Projecto de Resolução

Projecto de Resolução nº 53/X - Privatização dos Cartórios Notariais

Suspensão do processo de Privatização dos Cartórios Notariais

 

Para pesquizar a situação: clique aqui

 

O processo de privatização do Notariado iniciado em 2002 que desencadeou uma progressiva transferência de competências públicas para profissionais liberais tem levantado inúmeros problemas práticos que necessitam ponderada reflexão.

Considerando:

As tomadas de posse dos notários, ao abrigo do novo regime, que só se poderiam verificar depois do rigoroso cumprimento do estipulado no Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Setembro, que aprova o Estatuto do Notariado, obrigando, designadamente, à prévia inspecção e aprovação das novas instalações;

As exigências estipuladas pelo Decreto-Lei nº 26/2004, nunca conferidas, designadamente os requisitos impostos pelo artigo 121º, do Estatuto do Notariado no que concerne ao arquivo e equipamento;

O facto da Direcção Geral dos Registos e Notariado não ter estado em condições de assegurar o cumprimento da lei no que diz respeito à integração dos funcionários que não transitam para o regime de notariado privado;

A necessidade de uma elevada planificação técnica e profissional dos notários e funcionários, condição para poder responder às exigências da actividade notarial;

As perturbações que ao longo deste processo se têm vindo a registar quer ao nível da transferência das competências, quer ao nível de funcionários, com claro atropelo a direitos e expectativas legítimas dos que lhes estão afectos;

A constatação de que as normas de transição para o novo regime do notariado vieram determinar regras distintas de afectação aos quadros de pessoal da Direcção Geral dos Registos e Notariado, para os que optem por esta solução, nomeadamente para cerca de dois mil funcionários (ajudantes e escriturários);

A legítima expectativa por parte dos funcionários, relativamente à carreira e à manutenção de um determinado vencimento de exercício, podendo este oscilar em função do rendimento dos serviços, não se garantindo assim, que aquele vencimento não possa conhecer reduções;

O conhecimento público de que a receita do Estado proveniente da actividade dos cartórios notariais enquanto entidades públicas rondavam os 210 milhões de euros e que o seu desempenho foi ao longo dos anos exemplar, enquanto prestador de serviço público;

O facto do Ministério da Justiça deixar agora de receber uma parte substancial dessa verba e passa a ter a seu cargo os vencimentos de mais de mil funcionários que não transitam para o sistema privado e que por isso serão colocados nas Conservatórias.

 

Considerando ainda,

Que os cartórios notariais no seu conjunto, depois de deduzidas todas as despesas, designadamente os vencimentos, rendas de instalações, despesas fixas de água, luz, telefone, vinham a depositar anualmente, à ordem do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça, cerca de 150 milhões de euros (cerca de 30 milhões de contos), verba essa que deixa de ser transferida;

Que os cerca de 100 cartórios, dos pequenos concelhos, 68 dos quais anexados às conservatórias, são deficitários em termos de receita emolumentar, desconhecendo-se candidatos para concelhos como a Calheta, Machico, Ribeira Brava, Santana, Pico, Corvo, Alvito, Barrancos, Gavião, Moura, Boticas, Armamar, entre outros;

Que a apregoada baixa de preço de 10 a 30% dos actos notariais, não se verifica, antes pelo contrário, há uma clara progressão de custos para o utente e um comprovado incumprimento relativamente aos actos que dão menos lucro financeiro;

Que uma das conclusões de sempre é não terem sido criados o número de cartórios notariais públicos necessários para possibilitar maior celeridade dos processos;

Que a modernização e a desburocratização eram medidas essenciais, com vista à melhoria da prestação do serviço público e que não foram assumidas pelos sucessivos Governos com o objectivo da privatização deste serviço;

E que o notariado é um elemento fundamental do sistema de justiça e que é um instrumento ao serviço da segurança e da certeza no âmbito das relações jurídicas,

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo:

 

I- Quanto ao processo de acesso à função notarial e atribuição do título de notário:

1. A suspensão imediata do processo de privatização do notariado, iniciado com a aprovação do novo regime jurídico do notariado, com vista à reavaliação da situação e à necessária adopção de medidas que atenuem os prejuízos já sentidos;

2. A suspensão de “tomadas de posse” dos notários a quem foi concedida licença privada na primeira fase, até que sejam cumpridos os requisitos expressamente estipulados pelo Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro, que aprova o Estatuto do Notariado, relativamente às instalações, às inspecções prévias e à colocação dos funcionários em serviço na Direcção Geral dos Registos e Notariado de acordo com as suas pretensões;

3. A suspensão do processo relativo à segunda fase da privatização como única forma de impedir o avolumar dos problemas já existentes;

4. A implementação de medidas que possibilitem a coexistência em funções dos dois sistemas de notariado, público e privado, enquanto durar a suspensão e se avaliar qual o melhor procedimento a adoptar.

 

II- Enquanto durar a suspensão e relativamente à prestação do serviço público de notariado, a Assembleia da República recomenda a adopção de medidas que permitam:

1. A reestruturação dos serviços de notariado adaptada à realidade económica e social que aposte na inovação dos serviços e desenvolva um programa intensivo de formação profissional qualificada dos seus notários e funcionários;

2. A adopção de medidas de melhoria das várias instalações dos serviços afectos ao sistema público, que se encontrem em condições degradantes para a prática da actividade notarial e, ao mesmo tempo, a dotação dos meios informáticos indispensáveis ao bom desempenho dos serviços prestados;

3. A reorganização do serviço com a correspondente reorganização dos quadros de pessoal tendo em conta a nova realidade e o necessário aproveitamento e optimização dos recursos existentes;

4. O redimensionamento dos quadros e a revalorização e implementação de novos modelos de gestão de serviços

5. A reestruturação do Centro de Formação e do Serviço de Avaliação e Inspecção para permitir a melhoria da prestação do serviço.

 

III- No que concerne aos funcionários dos Cartórios Notariais já reintegrados noutros serviços, designadamente nas conservatórias de registos:

1. Devem ser assegurados a formação adequada ao exercício de novas funções, assim como, os direitos à mobilidade e à progressão e promoção na carreira;

2. Devem ser garantidos os níveis de remunerações base e de exercício, bem como as devidas participações emolumentares pessoais que auferiram no local de origem antes da reintegração e deverá ser tido em conta o pedido de ingresso em serviços externos no seu local de residência ou dentro da mesma área, desde que se encontrem deslocados;

3. Deve ser salvaguardado o direito à informação sobre os critérios, métodos e processos de “afectação”, nomeadamente, a publicidade do acto, cuja eficácia depende de publicação no Diário da República, a transparência, fundamentação e publicitação dos critérios e a salvaguarda do direito à reclamação e ao recurso não contencioso, através de mecanismos de audiência prévia e de conhecimento de actos praticados em todo o processo ou com ele relacionados.

 

Assembleia da República, em 8 de Julho de 2005

 

 

  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução