Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Projeto de planeamento para o período após a conclusão do programa de ajuda económica a Portugal

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Magalhães,
Queria saudar o seu regresso à Assembleia da República. V. Ex.ª destacou-se neste Parlamento, ao longo de muitos anos, como um parlamentar brilhante e combativo. É sempre uma valorização para o Parlamento a sua participação nos debates nesta Câmara.
Quero, em nome da bancada do PCP, agradecer e retribuir os votos de bom ano que o Sr. Deputado teve a amabilidade de nos endereçar.
Queria também registar as suas palavras no que se refere à disposição em defender a Constituição Portuguesa dos ataques de que ela tem vindo a ser alvo por parte do Governo e pela aprovação de sucessivos diplomas eivados de inconstitucionalidades.
Sr. Deputado, José Magalhães, relativamente àquilo que nos referiu como sendo o novo rumo defendido agora pelo Partido Socialista, ficámos com alguma perplexidade quanto à questão de saber em que é que esse novo rumo difere do anterior do Partido Socialista. E algo que nos deixou preocupados foi o seguinte: ou eu percebi mal ou o Sr. Deputado veio aqui anunciar que o Partido Socialista ia tomar a iniciativa em matéria de leis eleitorais. Pareceu-me que o Sr. Deputado se referiu a isso.
Então, eu diria que, em matéria de propostas de leis eleitorais, o passado do Partido Socialista não é brilhante, porque aquilo que propôs, em momentos anteriores, foram precisamente propostas no sentido de acentuar a bipolarização parlamentar por via de engenharia eleitoral.
Portanto, se o Partido Socialista quer reincidir nessa matéria, vamos muito mal relativamente à defesa de valores essenciais do regime democrático.
Mas o Sr. Deputado referiu um outro aspeto, que é o pensamento estratégico para a Europa. Ora bem, lembro-me de que, há uns tempos, o Partido Socialista anunciava que a vitória do Sr. Hollande em França iria mudar completamente a Europa. Seria o fim do ciclo de austeridade e entraríamos no ciclo do crescimento, dada a importância que a vitória do Sr. Hollande teria em França.
Ora bem, a que é que assistimos imediatamente a seguir? Foi à consolidação da aliança da França do Sr. Hollande com a Alemanha da Sr.ª Merkel.
Mas, depois, o segundo objetivo era: se a Sr.ª Merkel perdesse as eleições e o SPD fosse para o governo na Alemanha, então aí é que tudo se ia alterar. Bom, a que é que estamos a assistir? A que o SPD, neste momento, está no governo, de braço dado com a Sr.ª Merkel, e nós não vemos jeitos, como diz o povo, de que algo se altere relativamente às orientações das grandes potências que dominam a União Europeia.
Portanto, Sr. Deputado, é preciso que nos explique em que é que o novo rumo que propôs difere do anterior, porque, de facto, a questão que se coloca é esta: quando os Srs. Deputados contestam — e fazem muito bem em contestar — a política de austeridade…
Os Srs. Deputados ainda não nos disseram se, quando contestam a política de austeridade, consideram ou não que, para ultrapassar esse ciclo de austeridade, é indispensável romper com o Memorando da troica, que os senhores assinaram e que nos conduziu precisamente a essa austeridade.
Isso os senhores ainda não nos disseram e têm de nos dizer. O Sr. Deputado disse há pouco: «Ah, mas o FMI e a União Europeia reconhecem os erros cometidos». Sr. Deputado, não se fie nisso, porque eles, todos os dias, reconhecem os erros cometidos, mas todos os dias insistem em impor a austeridade que eles próprios reconhecem que está errada, mas não impõem outra coisa!
Portanto, a questão é a de saber se o Partido Socialista considera ou não que é indispensável uma renegociação séria da dívida portuguesa, dos seus montantes, dos seus juros, dos seus prazos de pagamento, ou se considera que é suficiente que nos fiemos na troica, no reconhecimento dos erros e que nos continuemos a entregar nos braços dessa troica que nos tem conduzido até aqui.

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