Projecto de Lei

Projecto de lei n.º 97/X - Apoio à produção e à radiodifusão da músicaportuguesa

Adopta medidas de apoio à produção e à radiodifusão da músicaportuguesa

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Preâmbulo

 

O PCP encara com grande preocupação os problemas que afectam a produção musical portuguesa e para os quais os diversos grupos parlamentares têm vindo a ser insistentemente alertados, por parte de diversos movimentos de opinião dinamizados por representantes dos autores, dos criadores e dos intérpretes da música portuguesa.

De entre os problemas que têm sido suscitados, destacam-se naturalmente, o da pirataria física, cuja fiscalização importa reforçar, o da pirataria através da internet, o do regime do IVA, que não deixará de se agravar com o anunciado aumento para 21% da taxa mais elevada, a extensão do período de protecção dos direitos de autor e o seu alargamento aos direitos conexos, bem como o muito debatido problema da escassa difusão de música portuguesa por parte dos operadores nacionais de radiodifusão.

Todos estes problemas dificultam sobremaneira, como é óbvio, as condições de sobrevivência da música portuguesa, com todas as consequências sociais, culturais e económicas que daí decorrem. A situação actual é muito preocupante, com a redução drástica do número de editoras a trabalhar em Portugal e com a sua redução a meras filiais de multinacionais da música que não investem na produção e divulgação da música portuguesa.

Uma questão que tem sido muito debatida entre nós diz respeito à escassa divulgação da música portuguesa, e em geral da música de expressão portuguesa, por parte dos operadores nacionais de radiodifusão. A verdadeira “ditadura” das chamadas “play-list” na maioria das rádios portuguesas, remete a música portuguesa para um verdadeiro “guetto”, e retira-lhe a possibilidade de uma divulgação pública obviamente indispensável para o seu maior desenvolvimento. Tal situação não tem, no entender do PCP, qualquer justificação aceitável.

Desde logo, porque as rádios a operar em Portugal, detentoras de uma licença pública para ocupar o espaço radioeléctrico disponível, assumem por esse facto uma responsabilidade para com Portugal e os portugueses que não pode ser escamoteada. O cumprimento dos fins gerais e específicos da actividade de radiodifusão exige que a programação das rádios não se deva limitar a meros e estreitos interesses comerciais, mas que tenha em conta o dever de todos, de fazer algo pela promoção e difusão da língua e da cultura portuguesas. Acresce que a opção pelas “play-lists” na programação das rádios portuguesas não decorre de nenhuma preferência expressa do público a que a programação radiofónica se destina. Ao contrário, todos os dados conhecidos apontam para o facto insofismável das vendas de música portuguesas ocuparem um espaço do mercado discográfico muito superior, em termos percentuais, ao espaço radiofónico que é dado à sua divulgação. Pelo que se conclui que essa opção decorre dos interesses comerciais estreitos das multinacionais da música a que a maioria das rádios se submete ou é submetida.

Esta realidade impõe, no entender do PCP, uma intervenção concreta da parte do legislador. Assim, na IX Legislatura, quando a questão foi suscitada, o Grupo Parlamentar do PCP apoiou todas as iniciativas cívicas e legislativas no sentido da imposição de quotas razoáveis de difusão de música portuguesa na rádio, e lamenta que, devido à inércia imposta pela maioria então existente na Assembleia da República, não tenha chegado a bom termo o processo legislativo iniciado.

Na presente legislatura, no momento em que a questão é de novo suscitada, o Grupo Parlamentar do PCP, não só reitera a sua disponibilidade e empenho em colaborar para uma solução legislativa de defesa da música portuguesa, como se dispõe, através da apresentação do presente projecto de lei, a contribuir com propostas concretas para esse objectivo.

Nesse sentido, o PCP propõe, em síntese:

A fixação de quotas mínimas conjugadas de divulgação de música de expressão portuguesa e de música de autores ou intérpretes portugueses por parte dos operadores portugueses de radiodifusão, tendo em consideração dois objectivos: O de promover a divulgação de músicas com letra em língua portuguesa, independentemente da nacionalidade dos seus autores e intérpretes, mas também o de promover os próprios criadores portugueses. Ambos os objectivos são meritórios e ambos devem ser conjugados, sob pena de a exclusividade de um, poder anular a existência do outro. Assim, o PCP propõe que 60% da quota atribuída à difusão de música portuguesa seja preenchida com obras musicais criadas ou interpretadas por portugueses.

A quota mínima a estabelecer para a generalidade dos operadores de radiodifusão deve ser de 20%, competindo essa fixação a Portaria a emitir pelo membro do Governo responsável pela área da Cultura, que pode obviamente fixar uma quota mais exigente. Já relativamente ao primeiro canal do operador concessionário do serviço público de radiodifusão deve ser estabelecida uma quota mais exigente, não inferior a 50%.

A atribuição à entidade reguladora do sector da comunicação social da competência para fiscalizar a aplicação das quotas por parte das rádios e de aplicar as sanções pela respectiva violação, o que não pode deixar de implicar a dotação dessa entidade com os meios técnicos, humanos e legais indispensáveis para esse efeito.

Não se trata obviamente de uma proposta fechada. Reconhecida a complexidade das matérias objecto do presente processo legislativo e as diferentes opiniões existentes sobre as mesmas, até por quem defende genuinamente os mesmos propósitos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta estas propostas com inteira disponibilidade para considerar melhores soluções que possam surgir do debate que deve contar com a participação activa dos principais interessados. O propósito que acima de tudo norteia o Grupo Parlamentar do PCP neste processo é o de contribuir para que a música portuguesa obtenha nas rádios portuguesas a divulgação que é justa e merecida e que os direitos dos criadores musicais portugueses sejam mais eficazmente defendidos.

O PCP tem plena consciência de que algumas das justas reivindicações dos criadores da música portuguesa não obtém satisfação através da presente iniciativa legislativa, tendo em conta o seu objecto relativamente limitado. Tal não significa que o PCP abdique da sua defesa, o que não deixará de fazer quando outros aspectos relevantes para a promoção da música portuguesa possam ser suscitados na Assembleia da República.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

 

Adopta medidas de apoio à produção e à radiodifusão da música portuguesa

 Artigo 1.º

Objecto e âmbito

A presente lei tem por objecto a adopção de medidas de apoio à produção e difusão da música portuguesa e aplica-se aos serviços de programas dos operadores radiofónicos de âmbito nacional, regional e local.

 Artigo 2.º

Definição de música portuguesa

Para os efeitos da presente lei, considera-se música portuguesa:

a) qualquer obra musical que tenha letra em língua portuguesa, independentemente da nacionalidade dos seus autores ou intérpretes;

b) qualquer obra musical criada ou executada por cidadãos portugueses, residentes ou não em Portugal;

c) qualquer obra musical criada ou executada por pessoas que tenham residência permanente no País à data da sua primeira edição ou comunicação pública.

Artigo 3.º

Difusão de música portuguesa

1 - A difusão de música portuguesa, vocal ou instrumental, por parte dos operadores portugueses de radiodifusão preenche um mínimo de 20% da totalidade da música difundida por serviço de programa.

2 - Compete ao Governo, ouvidas as associações representativas dos sectores envolvidos, estabelecer por períodos de dois anos, através de portaria, a quota de difusão de música portuguesa aplicável igual ou superior à prevista no número anterior.

3 - 60% da quota estabelecida no n.º 1 é preenchida pela difusão de obras musicais criadas ou interpretadas por portugueses.

 Artigo 4.º

Serviço público de radiodifusão

A difusão e a divulgação da música portuguesa, bem como dos seus intérpretes e compositores, nos serviços de programas do operador concessionário do serviço público de radiodifusão são estabelecidas no respectivo contrato de concessão, não devendo a percentagem de difusão no seu primeiro programa ser inferior a 50% da totalidade da música difundida.

 Artigo 5.º

Serviços de programas temáticos

1 – O disposto na presente lei não se aplica aos serviços de programas classificados como temáticos, nos termos da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro, desde que o modelo específico de programação se baseie na difusão de géneros musicais não representados no nosso país.

2 – A entidade reguladora da Comunicação Social determina quais os operadores de radiodifusão abrangidos pelo número anterior.

 Artigo 6.º

Cálculo das percentagens

1 – O cálculo das percentagens previstas nos artigos 3.º e 4.º é feito mensalmente e toma em conta o conjunto da música difundida por cada serviço de programas do mês anterior.

2 – A base de cálculo prevista no n.º 1 reporta-se ao número de composições difundidas.

3 – Na difusão musical pelos serviços de programas as percentagens previstas na presente lei devem ser igualmente respeitadas na programação emitida entre as 7 e as 20 horas.

Artigo 7.º

Controlo das percentagens

O controlo das percentagens difundidas pelos serviços de programas compete à entidade reguladora da Comunicação Social, em termos a regulamentar pelo Governo.

Artigo 8.º

Sanções

1 – A infracção ao disposto na presente lei constitui contra-ordenação punível com coima de 3000 a 50000 euros.

2 – A aplicação das coimas previstas no número anterior compete à entidade reguladora da Comunicação Social.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 60 dias após a data da sua publicação.

 

Assembleia da República, em 27 de Maio de 2005

 

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