade e capacidade políticas para romper com interesses escusos bem conhecidos, com a estagnação e marasmo de serviços oficiais desanimados e paralisados por contraditórias e restritivas políticas da Administração Central, impotentes perante as limitações e obstáculos objectivos, físicos e sociais levantados por uma floresta profundamente fragmentada do ponto de vista fundiário, muito abandonada, e a exigir uma corajosa e persistente intervenção. Falta a decisão política e orçamental de concretizar os investimentos públicos que a situação exige. Não é verdade que durante dez meses do ano ninguém se lembre “de reflectir sobre as razões que conduzem à devastação da floresta nacional”. Ao PCP não pode ser feita essa acusação, nem a de que não tenha ao longo de muitos anos, alertado e proposto soluções para o problema. Como novamente aconteceu ao longo da sessão legislativa agora terminada e após os incêndios do verão do ano passado (intervenções e apresentações de propostas na Assembleia da República e Parlamento Europeu, visitas de sensibilização do Secretário-geral, iniciativas públicas, etc., etc.), seguindo uma tese central: os fogos do verão combatem-se no outono, inverno e primavera. Há que decidida e rapidamente avançar nos eixos centrais da Resolução (apresentada pelo PCP) aprovada por unanimidade na AR, e em particular: acelerar os programas de compartimentação e diversificação da floresta portuguesa, cumprindo-se a Lei de Bases da Política Florestal e elaborar com urgência os planos regionais de Ordenamento Florestal e os Planos de Gestão Florestal conforme essa Lei, e as orientações do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. Em três palavras: ordenamento florestal já! Basta de hesitações, de tacteios, de faz que anda mas não anda, ordenamento florestal já! Que a Sr.ª Ministra das Finanças esqueça o PEC e abra os cordões à bolsa, que o Sr. Ministro da Agricultura tome as medidas necessárias no aparelho do ministério, que o Sr. Primeiro-ministro e o governo cumpram e façam cumprir as leis existentes para a floresta portuguesa! Basta de fogos florestais!

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