Sobre a necessidade de alterar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, transformando-o num instrumento ao serviço do crescimento económico, da criação de emprego e da concretização da coesão económica e social
O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) foi adoptado em Junho de 1997 no Conselho Europeu de Amesterdão no contexto da criação do euro e da integração de diversas moedas na mesma zona monetária europeia, visando contribuir para a concretização de uma política de estabilidade de preços e de reforço do processo de convergência nominal. Desde então o PCP assumiu uma posição profundamente crítica relativamente aos fundamentos e ao modelo deste instrumento de coordenação da política económica europeia. Houve tempos em que as críticas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento foram feitas e sustentadas em exclusivo pelo PCP, nomeadamente na Assembleia da República e no Parlamento Europeu. Hoje, confirmados pela vida os graves prejuízos que a aplicação obsessiva das suas regras e normas acarretaram para a economia e para a degradação da situação social e o aumento do desemprego no nosso País, são bem menos aqueles que ainda sustentam o actual e inflexível modelo do Pacto de Estabilidade. O PEC é um instrumento que se baseia numa opção exclusiva de defesa de uma política de estabilidade de preços – mormente através de uma extremada moderação salarial - e que sustenta a disciplina orçamental na fixação arbitrária de um valor fixo de défice igual para todos os Estados membros, independentemente dos respectivos níveis de desenvolvimento ou necessidades específicas. O PEC é um instrumento que tornando inquestionáveis, inflexíveis e de cumprimento obrigatório as suas próprias regras, visa no essencial provocar a transferência de recursos públicos para o sector privado no sector económico e financeiro ou nas áreas sociais, (mormente com as políticas de privatização e de desresponsabilização do papel do Estado nas políticas públicas), não atendendo às consequências agravadas decorrentes de condições económicas desfavoráveis nem tão pouco considerando a evolução dos diversos ciclos económicos. O PEC revelou-se profundamente desadequado, autêntica fonte de instabilidade económica, sem qualquer nível de articulação sustentada com o crescimento e o desenvolvimento económico, muito menos com considerações de tipo social. A sua inconsistência e desadequação tornaram-se tão notórias, as suas consequências económicas e sociais tão dramáticas que muitos dos que o defenderam como dogma absoluto e inquestionável não hesitaram em classificá-lo como instrumento “estúpido”, aceitando agora a necessidade da sua alteração. Mesmo países, como a Alemanha, que tanto insistiram (e até impuseram) a sua aprovação em Amesterdão, não conseguiram manter as respectivas finanças públicas dentro dos limites arbitrários definidos no PEC e são hoje, pelo menos aparentemente, defensores da sua revisão. O PEC é um instrumento que, tendo sido aplicado em Portugal de forma inflexível e por vezes obsessiva, conduziu a resultados que o País rejeitou nas urnas em 20 de Fevereiro e que não pode nem quer voltar a suportar. Na verdade, a aplicação cega do PEC conduziu ao aprofundamento da crise económica e à recessão económica, à baixa dos salários reais e à quebra continuada do poder de compra, à contracção do mercado interno e ao desemprego galopante que no final de 2004 atingia meio milhão de portugueses. Ao longo de anos o PCP não só criticou o PEC e a sua aplicação em Portugal como em diversos momentos, de forma reiterada, se bateu pela sua suspensão, tendo apresentado múltiplas iniciativas visando a sua substituição por um outro instrumento de coordenação das políticas monetárias e das finanças públicas orientado para objectivos bem diferentes, centrados no crescimento económico, na criação de emprego, na concretização da coesão económica e social e da convergência real, na consideração das particularidades e necessidades específicas das economias mais débeis dos países membros da União Europeia, nomeadamente ao nível do investimento. Estes objectivos, sempre o dissemos, não são incompatíveis, antes pelo contrário, com a necessidade de acentuar critérios de rigor, de transparência e de disciplina nas finanças públicas. Hoje importa insistir na necessidade de rever o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Desde há meses que nas instâncias comunitárias se debatem os termos que devem ser seguidos para proceder a uma alteração do PEC. Aproxima-se mesmo o momento da tomada de decisões relativamente às modificações anunciadas para este instrumento sem que a Assembleia da República tenha sido chamada a debater e a concertar previamente a posição de Portugal com o Governo (conforme consta do ponto 1 da Resolução 24/2004, de 26 de Fevereiro, aprovado por unanimidade). Importa no fundamental aproveitar o momento para garantir que a revisão do PEC não se limite a alterações de fachada, talhadas à medida de interesses conjunturais de alguns dos países economicamente mais poderosos, ou criando condições para que a flexibilidade anunciada seja aplicada apenas em função do peso relativo dos países onde venham a ocorrer défices orçamentais superiores aos valores acordados. Importa também garantir que nas novas regras de um PEC alterado sejam incluídos aspectos que atendam às necessidades de investir na educação e na formação, na investigação e na ciência, na eliminação das debilidades infra-estruturais dos países de economia mais frágil e que sustentem condições para a convergência real e para a concretização da coesão económica e social. Neste contexto, a Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do Artigo 106º da Constituição:
Assembleia da República, em 16 de Março de 2005
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