Projecto de Resolução

Projecto de Resolução nº 335/X - Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo

 

Recomenda ao Governo a criação e implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo

 

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A política desportiva em Portugal tem vindo a limitar-se a uma intervenção casuística do Estado, acompanhada de uma desresponsabilização sistemática perante o cumprimento dos comandos constitucionais. Aliás, sucessivamente se vem constatando que o desenvolvimento desportivo que se tem verificado em todo o país é essencialmente devido ao trabalho, à persistência e empenho do Poder Local Autárquico e do Movimento Associativo. De facto, são as Câmaras Municipais e os clubes desportivos ou outras expressões do Movimento Associativo Popular, assim como as famílias, que continuam a dinamizar, normalmente sem nenhum tipo de apoio, actividades físico-desportivas que envolvem, de facto, as populações na prática desportiva.

De acordo com o Eurobarometer ("The citizens of the European Union and Sport", 2004), Os níveis de sedentarismo na população portuguesa, são os mais preocupantes da União Europeia, pois atingem mais de 70% e a prática desportiva regular abrange apenas 22% da população. Na verdade estes números constituem apenas indicadores do estado da actividade física e desportiva em Portugal e apontam para um atraso significativo no cumprimento de um direito constitucional que é o acesso democrático à prática do desporto e da actividade física.

Os impactos do sedentarismo generalizado junto da saúde da população não são quantificáveis, no entanto a relação entre a degradação do bem-estar e saúde da população e a ausência de estilos de vida activos e saudáveis é uma evidência comprovada e incontornável. Da mesma forma, não é quantificável a poupança no Serviço Nacional de Saúde num quadro superior de desenvolvimento desportivo e de prática desportiva democrática generalizada, mas é bem plausível que ela seja bastante superior às necessidades de investimento no Sistema Desportivo para a generalização do acesso a esse direito.

A política desconexa e pouco estruturada que os sucessivos Governos têm aplicado à área do desporto, quer de minimização da sua importância, quer de centralização da política nos seus aspectos enquanto espectáculo de entretenimento e diversão, tem provocado um significativo atraso no desenvolvimento desportivo nacional e uma ampliação limitada do Sistema Desportivo e, logo, da democratização da prática. É nesse sentido que podemos afirmar que o desporto em Portugal se encontra numa fase de crise estrutural. Uma crise que nasce da discrepância entre o esforço do Movimento Associativo e do Poder Local Democrático que assim vão, de forma limitada, é certo, cumprindo o seu papel e a displicência dos Governos que, gradualmente, vão demitindo o Estado das suas responsabilidades perante a população no que toca à garantia do direito à prática desportiva.

Essa crise acaba assim por envolver os quatro grandes pilares do desenvolvimento desportivo nacional - a Escola, o Movimento Associativo Desportivo, as Autarquias Locais e o Sector do Trabalho - de formas diferentes mas que têm em comum a atitude dos sucessivos Governos que retiram cada vez mais preponderância política ao desporto.

A educação física nas escolas é praticada de forma assimétrica ao longo do território nacional, apenas garantida efectivamente num conjunto de escolas.

O Desporto Escolar não é sustentado por um programa nacional coerente e é remetido para o plano facultativo e acessório, não sendo assumido como o instrumento central para a promoção da prática desportiva, para a ocupação saudável de tempos livres das camadas infantis e juvenis da população e para a sua formação integral.

A prática desportiva de alto rendimento não é alvo de nenhuma política estruturada e coerente que potencie as capacidades nacionais e a projecção e afirmação internacionais do País pela via desportiva.

O Sector do Trabalho menospreza de forma geral, ainda que com raras excepções, a prática desportiva, não oferecendo aos trabalhadores a possibilidade de praticar desporto, enquanto forma saudável de promoção do bem-estar, da saúde, do combate às doenças profissionais e mesmo de potenciação da produtividade.

O cumprimento do desígnio constitucional plasmado no artigo 79º da Constituição da República Portuguesa exige certamente do Estado um esforço muito mais significativo, nomeadamente no plano orçamental, mas também no plano da atenção política. A perspectiva de considerar o desporto meramente enquanto espectáculo de diversão de massas não é compatível com a promoção da prática desportiva de forma ampla e democrática. A primeira opção é, no entanto, menos exigente e mais complacente com os interesses que se movem em torno do desporto enquanto indústria. Porém, a orientação constitucional é clara e aponta no sentido da consolidação do desporto como um direito de todos na óptica do praticante e não de mero espectador.

A descapitalização e a falta de atenção ao sector desportivo devem ser substituídas por um conjunto de medidas estruturais que integrem num esforço comum a acção de cada um dos actores essenciais ao desenvolvimento desportivo,. Somente desta forma é que a actividade físico-desportiva pode passar a cumprir um papel central na melhoria das condições de saúde de toda a população, na educação de toda a juventude, na afirmação desportiva internacional do País, na integração social, na resposta às diferentes necessidades das minorias étnicas, dos idosos e das pessoas com deficiência. Também a situação do acesso ao desporto por parte das mulheres portuguesas deve merecer uma atenção específica dirigida, na medida em que os índices de prática de actividade física e desportiva junto da população feminina são ainda mais preocupantes e graves que os índices nacionais. globais, colocando-nos ao nível dos Países do designado terceiro mundo.

O Partido Comunista Português entende o desporto e, principalmente o acesso à sua prática, como um direito da população. A expansão da rede integrada de infra-estruturas desportivas, as políticas que devem orientar a acção e que impõem para a sua eficácia plena a articulação com o Movimento Associativo Popular e Desportivo, com as Escolas, com os Municípios e com as empresas, devem constituir as preocupações centrais da política desportiva nacional. A irregularidade da rede de infra-estruturas, as assimetrias territoriais e a degradação da qualidade de vida da população a que se aliam a subalternização e minimização do papel do Movimento Associativo são os principais obstáculos à fruição saudável dos tempos livres e ao desenvolvimento desportivo em todos os seus patamares e expressões.

O desporto, quando generalizada a sua prática a toda a população, desempenha um papel essencial nas sociedades modernas. Naturalmente como forma de afirmação nacional no contexto mundial das nações, mas fundamentalmente como uma prática de que o indivíduo, seja qual for a sua idade, género ou situação socio-económica, pode retirar um vasto benefício para a sua saúde, educação, construção e reconstrução da sua força de trabalho, e como poderoso contributo para a integração social, o convívio e a fruição activa do tempo livre.

Convém ainda não menosprezar o valor turístico e económico que certas formas de desporto podem assumir na nossa sociedade. Contudo, estas últimas funções não devem sobrepor-se às anteriores, devendo todas elas fazer parte de um mesmo quadro de referência que lhes atribuirá prioridades específicas dentro do Projecto Nacional que referimos, integrando directamente o processo global de desenvolvimento da sociedade.

É, pois, urgente a adopção de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo que contemple e estruture as orientações centrais para o Desporto, na perspectiva da ampliação do acesso à prática desportiva, com particular expressão junto da juventude, mas com políticas sectoriais destinadas à generalização das práticas dirigidas a todas as outras camadas da população. Nesse sentido, a estruturação de medidas e a planificação no médio-prazo do papel do Estado junto das Autarquias, do Movimento Associativo, das Escolas e do Sector do Trabalho devem ser elementos centrais na delineação de uma política de desenvolvimento desportivo que crie as condições reais para que a prática desportiva constitua um desígnio nacional e estruture a resposta a necessidades sociais que exigem soluções urgentes.

Assim, a Assembleia da República recomenda ao Governo as seguintes medidas:

  1. Elaboração de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo a partir da acção coordenada entre as entidades que integram o sistema desportivo, garantindo a convergência de esforços e a definição de objectivos claros para a acção e intervenção do Estado. Este Programa deve obedecer aos objectivos centrais da democratização da prática físico-desportiva e ser estruturado numa óptica que contemple as necessidades do desenvolvimento regional e nacional.
  2. Elaboração em conjunto com as Autarquias Locais e com as organizações inter-municipais, do Plano Nacional de Equipamentos Desportivos, instrumento destinado a apoiar a tomada de decisões em relação à estruturação da rede integrada de instalações desportivas, modernizando o património desportivo, racionalizando tipologias de edifícios e infra-estruturas.
  3. A elaboração, integrando o Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo, do Programa Nacional de Actividades Físico-Desportivas como factor determinante na saúde, na prevenção da doença, na integração social e na melhoria da qualidade de vida para o conjunto da população. Este Programa deve valorizar o tempo livre activo, a convivialidade, a fruição da Natureza e o combate aos hábitos de vida sedentários., através de um Projecto de Saúde, Desporto e Actividade Física que promova a coordenação de esforços entre os sistemas locais de desporto, educação e saúde, com as Autarquias Locais, o Movimento Associativo, os Sindicatos e as Empresas que tenha como objectivo o esclarecimento da população sobre os benefícios da prática desportiva e o incentivo para a prática sistemática e controlada dessas actividades, bem como a promoção da mudança de hábitos de vida de forma generalizada.
  4. Implementação de um Programa Nacional para a Integração e Inclusão Social e Prevenção de Riscos através do Desporto, integrado também no Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo, visando responder às necessidades de prática por parte dos idosos, das minorias étnicas, das pessoas com deficiência, dos habitantes dos bairros críticos, assim como das novas áreas residenciais, com particulares preocupações em relação ao problema da toxicodependência e à baixa proporção de mulheres e raparigas nas práticas desportivas. Este Programa deve ser concretizado através de uma política de incentivos e contrapartidas fornecidas pelo Estado às associações e outras instituições, que desenvolvam na sua prática a vertente desportiva como factor de inclusão social e prevenção de comportamentos de risco.
  5. Criação de condições para que o Desporto Escolar passe a constituir uma realidade bem estruturada na vida da população escolar que integra o Sistema Nacional de Educação, e que permita que a prática desportiva desempenhe na vida dos alunos o papel formativo que deve ser o seu, e sem o qual não é possível falar de uma educação integral com carácter moderno.
  6. Criação de Centros de Orientação Desportiva em Escolas Públicas distribuídas de forma equilibrada pelo território nacional, tal como a criação de Pólos Regionais de Desporto de Alto Rendimento e de Centros Nacionais de Desporto de Alto Rendimento que se destinem a apoiar os clubes, as associações regionais de modalidade e as federações desportivas nacionais.
  7. Estabelecimento de um Programa Nacional de Detecção dos Mais Dotados que funcione como um observatório de captação e que tenha particular incidência junto das Escolas, através dos Centros de Orientação Desportiva e que possibilite, através da articulação entre os centros e os pólos referidos no número anterior a captação e encaminhamento dos mais dotados para a prática desportiva de alto rendimento.
  8. Promoção de uma Campanha de Promoção do Desporto no Trabalho que estimule as empresas para procederem à integração de programas desportivos no seu funcionamento, como forma de elevação da qualidade de vida e de combate à doença profissional, ampliando o acesso à prática físico-desportiva ao maior número possível de trabalhadores. Esta campanha deve ser traçada e implementada através da articulação entre Estado, Autarquias Locais, empresas, organizações representativas dos trabalhadores e sindicatos.
  9. Ampliação e efectivação do acesso ao controlo médico-desportivo por parte de todos os interessados em praticar desporto, apoiando inclusivamente o trabalho dos clubes, abrindo no maior número possível de Centros de Saúde uma "Consulta do Desportista" destinada ao exercício da medicina desportiva como serviço primário para desportistas, particularmente para os federados, dada a exigência médica da sua actividade desportiva.
  10. Criação de um Quadro Nacional de Apoio ao Movimento Associativo Desportivo não profissional, que parta do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo e que, partindo de objectivos claros, garanta coerência e total transparência aos apoios fornecidos aos clubes desportivos e como forma de ultrapassar a descapitalização do sector e do sistema desportivo.
  11. Criação de um Plano Nacional de Formação, com o objectivo de renovar os processos de formação dos agentes desportivos - dirigentes, técnicos, juízes e árbitros - que envolva na concepção e implementação as associações regionais de modalidade, os representantes dos agentes desportivos, as federações desportivas, o Instituto do Desporto de Portugal e as Autarquias Locais.

Assembleia da República, em 3 de Junho de 2008

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