Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 639/X - Factor de sustentabilidade

 

Revoga o factor de sustentabilidade

Para pesquisar a situação: clique aqui

Exposição de motivos

O Sistema Público, Universal e Solidário de Segurança Social é um sistema de garantia de atribuição de prestações, como direitos, que desempenha na sociedade actual um papel decisivo na política de protecção social de todos os Portugueses. A Segurança Social está presente nos momentos mais marcantes da vida das mulheres e homens do nosso país. Está presente nos bons momentos, por exemplo aquando do nascimento de um filho, mas está sobretudo presente quando surgem dificuldades como sejam o desemprego, a invalidez ou a exclusão social.

Contudo, o Governo do PS, na senda dos Governos antecessores, encetou um processo de desmantelamento do sistema público de Segurança Social, penalizando cada vez mais os reformados e pensionistas portugueses, quer através da imposição do factor de sustentabilidade quer através de uma fórmula de cálculo que, pelo período de mais de um ano, penalizou severamente quem se reformou a partir de 2007.

O PCP, desde sempre rejeitou este caminho, levando mesmo ao retrocesso do Governo na aplicação da fórmula de cálculo, sem que o PS, contudo, ressarcisse os milhares de pensionistas pelo tempo em que viram a sua reforma reduzida em várias dezenas de euros.

O PCP rejeita, ainda, a redução de importantes direitos constitucionalmente consagrados, caminho trilhado de uma forma particularmente intensa pelo Governo PS. É necessário sublinhar que, embora o número de activos por pensionistas tenha diminuído em Portugal, devido ao envelhecimento da população, é ocultado que o crescimento da riqueza criada por empregado aumentou muito mais. Entre 1975 e 2004 o número de activos por pensionistas diminuiu de 3,78 para 1,63, ou seja baixou 2,3 vezes. Mas, no mesmo período, a riqueza criada por empregado cresceu 41 vezes, já que, segundo o Banco de Portugal, o PIB por empregado subiu de 640 euros para 26 300 euros. 

O PCP rejeita que, a pretexto da "questão demográfica" ou de qualquer outra, se introduza um eufemisticamente denominado "factor de sustentabilidade" no sistema previdencial. Este factor é, simplesmente, um factor de redução das pensões.

O PS empenhou-se, desde o início do seu mandato, em anunciar a falência do sistema de Segurança Social. Com base num estudo com a designação de "Relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social", que o Governo PS anexou à proposta de Orçamento do Estado para 2006, fundamentou todas as medidas de penalização dos reformados e pensionistas, omitindo, por completo, a necessidade de diversificação das fontes de financiamento.

Com as projecções demográficas daquele Relatório, cujo carácter aleatório é evidente, e com as taxas de crescimento económico aí apresentadas, que são inferiores às constantes do próprio Plano de Estabilidade e Crescimento para 2006-2009, chega-se à conclusão de que, em 2015, se esgotaria o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e que, a partir desse ano, a Segurança Social apresentaria sempre um défice crescente. Todavia é no próprio Relatório que se reconhece que a "Segurança Social é bastante sensível às evoluções a longo prazo das variáveis macroeconómicas, dos ganhos de produtividade induzidos por melhorias qualificacionais e organizacionais" (pág. 242). E que por isso, "as projecções apresentadas devem ser lidas à luz dos pressupostos macroeconómicos e demográficos considerados, em termos de tendência, e sem considerações imperativas sobre os momentos de ruptura ou dos défices previstos do sistema" (pág. 245 do relatório).

No entanto, e apesar deste chamamento de atenção feito pela própria comissão que elaborou o relatório, para a incerteza das projecções e conclusões, o relatório tem sido reiteradamente utilizado de uma forma alarmista.

Assim, e num quadro em que cerca de 85% dos reformados em Portugal vive com menos de um salário mínimo por mês, o Governo pretende aplicar factores de redução das já baixas pensões. Entre os reformados, as mulheres continuam a ser as mais penalizadas, sendo que a pensão média das mulheres na invalidez é 76,5% da do homem e, na velhice, é somente de 60,5%. Entre 2008 e 2009, os aumentos médios este ano nas pensões de invalidez foram de 35 cêntimos por dia para os homens e apenas de 27 cêntimos para as mulheres; e nas pensões de velhice, os aumentos médios, entre 2008 e 2009, foram de 44 cêntimos por dia para os homens e de apenas 27 cêntimos para as mulheres.

Na Administração Pública, contrariamente àquilo que o Governo pretende fazer crer, existem muitos trabalhadores que se aposentam com pensões muito baixas. De acordo com o Relatório e Contas da CGA, 40,6% dos aposentados da Administração Pública recebem pensões inferiores a 750 euros, e 13,4% recebem mesmo pensões inferiores a 250 euros por mês. Em 2009, uma parte dos reformados e dos aposentados da Administração Pública (os com pensões entre 6 IAS e 12 IAS) tiveram aumentos ainda inferiores aos do sector privado, que foram já muito baixos.

É sobre estas pensões que o Governo introduziu o factor de sustentabilidade. Mas estas medidas não afectam apenas os que se vão reformar num futuro próximo. A antecipação da nova fórmula de cálculo das pensões introduziu, a partir da sua entrada em vigor, reduções imediatas nas pensões, que o próprio Governo estimou serem entre 8% e 12%. O factor de sustentabilidade aliado à antecipação da nova fórmula de cálculo das pensões hipoteca, desde já, o futuro de milhares de jovens que hoje iniciam a sua vida laboral. Estima-se que a aplicação destes dois factores implicará uma redução de 34% nas pensões em 2050, garantido que o reformado receba apenas 55% daquela que foi a média das suas remunerações. Esta é proposta de mais justiça social deste Governo.

Ao mesmo tempo que, a par do anúncio do aumento das receitas da Segurança Social, deitando por terra a tese da falência, o Governo invoca a crise para reduzir salários e pensões, usa o orçamento da Segurança Social para alegadamente a combater, financiando as entidades patronais. É o próprio Governo que admite: a comunicação social, invocando fontes governamentais (Diário de Notícias de 19.12.08, "Governo abdica de 200 milhões em receitas de contribuições"), indica que a redução da receita prevista nas medidas de combate à crise vai ser suportada em partes iguais pelo Orçamento de Estado e pelo Orçamento da Segurança Social.

Assim, e de acordo com estimativas da CGTP-IN, só o custo com a redução de 3 pontos percentuais ascende a 170 milhões de euros, admitindo que serão abrangidos 513 mil trabalhadores como é indicado pelo Governo. Estes dados supõem um salário médio sujeito a base de descontos para a segurança social de perto de 800 euros.

As perdas são mais elevadas em resultado da aplicação de medidas de redução ou isenção das contribuições patronais. Em 2009, estas perdas são avaliadas pela CGTP-IN em 56 milhões de euros. O Governo anuncia um total de 225 milhões de euros em 2009 dos quais metade será suportada pela segurança social. Esta verba representa 27% do que o Governo prevê gastar este ano com o subsídio de doença. Mas o custo será superior porque as medidas de isenção de pagamento de contribuições podem durar 3 anos.

Por outro lado, haverá perdas de contribuições em resultado da redução da TSU de 1% para trabalhadores efectivos. A perda total estimada das contribuições dos trabalhadores por conta de outrem é estimada pela CGTP-IN em 300 milhões de euros anuais, supondo-se uma taxa de contratação a termo de 18,5%. Parte desta verba será recuperada pelo agravamento da TSU sobre os contratos a termo, não havendo recuperação total.

O Governo PS demonstra, assim, claramente, quem suportará o défice, impondo sobre os actuais e futuros reformados uma brutal e injusta redução nas suas pensões - redução no rendimento de que dependem, na grande maioria, exclusivamente milhares de pensionistas, que não conseguem fazer face ao aumento do nível de vida. Num contexto de aumento da pobreza, a política necessária passa pelo aumento dos salários e pensões, pela valorização dos trabalhadores e dos reformados. Porque é possível uma vida melhor, o PCP propõe a revogação do factor de sustentabilidade, afirmando a necessidade de pensões justas que permitam uma vida com dignidade.

Assim, nos termos legais e regimentais aplicáveis, os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1º

Alteração à Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro

É revogado o artigo 64º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro.

Artigo 2º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro

É revogado o artigo 35º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Artigo 3º

Recálculo oficioso das pensões

As pensões calculadas com aplicação do factor de sustentabilidade desde a data da sua entrada em vigor, serão recalculadas com base na presente lei, sendo devidos os retroactivos decorrentes da aplicação do factor de sustentabilidade, os quais deverão ser pagos, integralmente, a cada beneficiário, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Assembleia da República, em 14 de Janeiro de 2009

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei