Projecto de Resolução

Projecto de Resolução n.º 174/X - Presidência Portuguesa da União Europeia

Sobre as prioridades da Presidência Portuguesa da União Europeia

 

Para pesquisar a situação: clique aqui

 

 

1. Portugal vai assumir a Presidência da União Europeia entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2007, constituindo este um momento político oportuno para que o Governo possa introduzir na agenda política europeia temas relevantes para o nosso futuro colectivo e que, interessando seguramente ao nosso pais, interessarão certamente a todos os povos e nações que integram hoje a União Europeia.

O projecto que agora apresentamos, precedendo quase em seis meses o momento em que Portugal vai iniciar essa Presidência, ocorre assim em tempo suficiente para permitir ao Governo a inclusão na agenda política da UE do segundo semestre de 2007 um conjunto de temas que sejam considerados importantes pela Assembleia da República. Esta é também uma primeira oportunidade para que o Parlamento exerça em plenitude as potencialidades recentemente introduzidas nas metodologias de acompanhamento e de fiscalização do processo de integração consagradas na Lei 43/2006, de 25 de Agosto.

2. Portugal, a par dos membros da zona euro (treze dos actuais vinte e sete Estados membros), abdicou da possibilidade de decidir e utilizar políticas monetárias e cambiais autónomas, sendo que a sua política orçamental está igualmente profundamente limitada ou condicionada pela existência do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

É neste contexto, a que um conjunto de países mais periféricos e dependentes - entre os quais Portugal - é particularmente sensível, que se enquadra a actuação do Banco Central Europeu (BCE), fortemente motivada pelo objectivo de combater os surtos inflacionistas. Mais parece que as preocupações centrais do BCE são a valorização de activos, a apreciação do euro, a atracção de capitais à zona euro e a financeirização da economia em detrimento da criação das condições para o crescimento económico e o emprego. É neste âmbito que se inscrevem, sempre sob pretexto de garantir a estabilidade dos preços, as sucessivas decisões de aumentar as taxas de juro - mais aquelas que já se vão anunciando a curto e médio prazo -, que são particularmente penosas para a economia portuguesa e para todas aquelas que ainda carecem de fortes investimentos multissectoriais para obter níveis aceitáveis de desenvolvimento. Num País como Portugal onde as empresas e as famílias,  estas muito por causa da compra de habitação, se encontram fortemente endividadas, essa subida das taxas de juro cria uma grave situação de instabilidade e insustentabilidade económica e social.  

Não é possível, com o dogmático argumento de não se poder colocar em causa a independência do BCE, continuar a manter sobre as suas decisões um permanente alheamento e uma espécie de sentimento de inevitabilidade. Várias são as opiniões que na Europa se têm manifestado no sentido de que deve haver um conjunto de objectivos de novo tipo no BCE, baseadas também no crescimento económico e no emprego, e não apenas no controlo da inflação, colocando sob controlo político a definição dessas orientações genéricas e sua posterior aferição. Recordem-se, a propósito, as muito recentes declarações de uma candidata às próximas eleições presidenciais francesas, durante um encontro internacional realizado na cidade do Porto.

3. A coesão económica e social e o nivelamento por cima dos níveis de vida e das conquistas sociais deverão ser objectivos primeiros da União Europeia, na senda do que aliás era anunciado no próprio Tratado de Roma.

A par do reforço claro das funções essencialmente redistributivas dos meios financeiros disponíveis, os objectivos de coesão enunciados só poderão ter alguma tradução prática pela orientação das despesas para o investimento produtivo, para a formação, a investigação e o desenvolvimento.

Uma aposta não retórica nem meramente circunstancial em objectivos de coesão económica e social tenderá sempre a recolocar no centro do debate europeu a exigência de uma maior flexibilidade para os países de economias mais débeis, em especial no quadro da definição e da aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E a verdade é que a recente revisão do PEC manteve uma rigidez absoluta em torno da fixação essencialmente arbitrária de valores de défice e de dívida pública, - iguais para todos independentemente dos respectivos níveis de desenvolvimento ou das diversas necessidades específicas -, continuando a não excepcionar despesas de investimento produtivo ou em formação e investigação, em infra-estruturas para correcção de assimetrias regionais ou mesmo de certas despesas sociais fundamentais para alcançar níveis reais de coesão económica e social.

4. Se é verdade que nem a acção do BCE nem a revisão do PEC fazem parte das anunciadas preocupações do conjunto das três presidências cujo ciclo se iniciou a 1 de Janeiro (envolvendo sucessivamente a Alemanha, Portugal e a Eslovénia), o que se tem dito quanto a alguns dos temas a abordar durante a Presidência Portuguesa exige uma abordagem política mais ampla e uma iniciativa nacional mais decidida.

É o caso, em primeiro lugar, de todas as questões relativas à definição de "uma política marítima" onde se tem dado certo ênfase às designadas auto estradas marítimas. Em nenhum momento, porém, são abordadas algumas perspectivas que poderão interessar a Portugal, o país da União Europeia com maior extensão de mar incluída em zona económica exclusiva. Assume assim especial relevância que Portugal integre nos debates a desenvolver e nas decisões a tomar, a preservação das soberanias nacionais sobre águas pertencentes às zonas económicas exclusivas, incluindo as adstritas às duas regiões autónomas, e a respectiva primazia em sede de rentabilização económica nas mais diversas áreas, designadamente os recursos aí localizados, as questões de segurança e salvamento e a fiscalização e controlo da navegação nessas águas.

Também associado à questão marítima, é manifesta a necessidade de recolocar na agenda europeia (aproveitando a Presidência de Portugal)  todo um conjunto de matérias relativas às regiões ultraperiféricas europeias, tema que interessa sobremaneira ao nosso país. Estabilizado o conceito institucional das regiões ultraperiféricas (no Tratado de Nice), importa agora desenvolver um conjunto de políticas internas, (nos transportes, no abastecimento, nos serviços, nas ajudas públicas, na definição dos apoios financeiros dos fundos estruturais e de coesão, etc.) que, ao contrário das tendências vigentes de desmantelamento progressivo, assumam carácter permanente para fazer face a uma situação geográfica insular sem qualquer natureza transitória. 

É ainda o importante conjunto de reformas e processos em desenvolvimento no âmbito da PAC, sendo a Presidência portuguesa uma oportunidade soberana para confrontar os Órgãos da UE com a desadequação da mesma PAC e das principais orientações que vão sendo avançadas para as reformas das Organização Comum de Mercado do vinho e dos hortofrutícolas, com a realidade e especificidade da agricultura nacional.

5. O tema que é abordado de forma mais recorrente ao longo dos documentos oficiais relativos às próximas três presidências rotativas da União Europeia prende-se com a questão relativa ao futuro do auto designado Tratado Constitucional. De forma repetida, insiste-se em associar este texto ao futuro da Europa, dá-se nota da necessidade de elaborar relatórios que façam o ponto da situação de forma a que, pretextando dar seguimento a orientações do Conselho Europeu de Junho de 2006, se tomem decisões sobre o "processo" durante o ano de 2008.  

O Governo Português aparece associado a esta abordagem intencionalmente hermética que nunca clarifica as situações embora haja elementos objectivos sobre os quais não deveriam permanecer dúvidas. Na realidade, e face aos tratados em vigor, a proposta que vem sendo designada por "Tratado Constitucional" não deve ser mais considerada porque já não pode ser ratificada pela totalidade dos Estados membros. O que manifestamente impede a sua entrada em vigor.

Exige-se, sobretudo neste aspecto, clareza institucional. A todos os intervenientes neste processo e, por maioria de razão a Portugal, cujo Governo, ao presidir aos Conselhos Europeus do segundo semestre, deve assumir à partida uma posição política clara quanto a esta matéria. Não deve ser reatado o processo relativo à ratificação do chamado "Tratado Constitucional", não deve ser promovida a sua recuperação através de alguma alteração de cosmética que tudo mantenha, deve antes ser claramente respeitada a opinião de quem, por voto popular, inviabilizou definitivamente aquele texto e as ideias e orientações que ele incluía.

Tendo em atenção o que fica exposto, a Assembleia da República resolve, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo a inclusão das seguintes prioridades políticas no Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia que se inicia em 1 de Julho e termina em 31 de Dezembro de 2007:

 

  1. A revisão do actual estatuto do Banco Central Europeu garantindo, sem perda de independência, que a sua acção passe a estar subordinada à prévia definição de critérios políticos genéricos que, a par da estabilidade de preços incluam preferencialmente a criação de condições para o crescimento económico e o emprego;
  2. Uma revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento para que este passe a garantir processos de consolidação das finanças públicas capazes de permitir políticas de claro crescimento económico e de emprego, para que passe a ter em atenção os níveis de desenvolvimento dos diversos países, as suas necessidades específicas e riqueza relativa, para que atenda e considere a generalidade dos investimentos públicos reprodutivos, mormente dos que melhorem as infra-estruturas essenciais à competitividade das economias, dos investimentos em educação, em formação e em investigação e para que passe a considerar despesas em áreas sociais, designadamente na saúde e na segurança social;
  3. A integração do conceito de soberania sobre as águas pertencentes às zonas económicas exclusivas nas prioridades relativas à definição de uma futura política marítima e, igualmente, a definição de preferências e primazias relativamente ao usufruto económico das ZEEs, incluindo os recursos e matérias primas aí localizadas, além da definição de medidas de segurança, de salvamento e de fiscalização da navegação marítima;
  4. A defesa de uma reforma de fundo na PAC que permita corrigir na aplicação do seu Orçamento a desigualdade na distribuição dos fundos entre países, culturas e agricultores, invertendo a situação actual que prejudica os países do Sul, as culturas mediterrânicas e a agricultura familiar; o desenvolvimento de reformas das OC de Mercado do vinho e dos hortofrutícolas que combatam a liberalização da regulamentação da sua produção e comércio, reforcem o apoio orçamental a essas produções e defendam a qualidade dos vinhos, frutas e legumes europeus, a pequena e média agricultura e o mundo rural;
  5. A definição e adopção de políticas internas (nos transportes, nos abastecimentos, nos serviços públicos, nas ajudas públicas e na concorrência, nos critérios a definir para os apoios estruturais, entre outras), sem sujeição a critérios de transitoriedade nem a evoluções conjunturais ou artificiais de riqueza, que possam fazer face aos handicaps permanentes a que estão sujeitas as regiões ultraperiféricas europeias na acepção institucional introduzida pelo Tratado de Nice;
  6. A não consideração do texto e das orientações políticas centrais incluídas na proposta do auto designado "Tratado Constitucional" nos debates relativos ao futuro da União Europeia, facto determinado pela não ratificação em referendos populares dessa proposta de Tratado.

 

Assembleia da República, em 16 de Janeiro de 2007

  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução