Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 363/X - Guantánamo

Interdição do espaço aéreo nacional a aeronaves com destino ou origem em Guantánamo

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A base militar dos Estados Unidos na baía de Guantánamo surge hoje indiscutivelmente associado a uma prisão ou campo de detenção, envolto em secretismo, escondido dos olhares públicos, reservado do escrutínio democrático e livre. Guantánamo tornou-se sinónimo de violação dos Direitos Humanos.

Nos últimos anos têm-se sucedido notícias e informações, sobretudo com relevância para as veiculadas por ex-detidos em Guantánamo, que, de forma credível e verosímil, apontam, com insistente vigor, para a sistemática violação de elementares direitos fundamentais que é cometida nesse campo de detenção.

De acordo com inúmeros testemunhos, em Guantánamo estão detidas centenas de pessoas oriundas de países diversos, meses e anos a fio, sem culpa formada, sem saberem onde estão, de que serão acusadas, porque motivo aí se encontram, sendo que não foram presentes a nenhum juiz ou magistrado, nem serão porventura levadas a julgamento justo e equitativo. Em Guantánamo a privação da liberdade é ilegal, infundada, arbitrária, e por isso ofensiva dos direitos fundamentais.

Já recentemente deu a comunidade internacional nota de uma soberana, ainda que tardia, mas relevante decisão do Supremo Tribunal dos EUA, garantindo o acesso à providência de habeas corpus para todos os prisioneiros detidos em Guantánamo. O supremo tribunal daquele país confirmou dois factos evidentes: em primeiro lugar, o óbvio, que há prisioneiros em Guantánamo; depois, que há seguramente entre esses prisioneiros, quem, estando detido ou preso ilegalmente por abuso de poder, pode requerer essa excepcional protecção judicial.

A situação é ainda bem pior, pois são cada vez mais evidentes e frequentes os testemunhos de denúncia de situações de tortura, de ofensas à integridade física e psíquica, de completa e extrema ausência de respeito pelos direitos pessoais dos detidos. Cidadãos originários dos mais diversos países estiveram como prisioneiros torturados em Guantánamo, sem acusação, sem defensor, sem julgamento, por puro abuso de poder, por pura arbitrariedade no uso da força. Em vários pontos do Globo prestigiadas instituições e personalidades de múltiplos quadrantes sociais e políticos clamam hoje por isso pelo encerramento do campo de detenção em Guantánamo, uma espécie de prisão inquisitória medieval onde a confissão arrancada a ferros, sob tortura, ainda é a rainha de todas as provas.

Seguindo eventualmente o clamor na opinião pública internacional e mesmo nacional, o Governo português terá mesmo sugerido, já este ano, à então Presidência eslovena do Conselho Europeu, que fizesse o que não foi feito durante a presidência portuguesa, isto é, que adoptasse uma recomendação instando os Estados Unidos a encerrar a prisão de Guantánamo. Esse encerramento está hoje colocado na ordem do dia do debate internacional por numerosas organizações dedicadas à causa dos direitos do Homem.

Associadas à prisão de Guantánamo surgiram também notícias acerca de aviões que sob a capa de voos de natureza civil ou de Estado, cruzaram o espaço aéreo de quase todos os países europeus transportando prisioneiros sujeitos ao designado método das "rendições extraordinárias".

Vai para três anos, em Setembro de 2005, que pela primeira vez o PCP denunciou publicamente o facto de os Estados Unidos estarem a usar não apenas o espaço aéreo nacional mas também o nosso território para, em condições secretas, fazerem circular de e para Guantánamo pessoas oriundas de diversos pontos do Globo. Foi para esclarecer dúvidas acerca dos indícios que então circulavam em órgãos de informação, mas também recolhidos através de observações oculares, que o PCP entregou vários requerimentos e perguntas ao Governo, não tendo obtido respostas com valia útil. Foi com o desejo de apurar factos, que o PCP requereu a audição parlamentar de responsáveis governamentais e mais tarde, em dois momentos distintos, apresentou a proposta de realização de inquéritos parlamentares que o PS, o PSD e o CDS-PP reprovaram.

Já hoje poucos duvidam que o nosso espaço aéreo, e, em algumas ocasiões inclusive, o nosso território, foi usado por equipas secretas norte-americanas para transporte aéreo de prisioneiros a caminho do campo de detenção de Guantánamo. Essas dúvidas só não puderam ser completamente dissipadas, ou conformadas por factos, porque sistematicamente o PS e o seu Governo obstruíram todas as tentativas para dar transparência aos casos relatados e esclarecer dúvidas que para alguns ainda possam persistir. O relatório preparado em 2007 no Parlamento Europeu na sequência de um inquérito especial já apontava para mais do que apenas dúvidas. Em 2008, o relatório da ONG britânica Reprieve aponta também para bem mais do que apenas dúvidas, chamando o Governo português a assumir a sua quota-parte de responsabilidade nos transportes ilegais de prisioneiros através do espaço aéreo sob a nossa soberania.

Persistirão dúvidas para o Presidente do Governo Regional da Açores, Carlos César, que, já este ano, em entrevista conjunta a uma estação de rádio e de televisão, afirmou que "no domínio das probabilidades, aqueles prisioneiros que lá estão [em Guatánamo] devem ter passado seguramente por algum aeroporto antes de lá chegar e, muito provavelmente, tal como passa a aviação civil que vai para aquela área fazendo abastecimentos em aeroportos no Atlântico, podendo fazê-lo nos Açores ou no Continente. Portanto, não rejeito que isso tenha acontecido".

Também no mesmo sentido se pronunciou o primeiro-ministro José Sócrates quando, na mesma altura, perante essa hipótese, afirmou que "seria absolutamente lamentável" caso porventura se viessem a confirmar voos daquela natureza através do espaço aéreo sob a nossa soberania. O Governo português insiste que não dispõe de qualquer elemento que permita confirmar voos ilegais, mas sempre vai adiantando que a existirem tais transportes de prisioneiros feitos à força, tal seria "lamentável". Pois bem, o que o PCP propõe é que sejam tomadas medidas que impeçam a ocorrência futura de factos que o Governo Português possa designar por "lamentáveis".

Acontece que  a recente resposta a um requerimento do PCP dá conta que os voos de e para Guantánamo continuam, não obstante o escândalo nacional e internacional, ficando assim demonstrada a falta de vontade de fiscalizar ou impedir a utilização do nosso espaço aéreo para essas operações.

Assim, os deputados abaixo assinados propõem que o Governo português promova as necessárias e indispensáveis diligências, nos planos nacional e internacional, com vista a declarar interdito todo o espaço aéreo de soberania nacional a voos militares, de Estado, ou civis, com destino ou origem em Guantánamo. Esta medida simples e eficaz está ao alcance do nosso exercício de soberania nacional, não depende de nenhuma entidade ou força supranacional e tão pouco é inédita na medida em que foi já decretada por outro estado-membro da União Europeia, a Dinamarca.

Tem tal medida ademais a vantagem de arredar de vez quaisquer suspeitas relativas a voos ilegais deixando a nossa consciência democrática colectiva a salvo de acusações ou suspeitas de cooperação com essa rede global de sequestro e tortura que envergonha o mundo civilizado. Melhor do que propor para outros o encerramento da prisão de Guantánamo que não está no nosso domínio concretizar, será efectivar o encerramento do nosso espaço aéreo a qualquer hipotético transporte ilegal de prisioneiros relacionado com o campo de Guantánamo.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 166º da Constituição e da alínea b) do artigo 4.º do Regimento, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

Adopte as necessárias providências com vista a interditar, com efeitos imediatos, o espaço aéreo português a todo e qualquer voo militar, de Estado, ou civil, com origem ou destino em Guantánamo.
Adopte os procedimentos de segurança e de fiscalização apropriados a tornar efectiva e eficaz a medida de interdição.

Assembleia da República, em 14 de Julho de 2008

 

 

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