A
propósito do Pagamento Especial por Conta (PEC) vem o Governo
PSD/CDS-PP desenvolvendo um despudorado exercício de hipocrisia
política e tentativa de mistificação da opinião pública. Atente-se:
1.
Hipocrisia e despudor porque ao longo dos últimos anos os partidos do
Governo, PSD e CDS-PP, na oposição, ziguezaguearam ao sabor das
conjunturas e das alianças que iam fazendo com o PS, para a passagem
dos Orçamentos do Estado de 1997, 1998 e 1999. É ver as páginas do
Diário da Assembleia da República sobre matéria fiscal. É ver os
artigos na imprensa que sobre o assunto, incluindo a ministra Ferreira
Leite, foram produzindo. A desfaçatez do PSD então é notável. O PSD na
oposição, tendo como deputados aqueles que são hoje ministros,
secretários de Estado, presidentes de câmaras e dirigentes e deputados
do PSD, não hesitaram perante nada no combate à «colecta mínima»
primeiro, e depois ao «pagamento especial por conta», a que continuaram
a chamar colecta mínima. Desde o célebre outdoor «Pena máxima para a
colecta mínima», até aos debates de urgência, apresentação de projectos
de lei e, em particular, com a chamada de Apreciação Parlamentar do
Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de Março – o Decreto-Lei que, na base de
uma autorização legislativa de 27 de Dezembro 1996, aprovada pelo
CDS-PP, criou o PEC – Pagamento Especial por Conta. E o mais notável
neste debate parlamentar é que o PSD, em cuja bancada estava a actual
ministra Ferreira Leite, negou toda a validade aos argumentos então
expendidos pelo governo e deputados do PS em defesa da criação do PEC!
Argumentos de o PEC combater a evasão fiscal de milhares de empresas e
fazer justiça fiscal, o de assim se proceder ao saneamento do tecido
económico português, eliminando as empresas que hoje o
primeiro-ministro diz que são «fictícias». Argumentos que hoje,
despudoradamente, o Governo usa em defesa do «seu PEC»!
(Senhores Jornalistas, leiam as páginas desse Debate de 27 de Abril de
1998, e em particular a intervenção inicial do deputado do PSD Rui Rio,
que apresentou e justificou o pedido de apreciação do Decreto-Lei.)
2.
Hipocrisia e desfaçatez porque estes senhores e senhoras que agora vêm
clamar contra a «injustiça fiscal» são os mesmos que, ao longo de um
ano e três meses de governação aliviaram a carga fiscal das SPGS, das
holdings dos grandes grupos económicos e financeiros portugueses,
eliminaram a tributação das mais valias da especulação bolsista (que
por decisão do governo PS estava apenas suspensa), criaram novas
condições mais favoráveis para as empresas do sector financeiro
sediadas no offshore da Madeira, continuam a opor-se à derrogação do
sigilo bancário para efeitos fiscais; permitem que a banca só tenha
pago, em 2002, 16% de Imposto sobre os lucros (já descontadas as
amortizações e provisões).
Os mesmos senhores que mantiveram
vultuosos benefícios fiscais e uma clara cumplicidade com a evasão
fiscal através dos offshores.
Entretanto, no Orçamento do Estado
para 2003 o Governo e a maioria PSD/CDS-PP impuseram um brutal
agravamento da carga fiscal sobre as micro, pequenas e médias empresas
com o aumento de 28% da tributação em regime simplificado que passou,
no IRS, de € 2436 (488,3 contos) para € 3125 (626,5 contos) e no IRC,
de € 4872,14 (976,7 contos) para € 6250 (1253 contos) e, sobretudo, com
o enorme aumento do Pagamento Especial por Conta.
Assim, o
limite mínimo do PEC aumentou de € 498,80 (100.000$00) para € 1250
(250.000$00) e o limite máximo de € 1496,39 (300.000$00) para € 200.000
(40 mil contos) tendo igualmente sido alterada a base de cálculo
(diferença entre 1% dos respectivos proveitos e ganhos do ano anterior
com aqueles limites mínimo e máximo e o montante dos pagamentos por
conta efectuados no ano anterior).
É evidente que este
agravamento não tem por base nenhuma análise de rentabilidade efectiva
dos sectores e empresas atingidas mas teve exclusivamente como
objectivo aumentar a arrecadação pelo Estado de mais receita fiscal
para atingir, a todo o preço, o valor do irracional défice orçamental
resultante do Pacto de Estabilidade.
É preciso destacar e
sublinhar esta questão. O PEC já existia no Orçamento do Estado para
2002 e, que se saiba, não levantou protestos significativos. O que
agora acontece, por responsabilidade única do governo de Durão Barroso,
é o resultado da subida brutal do valor mínimo do PEC de 100 contos
para 250 contos, que afecta particularmente os milhares de pequenas
empresas até 3 trabalhadores!
3. Hipocrisia e desfaçatez porque o
Governo sabe, como todos os especialistas vão referindo, mesmo quando
estão de acordo com ele, que o actual PEC não é nem pode ser o
instrumento fundamental ou decisivo para combater a real evasão fiscal.
O Governo sabe que esse combate terá de passar por uma Administração
Fiscal ágil e motivada, «ágil na utilização da informática» bem
equipada em meios humanos e materiais, e o fim da reverência religiosa
pelo segredo bancário. Ora, não é nesta direcção que o Governo avançou
ou quer avançar. Bem pelo contrário.
O PCP há muito que reclama
um efectivo combate à fraude e evasão fiscal. E sempre considerou que
os Pagamentos Especiais por Conta, aprovados em 1998 poderiam
constituir um instrumento fiscal complementar para esse objectivo.
Só que isto nada tem a ver com o agravamento cego do imposto que foi
aprovado no Orçamento do Estado para 2003 nem com o facto de não se ter
em conta o real nível de rentabilidade dos diferentes sectores de
actividades e micro e pequenas empresas atingidas pelo PEC, sejam os
industriais de táxi, os agentes de viagem, as empresas de hotelaria e
restauração ou múltiplos outros sectores de actividades.
O
brutal e inesperado aumento do PEC, mais a mais num período de recessão
e quebra da actividade económica, traduz-se numa insuportável
dificuldade económica e de tesouraria para as empresas atingidas.
4.
Hipocrisia e desfaçatez quando, na argumentação em defesa do PEC, o
primeiro-ministro e a ministra das Finanças usam a comparação com a
retenção na fonte do IRS dos trabalhadores por conta de outrém. Porque
o Governo sabe que uma elevada percentagem de pequenas empresas (como
sucede com os industriais de táxi) com resultados negativos ou nulos
sobrevivem porque representam o salário do empresário e de mais um ou
dois familiares ou outros sócios, e que esses salários são tributados
em sede do IRS. E o despudor é tanto maior nesta argumentação quando é
da política de direita deste Governo (e do anterior) para combater o
desemprego dar incentivos aos «desempregados» para criarem a sua
própria empresa! Não se lembram dos slogans «criar o seu próprio posto
de trabalho»! Não foi assim que o Governo respondeu ao desemprego na
Coats e Clark, onde aliás quer aplicar 5 milhões de euros de fundos
deslocados do apoio aos pequenos empresários, para criação de «novos
pequenos e pequeníssimos empresários»?
Mas desfaçatez também
porque o Governo sabe que a retenção na fonte do IRS dos trabalhadores
por conta de outrém é feita sobre um rendimento real obtido nesse
momento, e o PEC – uma espécie de adiantamento do IRC a pagar – é feito
na base de um presumível lucro, calculado de forma esdrúxula a partir
do volume de proveitos, sem atender à diversidade de rendibilidades e
situação muito diferenciada do universo dos pequenos e médios
empresários. E isto porque este Governo (tal como o anterior) nunca
mais avança com os indicadores de base tecnico-científica para os
diferentes sectores de actividade económica com vista à determinação
das taxas específicas a aplicar a cada ramo de actividade. Apesar das
sucessivas propostas e reclamações do PCP. Mas não só. Enquanto os
contribuintes do IRS recebem de forma automática, em cada ano, o
excesso pago com a retenção na fonte, os pequenos contribuintes do IRC,
para receber o diferencial pago a mais com o PEC, têm de requerer uma
inspecção aos Serviços Tributários, que pagarão do seu bolso, como
ainda ontem confirmou a Sra. ministra das Finanças. Custo de inspecção
que será para as pequenas empresas em geral, superior ao diferencial a
receber! Isto é, em geral, nada receberão de reembolso, o que significa
que para os contribuintes que pagam de PEC o valor mínimo (1250 euros)
o Pagamento Especial por Conta transforma-se, de facto, numa colecta
mínima.
5. Hipocrisia e desfaçatez porque, ao mesmo tempo que a
Sra. ministra das Finanças, às 20 horas em solene Conferência de
Imprensa, declarava a firme decisão do Governo de manter o quadro de
aplicação do PEC em 2003, o Ministério das Finanças cedia perante a
luta dos taxistas, aceitando que estes possam vir a ter um regime
fiscal específico face à natureza e características próprias das suas
empresas, prometendo-lhes desde logo a isenção do pagamento da
prestação do PEC de Novembro.
É espantosa a «compreensão» e
quase emoção da Sra. ministra perante a situação de pouca
rentabilidade, em particular dos taxistas do interior do País.
E
a situação difícil de todos os outros pequenos empresários de outros
específicos sectores de actividade, Sra. ministra? Vai ou não criar
grupos de trabalho com as suas associações empresariais para abordar a
especificidade das suas situações até fins de Outubro, e isentá-los
também de pagamento da prestação de Novembro? Onde estará a justiça
fiscal se tal não for concretizado?
Mas, sendo conhecida da Sra.
ministra a necessidade de adequar o IRC e o PEC à conhecida
especificidade desses sectores, como deixou o Governo a situação chegar
a este ponto? Como não apresentou em sede do Orçamento do Estado ou
posteriormente as alterações necessárias?
Não há palavras que possam descrever com suficiente expressividade estes comportamentos políticos.