Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 210/X - Fundação Dom Pedro IV

Recomenda ao Governo que promova a extinção da Fundação Dom Pedro IV, a reversão para o Estado de todo o seu património, e o apuramento de responsabilidades por ilegalidades cometidas em seu nome

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1 - Em 1 de Fevereiro de 2005, encontrando-se o XVI Governo Constitucional em funções de mera gestão, decidiu o Conselho Directivo do IGAPHE transmitir a título gratuito para a Fundação Dom Pedro IV um valioso património público constituído por cerca de 1400 fogos situados nos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, na freguesia de Marvila, em Lisboa.

Após a apropriação desse património, a Fundação Dom Pedro IV, sem que tenha introduzido qualquer melhoramento nas condições de habitabilidade dos bairros, que se apresenta extremamente precária (como se comprova pelo gravíssimo acidente ocorrido no elevador de um dos prédios do Bairro dos Lóios), impôs de forma unilateral um regime de rendas que se traduziu em aumentos de encargos insuportáveis para um grande número de famílias.

Para além disso, perante a expressão do legítimo descontentamento das populações, a Fundação Dom Pedro IV tem vindo a instalar nos bairros um clima de chantagem, de ameaças e de intimidações.

2 - Chegou entretanto ao conhecimento público que um Relatório elaborado pela Inspecção-geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade, concluído em 21 de Junho de 2000, e que por razões que importa apurar não teve qualquer consequência, concluiu pela existência de gravíssimas irregularidades na gestão da Fundação Dom Pedro IV e recomendava inclusivamente a sua extinção nos termos da lei.

Importa citar as conclusões desse Relatório:

" De tudo que foi exposto, decorre inequivocamente a prática de actos de gestão prejudiciais aos interesses da Instituição, traduzidos desde logo no sistemático desvio dos fins para que a mesma foi criada.

Na verdade, indiciam os autos que a Instituição enganou os associados da sua fundadora (SCAIL) e o Estado Português, nunca tendo concretizado nenhuma das actividades que se comprometeu a desenvolver e que justificaram a sua criação, não obstante ter meios (património e liquidez), para o fazer.

Não foram investidas quaisquer verbas na criação de unidades orgânicas e/ou na promoção de actividades tendentes a validar os compromissos assumidos perante a Tutela e a cumprir a vontade da entidade fundadora.

A Fundação Dom Pedro IV apenas desenvolve actividades na área da infância, tal como a SCAIL, com a agravante de praticar uma política de mensalidades elevadas, que afastam as crianças oriundas de extractos mais vulneráveis da população, cuja admissão deveria privilegiar, nos termos legais e das cláusulas dos acordos de cooperação celebrados com a SCML, que subscreveu e está obrigada a cumprir.

Por outro lado, a Instituição disponibilizou verbas, espaço, apoio logístico e administrativo para a criação e manutenção de pessoas colectivas de direito privado, que prosseguem objectivos que nada têm a ver com os da Instituição, embora no início, os responsáveis tenham feito crer o contrário.

Estas empresas são geridas por elementos do órgão de administração, que para além de serem remunerados pelos cargos que exercem na Instituição, recebem remunerações pelos cargos desempenhados naquelas.

A Fundação tem vindo a contratar os serviços destas empresas, contratando deste modo indirectamente com membros dos seus corpos gerentes, em violação do disposto no n.º 4 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, uma vez que não é perceptível o manifesto benefício decorrente dessa contratação, exigível pela lei para que tal seja possível.

Constata-se que a Fundação tem vindo a ser gerida por pessoas que não desenvolvem actividades tendentes a concretizar os seus fins, desenvolvendo antes outras actividades que nada têm a ver com os mesmos, das quais retiram proveitos pessoais.

A sede da Fundação está transformada na sede de uma "holding" imobiliária, dirigida pelo Presidente do Conselho de Administração, que ali desenvolve as suas múltiplas actividades no referido ramo.

A actuação do Conselho de Administração é quase totalmente discricionária, nomeadamente por falta de outros órgãos susceptíveis de assegurar internamente o equilíbrio gestionário.

O Conselho Consultivo e o Conselho Social não têm qualquer interferência na vida da Instituição, nunca reuniram, sendo que este último nem sequer tem competências, composição e funcionamento regulamentados, ao arrepio do disposto nos estatutos da Instituição.

Quanto ao Conselho Fiscal, dificilmente poderá exercer as suas competências de forma eficaz, atenta, designadamente, a respectiva composição: integra um elemento da Tutela, que desconhece contabilidade, e uma revisora oficial de contas, que presta serviços remunerados à Instituição, e a uma das empresas ali sedeadas, encontrando-se portanto duplamente subordinada ao Presidente do Conselho de Administração, situação que não oferece garantias de imparcialidade, e viola o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro.

A modificação da forma associativa para a forma fundacional teve como efeito perverso a situação atrás descrita, originada pela impossibilidade de substituição dos corpos gerentes, que são sempre nomeados pelo órgão administrativo.

Urge pôr cobro a esta situação, que repugna num Estado de Direito Democrático, principalmente pelo desvirtuar de todos os princípios de solidariedade social subjacentes."

Termos em que se propõe, nomeadamente, que seja pedida judicialmente a destituição dos Corpos Gerentes.

Mais se afirma, nas conclusões do Relatório, que "qualquer solução que passe pela manutenção da Instituição suscita alguma apreensão", pelo que se propõe como alternativa à destituição dos corpos gerentes, ou cumulativamente:

Que Sua Excelência o Ministro da Tutela determine a extinção da Fundação Dom Pedro IV e que determine que os bens da Fundação sejam integrados noutra instituição ou serviço a designar pelo Tutela.

3 - Acontece porém que, apesar da gravidade dos factos descritos e da contundência das medidas propostas, o Relatório não teve qualquer consequência, tendo mesmo sido ocultado em condições que, a bem do Estado de Direito Democrático seria indispensável esclarecer.

Mas aconteceu algo de pior. Não obstante toda esta situação, a Fundação Dom Pedro IV veio a receber do Estado a título absolutamente gratuito, todo o património habitacional dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, criando a grave situação acima descrita.

De facto, a Fundação passou a aplicar de forma unilateral o regime da renda apoiada previsto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, a situações anteriormente constituídas, violando todos os princípios da segurança jurídica, da confiança, da igualdade e da proporcionalidade. O direito fundamental à habitação, dos moradores dos bairros dos Lóios e das Amendoeiras, foi claramente posto em causa pela Fundação Dom Pedro IV com a cumplicidade dos poderes públicos que, depois de lhe terem dado de mão beijada um valioso património público, fazendo por ignorar todo o lastro de ilegalidades cometidas por essa Instituição, nada fizeram para evitar que se abatesse sobre as populações toda uma série de arbitrariedades e de violências.

Acresce ainda que, também no que se refere às instituições para a Infância pertencentes à Fundação Dom Pedro IV, factos recentes vieram alertar para práticas de degradação do serviço prestado às crianças, designadamente em matéria de alimentação, para além de ser notória a existência de uma situação de terror e intimidação sobre os funcionários desses estabelecimentos para que silenciem a situação que aí se vive.

Nestes termos, tendo em consideração que a situação institucional e a actuação da Fundação Dom Pedro IV se afiguram insuportáveis num Estado de Direito Democrático, sendo um dever indeclinável dos titulares do poder político actuar para que a legalidade e a Justiça sejam repostas, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Resolução:

A Assembleia da República, tendo em atenção a gravidade dos actos cometidos em nome da Fundação Dom Pedro IV, resolve recomendar ao Governo que promova:

1.º - A extinção da Fundação Dom Pedro IV e a destituição dos seus Corpos Gerentes, de acordo com as recomendações do Relatório apresentado em 21 de Junho de 2000 pela Inspecção-geral do Ministério do Trabalho e Solidariedade.

2.º - A reversão para o Estado do património do IGAPHE transferido para a Fundação Dom Pedro IV com salvaguarda dos direitos legítimos dos respectivos moradores.

3.º - A integração dos demais bens pertencentes à Fundação noutra instituição ou serviço, a designar pelo Governo, que esteja em condições de garantir a prestação dos serviços de acção social a seu cargo.

4.º - A realização das diligências necessárias para o apuramento de todas as responsabilidades civis e criminais relacionadas com ilegalidades cometidas em nome da Fundação Dom Pedro IV e com o respectivo encobrimento.

 

Assembleia da República, em 22 de Maio de 2007

 

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