Projecto de Resolução

Projecto de Resolução 274/X/3 - Micro, pequenas e médias empresas

 

 

Responder à dificil situação das micro, pequenas e médias empresas com o QREN e outras políticas
 

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A generalidade das micro, pequenas e médias empresas portuguesas enfrenta no actual contexto económico e social do País e dos mercados externos, um conjunto múltiplo e complexo de problemas e estrangulamentos. Sendo patente a diversidade das dificuldades, conforme as áreas e sectores de actividade, a sua dimensão, natureza societária e o destino da sua produção, há um feixe de factores cruciais que se podem elencar e que, embora em graus diferentes, a todas atingem.

I. Os estrangulamentos do mercado interno e a brutal perda de poder de compra dos portugueses, fruto de políticas salariais e sociais restritivas de sucessivos governos subservientes perante o défice orçamental e o Pacto de Estabilidade, conduzindo a baixos níveis de investimento público e privado, degradadas situações financeiras das autarquias, corte nas despesas sociais e o correspondente agravamento do desemprego, que atinge taxas recorde no Portugal democrático. Uma situação económica recessiva e anémica, que atinge em primeiro lugar as pequenas empresas agindo e produzindo para um mercado interno, completamente desprotegido, mesmo no quadro das regras da União Europeia, face à ofensiva comercial de outros países.

II. As dificuldades recentes e crescentes nos mercado externos, em particular naqueles países que por virtude de um histórico afunilamento, agravado com a Adesão à CEE, são os principais clientes das nossas exportações, como a Espanha e a Alemanha. Situação agravada pela política comercial de total liberalização da União Europeia, prosseguida nos planos bilaterais e multilaterais (OMC), em particular em produções de baixo valor acrescentado, como o têxtil, dominantes no País, e a política monetarista do Euro forte do Banco Central Europeu, na sua cruzada pela supremacia face ao dólar.

III. A sufocante política de crédito do sistema bancário português, agravada nos últimos meses no quadro da crise do subprime e instabilidade financeira internacional, fazendo crescer as taxas efectivas de juro activas, cerceando e cortando créditos, e mantendo a níveis elevadíssimos as comissões bancárias. Uma situação preocupante quando se sabe que o endividamento das sociedades não financeiras, na sua imensa maioria micro, pequenas e médias empresas, atingiu em 2006 105% do PIB, quase duplicando o valor de 1995, que era de 60%!

IV. Uma política fiscal altamente penalizadora das MPME e dos sectores produtivos, onde uma taxa do IVA claramente acima da praticada em Espanha atinge duramente a competitividade do tecido económico nacional, particularmente o localizado numa faixa fronteiriça de 50 quilómetros, e em que um agravado Pagamento Especial por Conta, a par da não publicação dos critérios técnico-científicos (na prática em vez de tributar rendimentos líquidos a imposição fiscal cai sobre a facturação, ignorando diferenças substanciais entre os diferentes ramos de actividade) acaba por castigar fundamentalmente a pequena empresa.

V. A dominante e avassaladora presença nos mercados nacionais de grandes grupos económicos e financeiros, em geral articulados com o capital multinacional, com uma natureza e intervenção crescentemente monopolista e oligopolista, com uma força económica e política determinante nos mercados e na sua regulação por via legislativa e administrativa ("eles" determinam as leis, quando os ministros não as fazem a seu pedido!). O que acontece hoje em sectores estratégicos como a banca e os seguros, a energia, as telecomunicações, o comércio e distribuição, a fileira da madeira, os cimentos, a rede de auto estradas, etc, a par de uma Autoridade da Concorrência (e outras entidades reguladoras) presa dos cânones neoliberais e carecida de meios para uma acção tempestiva e eficaz.

VI. O problema do elevado nível de preços de bens e serviços, como a energia (electricidade, gás natural, combustíveis), o crédito, as telecomunicações e transportes, produtos como o ferro e o cimento, que são factores de produção com elevado impacto nos custos operacionais da generalidade das empresas e na sua competitividade interna e externa, pois os seus parceiros da união Europeia gozam em geral de preços mais favoráveis. O que decorre em parte substancial da situação descrita acima (no nº 5), mas que se deve também à opção governamental pela sua liberalização e intervenção regulatória reduzida ao mínimo.

VII. Os grandes e recorrentes atrasos no pagamento das ajudas comparticipadas por fundos comunitários ou mesmo só com fundos nacionais como sucede com o Programa MODCOM para o comércio e o Fundo Florestal Permanente (FFP) para a floresta, a par de um burocratizado e alongado processo de candidatura e contratualização dos projectos, e em que as pequenas empresas são largamente descriminadas e preteridas. Não é certamente fruto do acaso ser Portugal, um dos países da União Europeia que menos apoia as suas pequenas empresas, seja com o recurso a fundos comunitários seja com dinheiros estritamente nacionais. Aliás é mais um factor penalizador da competitividade das empresas nacionais o elevado nível de ajudas nacionais (ditas na Comunidade «ajudas de Estado») às empresas de países com elevados níveis de desenvolvimento económico como a França e a Alemanha. O atraso verificado na implementação do QREN, que nunca será já inferior a ano e meio, os seus objectivos e critérios de selecção, a burocratização do seu acesso para as pequenas empresas e discriminação de alguns sectores, são já factores a pesar sobre a conjuntura difícil do tecido económico nacional.

VII. Uma legislação comunitária e nacional desajustada, ou insuficiente e deficientemente regulamentada, face à realidade do tecido empresarial português, caracterizada pela dominância absoluta das micro e pequenas empresas (juntas são 97% das empresas portuguesas, representando 55% do emprego e 36% do volume de negócios), com a imposição de normas ambientais, fiscais, organizativas e regulatórias, pouco consentâneas com um mercado desequilibrado pelos grandes grupos económicos e a potência económica das empresas de outros países da União Europeia. Uma legislação em geral elaborada à margem da consulta atempada e adequada das associações, sectoriais e regionais, mais representativas daqueles estratos empresariais.

De toda esta abordagem é exemplo recente e vivíssimo a revisão em curso pelo Governo da Lei 12/2004 de 30 de Março, que regula o licenciamento dos grandes espaços comerciais!

IX. Acrescentem-se ainda os problemas estruturais dos níveis de gestão, organização e dotação com quadros técnicos e científicos de formação superior, que a generalidade das pequenas (e muitas grandes) empresas portuguesas enfrentam. Ou ainda os baixos níveis de formação que um elevado número dos seus gestores, administradores e proprietários possuem. Não se deve naturalmente enterrar a cabeça na areia e não ver o óbvio. Mas tal constatação não pode servir para não identificar e pior, tentar iludir as condições e condicionantes em que operam os empresários portugueses, e que acima se sintetizaram, e fundamentalmente para não lhes dar resposta adequada ao nível das estratégias e políticas. A visão redutora que reduz (pese o pleonasmo) o problema das pequenas empresas ao problema da qualidade da gestão e dos gestores, tem um evidente e oportunista interesse político: autoculpabiliza o empresário e iliba o poder politico e os governos das suas responsabilidades! E não haverá qualidade de gestão que possa ultrapassar com êxito alguns dos problemas e estrangulamentos enunciados, para, nomeadamente, vencer a batalha da competitividade.

 

Pela importância que as micro, pequenas e médias empresas assumem na economia nacional e pelos riscos de sério agravamento económico e social do País, decorrente da persistente degradação da sua situação, a Assembleia da República resolve, ao abrigo do disposto no nº 5 do Artigo 166º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo no quadro de políticas que assumam os princípios e critérios económicos da Constituição que no seu Artigo 86º, afirma «O Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas», as seguintes medidas consideradas prioritárias e urgentes:

1. A audição das associações de pequenos empresários em toda a legislação que lhes respeita.

2. Novas regras para o ordenamento comercial e a regulação do mercado retalhista, no contexto da revisão da Lei 12/2004 com o objectivo da «coexistência e equilíbrio», de facto, dos «diversos formatos comerciais» e a consequente necessidade de actualização do cadastro comercial, a que deve acrescentar-se o estabelecimento de nova regulamentação do horário das unidades de comércio e serviços.

3. A prioridade na aplicação dos fundos comunitários às pequenas empresas, com uma regulamentação em conformidade do QREN, desburocratizando e agilizando os processos de candidatura, privilegiando como modo de ajuda o incentivo a fundo perdido, com garantia de montantes próprios para as micro e pequenas empresas e a consideração específica de áreas e sectores que hoje enfrentam particulares dificuldades.

4. Uma política fiscal que responda às características das pequenas empresas, inclusive pela tributação dos seus rendimentos/lucros e não a partir do volume de vendas (aplicação de critérios técnicos e científicos previstos na legislação fiscal desde 2000), redução da taxa do IVA em 2 pontos percentuais, a reconsideração do seu reembolso em caso de incobráveis e adequação do PEC (Pagamento Especial por Conta) a níveis mínimos e consentâneos com a realidade empresarial em causa.

5. A urgente intervenção nos preços da energia - electricidade, gás natural e combustíveis líquidos - assegurando preços competitivos com os dos outros países da União Europeia, e em particular com os da Espanha.

6. Uma política de crédito, em que a Caixa Geral de Depósitos tenha um papel central e «pedagógico» no mercado bancário nacional, assegurando condições preferenciais para a pequena empresa, e uma intervenção regulatória do Banco de Portugal supervisionando as condições do crédito concedido.

7. Uma «entidade específica» no Ministério da Economia para os micro, pequenos e médios empresários, recuperando o papel e natureza inicial do IAPMEI (1975), como interlocutor privilegiado da pequena empresa, em particular no seu relacionamento em torno dos incentivos públicos.

8. Uma forte intervenção da AdC (Autoridade da Concorrência), dotada de meios, recursos humanos e legislação, com sequência tempestiva e célere na justiça, que permita combater as práticas violadoras da concorrência e o abuso de posições dominantes dos grandes grupos económicos.

9. O pagamento, nos prazos definidos por lei, das dívidas do Estado, e em particular das que são devidas por projectos de modernização e reconversão empresarial apoiados por fundos comunitários e/ou nacionais.

10. O apoio ao associativismo específico e autónomo dos micro, pequenos e médios empresários.

11. Uma particular atenção às negociações bilaterais e multilaterais da política comercial da União Europeia, uma persistente acção e intervenção em defesa da produção nacional e adequada protecção do mercado português no quadro das regras comunitárias.

Assembleia da República, em 19 de Fevereiro de 2008

 

 

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