Projecto de Revisão Constitucional - Intervenção de Encerramento de Bernardino Soares

A comemoração do 25 de Abril com a revisão constitucional
é um insulto à Revolução dos Cravos. Este é
mais um processo de desrespeito pelos valores da Constituição
de Abril.
Em primeiro lugar pelo inaceitável processo desta revisão. Mais
uma vez ela foi negociada à margem do Parlamento e da Comissão
Eventual de Revisão Constitucional. Mais uma vez a CERC teve a função
de tabelião dos acordos do PSD, PS e desta vez do CDS.
Desta vez algumas propostas entraram até poucas horas antes do debate
em Plenário, num inaceitável desrespeito pelo Parlamento, pelos
Deputados e pela própria Constituição.
O PS fez o papel o papel do costume. Foi o PS que desencadeou este processo
de revisão constitucional. Foi o PS que afirmou e reafirmou a sua indisponibilidade
para outras alterações recusando liminarmente outras alterações
para além das três matérias sobre as quais inicialmente
propôs alterações. Mas como de costume o PS acabou por ceder
à direita e abrir caminho a mais alterações à Constituição.
Acabou por aceitar e subscrever convictamente aquela que é a alteração
que vai marcar esta revisão constitucional: a matéria relativa
ao futuro tratado europeu.
O que os contratantes do acordo constitucional fazem é introduzir uma
inaceitável submissão constitucional ao direito comunitário.
Trata-se de uma machadada na soberania nacional em vésperas da celebração
do 30º Aniversário da Revolução que devolveu a soberania
ao povo português. Esta é a questão central desta Revisão
Constitucional e o ponto essencial que motiva o nosso voto contra.
PS, PSD e CDS aceitam a pretendida supremacia da dita Constituição
Europeia mesmo sem o Tratado estar aprovado e o tão prometido referendo
não se ter realizado.
Invocam a teoria de que sempre foi assim mas não explicam porque nunca
o disseram ao povo português. Vital Moreira classificou aliás hoje
mesmo esta alteração como uma cláusula da auto-derrogação.
A alteração aprovada constitui igualmente uma enorme hipocrisia
designadamente face à questão do referendo.
PS, PSD e CDS dizem querer o referendo, mas aceitam desde já a dita
“constituição europeia”.
PS, PSD e CDS dizem querer o referendo e salientaram até aqui, neste
debate, a importância do acto de ratificação pelo Estado
Português, mas rejeitaram a proposta do PCP que permite o referendo da
vinculação do Estado a um tratado europeu.
PS, PSD e CDS querem manter uma norma constitucional que foi produzida para
dificultar a realização de um referendo com eficácia, em
que o sim, mas também o não condicionem as opções
do Estado português.
PS, PSD e CDS aceitam já aqui a dita Constituição Europeia,
independentemente do seu conteúdo e não querem um referendo, pelo
menos um referendo em que o povo português possa efectivamente decidir
e não apenas participar numa farsa referendária.
Há apesar disto alguns pontos positivos nesta revisão.
O mais importante é sem dúvida o aperfeiçoamento das regras
das autonomias regionais. Empenhámo-nos desde o início neste aperfeiçoamento
que mantém os traços fundamentais do modelo autonómico.
Foram acolhidas algumas das nossas propostas, como por exemplo:
- A criação do Representante da República e a sua nomeação
pelo Presidente da República;
- A atribuição do poder de dissolução das Assembleias
Legislativas Regionais ao Presidente da República
Foi também importante a clarificação das competências
legislativas. Embora não sendo a solução por nós
proposta (teríamos preferido por exemplo também manter as leis
de valor reforçado reservadas aos órgãos de soberania),
o resultado obtido é positivo.
Ficou por aprovar a equiparação do regime de incompatibilidades
e impedimentos das Assembleias Legislativas Regionais ao da Assembleia da República,
pondo fim à situação que continua a existir na Região
Autónoma da Madeira.
Exige-se a revisão das leis eleitorais das Regiões Autónomas.
Nos Açores para resolver a perversidade que pode resultar do actual regime
eleitoral, para aumentar a proporcionalidade, respeitando a representação
das ilhas.
Quanto ao que está proposto para a Madeira, estamos em desacordo com
um aumento da proporcionalidade à custa da redução do número
de Deputados e da representatividade plural e democrática.
Outro ponto positivo é a derrota do revanchismo da direita contra a
constituição e as conquistas de Abril. Trata-se de revanchismo
procurar eliminar o preâmbulo e inúmeras normas dos direitos dos
trabalhadores e dos direitos socais. É a concepção de quem
entende a Constituição como obstáculo à sua política
(e ainda bem que o é).
A direita queria eliminar entre outras a referência à segurança
no emprego, à intervenção democrática na vida das
empresas, menorizar o direito à greve, desproteger os trabalhadores face
aos empregadores, diminuir a universalidade de direitos sociais.
Segundo o dicionário o significado de revanchismo é:
- Desejo obstinado de vingança;
- Espírito de desforra de modo especial no campo político, após
uma derrota
- Atitude agressiva provocada pelo desejo de desforra política.
Era exactamente isso que a direita queria com o seu projecto de revisão
constitucional.
No 25 de Abril e na sua Constituição ganhou o povo português
na conquista da liberdade e da democracia, mas também de direitos sociais
e dos direitos dos trabalhadores.
É contra estes direitos que a direita quer a desforra.
Os patéticos cumprimentos e elogiou mútuos que se ouviram entre
PS, PSD e CDS, os contratantes deste acordo de revisão, escondem uma
alteração negativa, designadamente nas questões europeias.
Votamos contra a menorização da Constituição Portuguesa.
Votamos contra a mutilação da soberania nacional.
 

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