Intervenção

Projecto de Lei nº377/VII-sobre Lei de Bases de Telecomunicações - Intervenção de Ruben de Carvalho

 Projecto de Lei nº 377/VII, do PCP, sobre a "Lei de Bases do Estabelecimento,
Gestão e Exploração das Infraestruturas e Serviços de Telecomunicações"
Intervenção de Ruben de Carvalho

 

Sr. Presidente Sras. e Srs. Deputados

O debate conjunto de que hoje nos ocupamos comporta desde
logo alguns aspectos algo bizarros.
Teoricamente dever-se-á ao facto de se pretender conciliar legislação portuguesa
com o quadro legal comunitário o reunir uma Lei de Bases de Telecomunicações
com modificações completamente parcelares na legislação sobre televisão, mas
desde logo, não parece que a decisão tenha sido sensata.
Se o membro do Governo encarregue da tutela da televisão declara na semana
passada que entende ser indispensável a completa revisão do quadro legal do seu
exercício e que o Governo se prepara para a fazer até ao final deste ano
sujeitando ao Parlamento a necessária legislação, que dramática urgência motiva
que se venha agora introduzir tão só algumas modificações no actual quadro?
Será que não haveria toda a vantagem em com paginar questões como a hoje proposta
da abertura da faculdade de produção própria aos operadores da TV por cabo com
a anunciada e necessária reconsideração de todo o sector?
E, no tocante às questões de titularidade de capital dos operadores televisivos
por parte de cidadãos comunitários, não seria igualmente de aguardar a
redefinição do quadro dos operadores nacionais para a encarar em todas as suas
vertentes?
A nosso ver, nada na verdade justifica esta pressa e, ela é também responsável por
insuficiências e aleijões de que enferma a proposta.
No tocante à Lei-quadro das telecomunicações, digamos benevolentemente que à
mesma pressa se deverão igualmente insuficiências que, contudo, entendemos
derivarem mais de incorrectas opções políticas. Mas, Sr. Presidente e Srs.
deputados, para além das discordâncias de fundo que existam, pensamos que se
concordará que só uma inexplicada e inexplicável pressa justifica que se
intitule de Lei-quadro um diploma com insuficiências e imprecisões que nem
sequer correspondem à qualificação técnica e profissional atingida no sector,
antes revelando que, mais do que fazer uma lei-quadro de telecomunicações se
pretende facilitar o quadro das privatizações!
E aqui chegamos ao verdadeiro vértice do que hoje aqui se encontra em debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os diplomas hoje em apreço, tratando embora
de questões com determinante componente técnica, levantam problemas
essencialmente políticos
. Problemas políticos, aliás, de relevância
nacional, problemas políticos que se situam nas sensíveis áreas da própria
soberania e da definição do nosso futuro enquanto país.
Nos preâmbulos dos dois diplomas apresentados pelo Governo invocam-se como imposições
para as medidas propostas duas condicionantes que fugiriam ao nosso controlo:
por um lado, os imperativos comunitários, por outro os imperativos do progresso
tecnológico.
Queremos desde já afirmar com toda a clareza que consideramos estas afirmações
inteiramente falaciosas: a razão das medidas propostas reside tão só e
exclusivamente em opções políticas do Governo, opções essas que não têm a
inevitabilidade da ausência de alternativas, antes envolvem a responsabilidade
de quem as toma – e ao que parece com alguma má consciência que leva a buscar justificações
onde elas não existem.
Na verdade, afirma-se na introdução à Proposta de Lei nº 89/VII que o
sistema regulador estabelecido pela lei nº 88/89 «se encontra hoje largamente ultrapassado
pelas profundas transformações tecnológica se institucionais que vêm
impulsionando o desenvolvimento global das telecomunicações» referindo-se de
seguida as directrizes comunitárias no sentido da liberalização do
mercado das telecomunicações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, entendamo-nos de uma vez por todas quanto a
uma pura questão de língua pátria: liberalização de mercados não é sinónimo
de privatizações de empresas públicas
.
Mais: liberalização de mercados nem sequer é sinónimo de ausência, de
impossibilidade de existência de empresas públicas, da presença do Estado nos
sectores económicos em causa.
A questão de fundo que continua a colocar-se é a de saber se,
independentemente das dinâmicas de desenvolvimento técnico que possa gerar, o
puro funcionamento do mercado garante a salvaguarda de interesses nacionais,
garante a defesa de estratégias de desenvolvimento que coloquem em primeiro
lugar as necessidades de Portugal e dos portugueses.
Ora, pelo contrário e a nosso ver, o quadro legal que é proposto dará origem a:
- entrega do controlo do sistema português de telecomunicações ao capital
privado; - total impossibilidade por parte de Portugal de impedir que a
realidade mundial do mercado determine o controlo dos operadores de
telecomunicações em Portugal por empresas e interesses transnacionais; -
decorrente dependência das telecomunicações portuguesas (em termos de funcionamento,
de desenvolvimento, de investigação, etc.) dos interesses transnacionais.
Mas há mais.
Como é óbvio, Portugal não se encontra no «grau zero» das telecomunicações. Não
se trata de criar condições para mobilizar capitais estrangeiros que permitam a
criação ou sequer o desenvolvimento de um sector economicamente importante: Portugal
dispõe de um sector de telecomunicações dinâmico e, inclusivamente, objecto de
vultosos investimentos realizados nos últimos anos com capitais, e sublinhe-se
firmemente, obtidos através de recursos nacionais e das cobranças efectuadas
junto dos clientes portugueses
.
Ora, ao associar-se «privatização» e «liberalização», o que se prepara é não
só a entrega ao capital privado e internacional de um sector estratégico da
economia portuguesa mas também dos próprios bens materiais e humanos criados, gerados
desenvolvidos pelo País.

Sr.Presidente, Srs. Deputados
O empenho do executivo do Partido Socialista com o capital privado ao qual
pretende entregar as telecomunicações portuguesas em geral e os milhões da
Portugal Telecom em particular é aliás verdadeiramente desvelado.
Numerosos aspectos da Proposta de Lei nº 89/VII mereceriam uma atenção para que
o tempo escasseia, mas não queremos deixar de sublinhar dois.
Um primeiro aspecto, revela desde logo que a presente Lei de Bases se preocupou
mais com a abertura ao capital privado do que na efectiva fixação de bases
para o sector.
Não é aceitável na verdade remeter para legislação posterior uma questão tão
sensível como a concessão da gestão, exploração e desenvolvimento do que o
diploma chama as infra-estruturas da rede básica - e essencialmente a sua
articulação com o serviço universal, deixando assim no campo da indefinição:
1º Se o assegurar do serviço universal é uma decorrência daquela concessão,
indefinição que gera mesmos equívocos quanto à própria definição da rede
básica.
2º Se o serviço universal inclui ou não transmissão de dados e como se enlaça
este aspecto com as concessões.
A gestão da rede básica e respectivas infraestruturas é obviamente uma base da
política de telecomunicações e não se compreende que não se clarifique desde
logo a questão.
E ainda um revelador pormenor.
Prevê o Governo que a existência e funcionamento de um sistema universal e
básico de telecomunicações (funcionando sobre as infraestruturas construídas e propriedade
do Estado) possa ser atribuído por concessão a um operador privado. Àquele
concessionário caberá a exploração dos lucrativos sectores das telecomunicações
urbanas e de áreas desenvolvidas, bem como a obrigatoriedade de assegurar
serviços básicos em zonas menos desenvolvida se interiores. Poderia pensar-se
que, do ponto de vista do Estado, se tratava de uma defensável imposição de obrigar
o capital privado que lucra com as redes rentáveis a encurtar um pouco os seus
benefícios assegurando as comunicações socialmente indispensáveis, embora
economicamente menos rentáveis. Mas não. A Proposta de Lei prevê desde já que
esse operador possa ser «compensado» pelos serviços não lucrativos que preste,
de forma a que todos nós lhe paguemos uns poucos prejuízos e os seus
accionistas fiquem com os seus muitos lucros!

Sr. Presidente, Srs. Deputados
Invocar as directrizes comunitárias para todo este processo levanta, repetimos,
várias questões dificilmente aceitáveis.
Em primeiro lugar, sabe o Governo e sabe este Parlamento, que uma directriz
comunitária não é um diktat, que - como não pode deixar de ser - aos
Estados membros da Comunidade cabe uma margem apreciáve de intervenção. A
questão essencial põe-se na vontade política, na vontade de colocar
antesos interesses portugueses vistos pela óptica do nosso povo, da nossa
economia, da nossa realidade, ou pelo contrário, na opção pela subserviência
cega a Maastricht,a cavalgada para a moeda única custe o que custar e doa a
quem doer - sendo que dói sempre aos mesmos, aos que trabalham ou, pior, aos
que nem trabalho têm.
Se olharmos a realidade da Europa hoje verificaremos, muito pelo contrário, que
os povos se interrogam sobre soluções que, em nome dessa integração, lhes foram
impostas e que, decorrido tempo, estão longe de serem portadoras das apregoadas
benesses.
No campo concreto das telecomunicações, a opinião pública e todos os analistas económicos
ingleses são hoje severamente críticos quanto à privatização da British Telecom
e aos seus resultados de degradação de serviços (seguramente inevitável quando
a frenética busca de lucro sacrificou ali mais de130 mil postos de trabalho, um
terço dos efectivos) e agravamento das tarifas.
O executivo do Partido Socialista não ignorará certamente que no centro da
recente campanha eleitoral em França esteve exactamente a questão das
privatizações em geral e até, em particular, o do sector de telecomunicações e
que as posições que levaram a esquerda à vitória taxativamente prevêem uma revisão
do plano frenético de privatizações do anterior executivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados
Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um Projecto de Lei de
Bases das Telecomunicações alternativo ao do Governo.
Apreciaríamos se na sua consideração e debate fossem evitadas as cassetes
acerca de «estatismos» e «hostilidades ao mercado» que o texto não autoriza. O
diploma do PCP não ignora as realidades criadas pela expansão das
telecomunicações, pelos progressos tecnológicos e pelas mutações por ele introduzidas:
mas o que o projecto do PCP também não ignora é que existem responsabilidades
colectivas, nacionais, nos sectores estratégicos da economia.
Continuamos firmemente convictos de que os cidadãos exigem mais do Estado e dos
governantes que para ele elegem além da elaboração de regulamentos de concursos
públicos para concessões ou da venda na Bolsa das acções das empresas públicas.
Disse.

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